quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

POLITICAMENTE CORRETO OU BIOLOGICAMENTE CORRETO?

A campanha “Segunda sem carne” surgiu em 2003 nos Estados Unidos, chegando ao Brasil em 2009, e tem como objetivo a substituição da ingestão de proteína animal por proteína vegetal por, pelo menos, um dia na semana. O intuito é diminuir a demanda coletiva por produtos de origem animal e gerar benefícios para a saúde das pessoas, para o meio ambiente e para os animais. Estas informações foram retiradas da página "Segunda sem carne, descubra novos sabores”, embora a mesma não defina quais seriam esses benefícios.
Vamos falar sobre o que mais nos interessa: as pessoas. Afinal um planeta com meio ambiente perfeito (embora não se possa definir o que viria a ser um meio ambiente perfeito), e repleto de animais vivendo em harmonia, de nada nos serviria sem a humanidade vivendo nele. Sim, é um axioma.
Em geral a carne vermelha é uma boa fonte de proteína, niacina, vitamina B6, vitamina B12, fósforo, zinco e ferro, além de uma série de gorduras, incluindo ácidos ômega-3. Vamos nos concentrar nas proteínas.
Cerca de 20% do corpo humano é composto por proteínas, embora o mesmo não armazene-as, daí a necessidade de uma ingestão diária de fontes proteicas podendo as mesmas serem de origem animal ou vegetal. A diferença entre estas duas fontes são os aminoácidos que elas contém.
Quando ingeridas, as proteínas são quebradas em aminoácidos, sendo estes utilizados em praticamente todas as funções metabólicas do organismo. As proteínas de origem animal fornecem aminoácidos de alto valor biológico em quantidades e proporções ideais para atender às necessidades orgânicas, sendo, portanto, uma proteína completa. Já as proteínas de origem vegetal são de baixo valor biológico, pois têm uma quantidade menor de aminoácidos, tendendo a ser pobres em metionina, triptofano, lisina e isoleucina.
Embora a carne esteja sendo considerada a “malvada” da vez, pesquisas avançadas sugerem que o problema não seja a carne em si, mas sim a carne processada: presunto, bacon, salsicha, linguiça, mortadela, etc.
No episódio “O nascimento da mente” da série “Humanos, quem somo nós”, disponível no youtube, verifica-se que a mudança de dieta, no homem primitivo, a partir da ingestão de proteína animal, foi decisiva na formação do cérebro humano conforme o temos hoje. Segundo o documentário, ao consumir carne o homem conseguiu uma quantidade de energia jamais conseguida anteriormente, o que possibilitou o aumento do cérebro e, consequentemente, o desenvolvimento de habilidades únicas dentro do reino animal, como a comunicação e a tecnologia.
A revista National Geographic cita na reportagem “A evolução da dieta” que “a ingestão de carne foi crucial para a evolução dos cérebros de maior dimensão dos nossos antepassados, há dois milhões de anos. Ao ingerir carne e tutano em vez da dieta vegetal dos símios, o nosso antepassado direto, o Homo erectus, acumulava energia suplementar em cada refeição. Alimentou assim um cérebro maior. A digestão de alimentos de melhor qualidade e fibra vegetal menos volumosa terá permitido que estes seres humanos possuíssem um aparelho digestivo menor. Por sua vez, a energia disponibilizada graças à menor dimensão do aparelho digestivo teria sido utilizada pelo cérebro, segundo Leslie Aiello, a primeira a propor esta hipótese, juntamente com o paleoantropólogo Peter Wheeler. O cérebro consome 20% da energia do corpo humano em repouso; em comparação, o cérebro de um símio requer apenas 8%. Isto significa que, desde o Homo erectus, o corpo humano tem dependido de um regime alimentar composto por alimentos ricos em energia.”
A ingestão de carne não foi essencial somente para a formação do cérebro ao longo da evolução, mas ainda o é, hoje em dia, para a formação de memória. A palestra “Cérebro e aprendizagem: um diálogo entre a neurociência e a educação” ministrada pela Profa. Dra. Leonor Bezerra Guerra para o Núcleo de Formação de Professores da Universidade Federal de São Carlos, disponibilizada também pelo youtube, destaca que, para que haja aprendizado são indispensáveis três requisitos: repetição, sono e ingestão de proteína. Segundo a professora, o assunto a ser aprendido deve ser visto e revisto diversas vezes para que, durante o sono, haja uma modificação no neurônio, chamada de espícula dendrítica (sendo esta o resultado da aprendizagem ou a representação física da memória), podendo somente ser promovida na presença de proteína. A palestra que dura mais de duas horas explica com detalhes como se dá essa modificação cerebral que promove a formação de memória ou aprendizagem a partir de novas sinapses.
O blog “Neurociências em benefício da educação” confirma que “aprendizagem nada mais é do que modificarmos nossos comportamentos”, que para acontecer “se faz necessário ocorrer uma mudança física dentro de nosso cérebro, que é justamente o crescimento das espinhas dendríticas (espículas dendríticas)”.
Além disso, pesquisadores da Universidade de Toronto, no Canadá, e da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, descobriram que uma proteína denominada creb controla a capacidade de um neurônio para participar da formação de memórias. Segundo o estudo, os neurônios competem para codificar uma memória no cérebro, sendo que os que vencedores possuem altos níveis de creb. “Descobrimos que a quantidade de creb influencia se o cérebro armazena ou não as memórias. Se uma célula apresenta pouca quantidade dessa proteína, é menos provável que mantenha a memória. Se ela a apresenta em quantidade, o armazenamento é mais provável”, explicou Alcino Silva, coordenador da pesquisa e professor de neurobiologia e psiquiatria na Escola de Medicina David Geffen School, da Ucla.
Estudos anteriores haviam identificado a falta de certa proteína denominada Arc (actin-regulated cytoskeleton) no cérebro de pacientes com mal de Alzheimer. Experimentos realizados pelo professor de neurologia e fisiologia da Universidade da Califórnia Steve Finkbeiner, revelaram que a proteína Arc age como um regulador mestre dos neurônios durante o processo de formação da memória de longo prazo.
Destacada a importância da ingestão de proteínas para os seres humanos, é sempre bom lembrar que a natureza não é linda, fofinha, nem mesmo justa. O homem não é o único animal carnívoro na natureza. Deixar de ingerir carne não garante a sobrevivência do animal em questão. Se você não come uma galinha, uma raposa irá comê-la.
Eu acho que uma das piores consequências da ingestão de carne pelo homem primitivo, que possibilitou a formação do cérebro como o temos hoje, foi evoluir até o ponto em que o homem pós-moderno conclua que tem em suas mãos todo o controle sobre o universo, o presente e o futuro.

REFERÊNCIAS: