Antes de descrever o que é o transtorno de personalidade borderline é preciso compreender o que é uma personalidade propriamente dita.
De forma bem abrangente, a personalidade é um conjunto de padrões de pensamentos, sentimentos e comportamentos que uma pessoa apresenta ao longo de sua existência. Ela é o resultado da interação dinâmica daquilo que herdamos geneticamente de nossos pais (temperamento) com as experiências que adquirimos durante toda a vida (caráter). (p. 21)
A personalidade é um conjunto de padrões de pensamento, sentimentos e comportamentos que tendem a se repetir em uma pessoa ao longo de sua vida. Quando um padrão sentir/pensar/agir é apresentado por diversas pessoas de forma estatisticamente relevante na população geral, passa a ser uma personalidade classificável. (p. 22)
Todos nós apresentamos momentos de explosões de raiva, tristeza, impulsividade, teimosia, instabilidade de humor, ciúmes intensos, apego afetivo, desespero, descontrole emocional, medo da rejeição, insatisfação pessoal. E, quase sempre, isso gera transtornos e prejuízos para nós mesmos e/ou para as pessoas ao nosso redor. Porém, quando esses comportamentos disfuncionais apresentam-se de forma frequente, intensa e persistente, eles acabam por produzir um padrão existencial marcado por dificuldades de adaptação do indivíduo ao seu ambiente social. Quando isso ocorre podemos estar diante de um quadro bastante complexo, confuso e desorganizado, denominado transtorno de personalidade borderline (TPB). (p. 23)
Os borders (vamos chamá-los assim) são tão intensos que a vida com eles pode ser tudo, menos tranquila. Há um excesso em tudo que dizem e fazem, no mais puro estilo exagerado de sentir, pensar e agir. (p. 24)
Os borders vivem literalmente "nos limites". (p. 24)
Toda pessoa border vive no limite de uma hemorragia emocional; vez por outra sangra a alma e, não raro, o próprio corpo. (p. 24)
A pessoa border, por sua vez, também apresenta sintomas de ansiedade, dificuldade de concentração e impulsividade; no entanto, a origem destes não está na hiperatividade mental (como é o caso dos TDAHs), e sim na hiperatividade emocional/afetiva. (p. 27)
Segundo a Associação de Psiquiatria Americana (APA) e a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que 2% da população mundial tenham essa forma de ser, pensar e agir. (p. 30)
Optei por dividir as disfuncionalidades em quatro aspectos: emocional, cognitivo, comportamental e pessoal.
- Disfunção Emocional:
* Hiperatividade emocional
* Emoções dúbias e conflitantes
* Instabilidade afetiva
* Humor e equilíbrio emocional em constante oscilação
* Ira intensa inapropriada
* Agitação física
* Sentimento de vazio ou tédio
* Sentimento de ódio, ira e vergonha em relação a si mesmo
- Disfunção Cognitiva:
* Incapacidade de manter os pensamentos estáveis
* Dificuldade de aprender com as experiências passadas
* Autoimagem instável e com características extremas
* Sentimentos crônicos de vazio
* Pensamentos antecipados de abandono
* Temor excessivo de sofrer rejeição
* Seus objetivos e valores acompanham suas instabilidades emocionais e afetivas
* Não suportam ficar sozinhos
* Dificuldade de concentração
* Seus pensamentos tendem a seguir um padrão rígido, inflexível e impulsivo
* Pensamentos envoltos em autorreprovações e autocríticas
* Baixa tolerância a frustração
* Ideias paranoides transitórias; despersonalização, perda do senso de realidade ou sintomas dissociativos
* Aborrecimentos frequentes
- Disfunção Comportamental:
* Necessidade de controle externo
* Padrões de aparência oscilante
* Níveis de energia física incomuns, que se manifestam em explosões inesperadas de impulsividade
* Brigas e conflitos frequentes
* Comportamento recorrente de automutilação ou tentativas de suicídio
* Relações interpessoais intensas e caóticas
* Dependência excessiva dos outros
* Boa adaptação social
* Tendência a fazer passeios solitários para tentar refletir sem influência ao redor
* Comportamentos frequentes para proteger-se de possíveis separações afetivas
* Chantagens emocionais constantes e atos de irresponsabilidade
* Comportamento paradoxal em suas relações interpessoais
- Disfunção Pessoal:
* Sensação de vazio e de solidão
* Frequente comparação a outros, com uma visão autodepreciativa
* Dificuldade em expressar suas necessidades e sentimentos
* Facilidade em serem influenciados e manipulados, assim como tendência a manipular as pessoas ao seu redor para ter controle externo das situações
* Estilo de se vestir variável e instável, tal como seus afetos (p. 41 a 52)
Não podemos, de forma alguma, incorrer no equívoco de "diagnosticar" todas as pessoas que apresentam algumas das características descritas em detalhes. O que caracteriza, de fato, o transtorno de personalidade borderline é a presença de um conjunto bem-delineado de sintomas e o padrão de frequência, intensidade e temporalidade com que eles estão presentes no cotidiano desses indivíduos. (...) Muitas características dessa personalidade, tão complexa, são difíceis de serem identificadas e, principalmente, de serem diferenciadas de outros transtornos mentais, como exposto anteriormente. Entre eles estão a depressão, o transtorno bipolar, a ciclotimia, o TDAH, os transtornos de ansiedade (incluindo aqui o estresse pós-traumático), o transtorno de personalidade psicopática ou antissocial, entre outros. (p. 53)
Exponho a seguir os critérios diagnósticos. Destaco ser necessária a presença de, no mínimo, cinco das características descritas por um período de pelo menos um ano (em contextos sociais diferentes) para que o diagnóstico possa ser estabelecido de fato:
1. Impulsividade potencialmente perigosa em pelo menos duas áreas (exemplos: gastos excessivos, promiscuidade, direção perigosa, abuso de drogas, compulsão alimentar etc.).
2. Ira inapropriada e intensa ou dificuldade para controlá-la.
3. Instabilidade afetiva devido a uma grande reatividade do estado de humor.
4. Ideias paranoides transitórias relacionadas a estresse ou sintomas dissociativos graves.
5. Alteração de identidade: instabilidade acentuada e resistente da autoimagem ou do sentimento do self.
6. Um padrão de relações interpessoais instáveis e intensas.
7. Esforços frenéticos para evitar um abandono real ou imaginário.
8. Ameaças, gestos ou comportamentos suicidas recorrentes ou comportamentos de automutilação: 90% dos borderlines irão cometer uma tentativa de suicídio e, desses, 10% serão bem-sucedidos.
9. Sentimentos crônicos de vazio. (p. 54)
Apear dessa diversidade, as famílias que têm em seu lar um adolescente border costumam compartilhar certos tipos de pensamentos e comportamentos. (p. 64)
A impulsividade é regulada em uma região cerebral denominada córtex pré-frontal. Tal qual um maestro de uma orquestra, essa região tem a função de "filtrar" nossos impulsos, especialmente aqueles gerados por nossas emoções mais intensas, como raiva, ódio, rejeição e frustração. Quando o córtex pré-frontal funciona corretamente, podemos filtrar a carga emocional de nossos desejos imediatos, para adequarmos nossas ações às situações que requerem entendimento e comportamentos sociais e afetivos harmônicos. Quanto à impulsividade, as personalidades borders, em geral, apresentam dois aspectos desafiadores e que requerem delas um grande grau de consciência e esforço para transporem suas dificuldades. O córtex pré-frontal desses indivíduos apresenta uma disfuncionalidade que prejudica bastante a filtragem redutora dos impulsos que essa região recebe diretamente do sistema límbico.
O sistema límbico funciona como a grande central cerebral das emoções. Seria o coração de nossas mentes; é nessa região que sentimos desde as emoções positivas, como amor, ternura e tolerância, até as negativas, como ódio, mágoa e rancor. As pessoas borders apresentam uma grande hiperatividade nessa central emocional e, por conta disso, estão sempre gerando um número exacerbado de emoções com intensidades também elevadas. Essas emoções acabam produzindo impulsos que são conduzidos diretamente ao córtex pré-frontal, para serem moduladas de forma quantitativa e qualitativa. E é exatamente nesse processo que os borders começam a "capotar", pois o sistema de freio, composto pelos seus córtex pré-frontais, são hipofuncionantes; ou seja, eles freiam menos os impulsos emocionais do que deveriam. O resultado é uma impulsividade exacerbada, tal qual um carro em alta velocidade, que a qualquer hora pode provocar um grave acidente e com consequências desastrosas tanto para o motorista quanto para as diversas pessoas ao redor. (p. 67)
Sem tratamento adequado, tanto medicamentoso quanto psicoterápico, esses ataques de fúria irão ocorrer de forma inevitável, até porque existem motivos neurofisiológicos que os justificam e tendem a retroalimentá-los. (p. 68)
A adolescência é uma fase de busca de identidade, de descobertas e de experimentações. É normal que os filhos apresentem mudanças de identidade nessa fase de tantas indefinições e de novas definições, mas o que observo é que essa "crise fisiológica" de identidade nos adolescentes borderlines exibe um caráter mais profundo e intenso. Eles acabam sendo mais influenciados do que os demais adolescentes, sendo muito comum essas mudanças acontecerem de acordo com os melhores amigos. Por esta razão, os pais devem ficar atentos e ter muito cuidado com quem seus filhos se relacionam, pois eles são como "esponjas" que absorvem facilmente as ideias e os comportamentos de seus amigos do momento. Dessa forma, podem também ser manipulados por eles para cometerem alguns delitos ou mesmo realizarem fantasias de conteúdo sexual ou aventureiro de alto risco. É importante destacar aqui que a maioria absoluta dos borders, no fundo de suas consciências, sabe distinguir o certo do errado e os pais devem sempre destacar essa lucidez moral deles. (p. 72)
Para todos os pais que têm filhos adolescentes, o uso de drogas é uma preocupação. (...) Existem dicas que podem levar os pais a desconfiar de que isso esteja acontecendo com seu filho. Entre elas, destaco as seguintes:
- Começa a ficar misterioso;
- Irrita-se com perguntas banais sobre seu cotidiano;
- Distancia-se de forma radical dos pais;
- Passa muito tempo trancado no quarto;
- Piora o rendimento escolar;
- Perde o interesse nas atividades extracurriculares;
- Aumenta a irritabilidade;
- Piora o estado de humor;
- Evita apresentar seus novos amigos;
- Fica com a aparência descuida;
- Objetos e dinheiro começam a desaparecer de casa. (p. 75)
É importante esclarecer que traumas na infância, famílias desestruturadas e contextos socioeconômicos desfavoráveis podem potencializar o transtorno de personalidade borderline; entretanto, em hipótese alguma, são pré-requisitos fundamentais ou necessários para que o transtorno ocorra em uma determinada pessoa. (p. 90)
Em função dessa fluidez de identidade, o border tende a incorporar, de maneira intensa e muito rápida, hábitos, valores e comportamentos das pessoas com as quais estabelece relações afetivas, especialmente daquelas com quem desfruta de um convívio mais frequente.
É comum a pessoa border virar pagodeira, vegetariana, budista, evangélica, naturalista, desportista, capoeirista ou umbandista ao namorar alguém com algumas dessas práticas.
A identidade fluida revela a maior das feridas dos borderlines: uma total incapacidade de coexistirem dentro de si mesmos, gostarem de ser quem são e de exercerem o seu eu mais verdadeiro e profundo. (p. 117)
No momento da concepção, diferenças minúsculas na passagem de todo o material genético materno e paterno para o novo ser podem gerar e resultar em significativas diferenças no desenvolvimento final do complexo cérebro/mente de cada pessoa. (p. 131)
Antes do nascimento (em média um a dois meses), o cérebro do feto passa por um complexo processo de migração neuronal. Isto é, milhões de neurônios são realocados para "fortalecerem" áreas nobres que serão mais exigidas na fase pós-útero.
Logo após o nascimento, inicia-se um processo de "lapidação" neuronal, reduzindo o número de células cerebrais. Não sabemos a razão exata dessas mudanças, mas o fato é que elas ocorrem e nos expõem a toda a complexidade do desenvolvimento cerebral até os primeiros meses de vida de um bebê. (p. 132)
A neuropsiquiatria, apoiada nos avanços da neurociência, está descobrindo que grande parte do que julgávamos dever-se à má-educação ou a traumas infantis na verdade sofre profunda influência da genética, da estrutura e da neuroquímica de nossos cérebros.
Há quase um século Sigmund Freud afirmou: "Toda pessoa só é normal na média, seu ego aproxima-se do sicótico em uma ou outra parte, em maior ou menor extensão". Hoje a neurociência prova que Freud estava certo: provavelmente inexiste a pessoa "normal", no sentido de ter um cérebro perfeito em que cada região e função se harmonizem de forma igualitária. Esse cérebro perfeito talvez seja uma impossibilidade lógica: uma pessoa genial ou muito talentosa em determinada área de conhecimento ou habilidade se desenvolve como resultado de déficits (ou fraquezas) em outra. Um gênio em matemática ou física em geral apresenta poucas aptidões linguísticas ou habilidades sociais. De certa forma, "pagamos" pelo nosso talento tanto cognitivo quanto emocional, com perdas "relativas" em funções mentais. (p. 133)
O sofrimento dos borderlines pode nos parecer algo desproporcional ou mesmo exagerado, mas jamais podemos vê-lo como algo irreal ou ilegítimo. (p. 145)
A Psiquiatria Internacional reconhece que, atualmente, o diagnóstico desse transtorno pode levar até dez anos para ser feito de forma definitiva. (p. 146)
Por outro lado, gostaria de deixar claro que, independentemente da presença de um diagnóstico preciso, podemos e devemos auxiliar esses pacientes na busca de um conforto existencial mínimo para que eles possam evoluir positivamente n início do tratamento. Nesse momento é importante tratar os sintomas que mais incomodam e/ou trazem transtornos na vida do paciente, que são, em geral, os sintomas depressivos, os atos automutilantes e a impulsividade para consigo mesmo e para com os demais. (p. 147)
Devemos ter em mente ainda que o tratamento não é apenas para os indivíduos que fecham o diagnóstico, mas também para os que apresentam o traço borderline, ou seja, sintomas desse funcionamento mental a ponto de lhe causarem significativas disfuncionalidades na vida cotidiana. (p. 148)
Vamos imaginar que o nosso cérebro seja uma máquina complexa tal como um carro que precise de elementos-chave para um funcionamento ideal: combustível, revisão sistemática, ajustes etc. Além disso, a maneira como conduzimos o carro também contribui para que ele apresente problemas no futuro ou tenha uma vida mais longa e com qualidade. Se conseguirmos entender um pouquinho do que o nosso cérebro necessita para ter um desempenho mais eficaz, teremos a chance de potencializar seus aspectos positivos e, dessa maneira, melhorar nossa forma de viver. (p. 149)
A dialética utilizada no tratamento do transtorno de personalidade borderline é DESCONFORTO X CONFORTO do paciente frente a ele mesmo e às situações da vida diária, social, familiar, afetiva e profissional. Sendo assim, busca primeiro aliviar os maiores, mais graves e disfuncionais desconfortos e, posteriormente, outros sintomas que prevaleçam e que poderão surgir durante o tratamento. (p. 151)
O nosso cérebro é dinâmico e altamente reativo aos acontecimentos, pensamentos e sentimentos. Quando há uma dificuldade intrínseca de se conseguir esta sintonia, como ocorre com os borderlines, é preciso criar um ambiente interno perfeito para que o cérebro consiga funcionar adequadamente. Fazer uma boa hidratação diária, bebendo no mínimo dois litros de água; ativar a circulação sanguínea com exercícios físicos rotineiros; ter uma alimentação balanceada, de preferência rica em ômega-3 e com doses regulares de proteína animal, frutas e verduras. Deve-se, ainda, evitar jejuns prolongados, pois ativa o sistema cerebral do "stress", que, por sua vez, acaba ativando a amígdala - estrutura responsável pelas nossas emoções. Todos esses cuidados com o organismo são o mínimo que podemos fazer pelo nosso cérebro e para que produza, de forma harmônica, nossos neurotransmissores. (p. 153)
Esta fina lapidação do funcionamento dos circuitos cerebrais que ocorre com a ajuda dos medicamentos, da boa alimentação, da boa hidratação, dos exercícios físicos, do estímulo mental, da psicoterapia e da própria capacidade de readaptação cerebral é a grande arte da melhora tão esperada. (p. 156)
Os inibidores seletivos de recaptação da serotonina (ISRS) não causam dependência, têm baixa toxicidade e são extremamente seguros no caso de superdosagem. Apresentam poucos efeitos colaterais e, em sua grande maioria, são toleráveis, assim como ajudam a minimizar, de forma significativa, diversos sintomas dos pacientes borderlines. Se colocarmos em uma balança, geralmente, há poucos motivos (ou nenhum) para não prescrevê-los, mesmo que temporariamente. Nenhum tratamento psiquiátrico é definitivo, podendo variar conforme os sintomas.
- Fluoxetina: ação antidepressiva, principalmente em crianças e adultos jovens. É utilizado também no tratamento de transtornos alimentares, tensão pré-menstrual, hipersensibilidade emocional, irritabilidade e sintomas obsessivo-compulsivos.
- Paroxetina: usada nos estados depressivos, pânico e fobias.
- Sertralina: eficaz nos quadros depressivos, pânico, fobias, ansiedade, sintomas obsessivo-compulsivos, irritabilidade, agressividade e hipersensibilidade emocional.
- Citalopram: utilizado nos quadros depressivos e nos transtornos de ansiedade.
- Escitalopram: utilizado nos quadros depressivos e nos transtornos de ansiedade.
- Fluvoxamina: eficaz especialmente nos pensamentos obsessivos. (p. 157)
Estudos demonstram que realmente a terapia cognitivo-comportamental (TCC), mais especificamente a psicoterapia dialética-comportamental, terapia baseada na mentalização e terapia ficada na transferência, são mais eficazes nestes pacientes. Estas terapias, basicamente, focam no comportamento de hoje do paciente e me quem ele é agora; como ele se vê mais feliz e o que é possível fazer para conseguir isso. Aspectos da infância e da adolescência são relevantes e importantes para auxiliar no diagnóstico, mas a terapia é focada nestes aspectos. (p. 160)
A psicoterapia é o elemento-chave nessa reabilitação do sentir por meio de uma reestruturação cognitiva, que traz ao paciente uma nova forma de entender, enxergar e sentir o mundo, isto é, substituindo crenças, pensamentos e interpretações negativistas e disfuncionais do mundo e de si mesmo, aliviando assim seus sintomas de mal-estar interno. (p. 160)
A terapia familiar é fundamental, ressalto sua importância porque o conflito doméstico é algo bastante presente e que causa grande desconforto não só para os pacientes como para os familiares. (p. 162)
A psicoterapia em grupo é uma boa opção, especialmente para pacientes que apresentam traços border, cujo nível de disfuncionalidade é mais baixo. Já para os pacientes mais instáveis e graves, recomenda-se um tratamento individualizado. (p. 162)
Celebridades com suposto funcionamento borderline:
- Amy Winehouse - "Explosiva, encrenqueira e talentosa"
- Marilyn Monroe - "Bela, sexy e imortal"
- Tony Curtis - "Ascensão e queda de um astro"
- Janis Joplin - "A aloprada do rock"
- Elizabeth Taylor - "Filmes, vícios, luxo e sete maridos"
O transtorno de personalidade borderline deriva de diversas disfuncionalidades neurobiológicas dentro dos incontáveis circuitos cerebrais. De forma mais didática, isso significa dizer que existem nesse transtorno alterações na produção e na liberação de vários neurotransmissores, que são substâncias produzidas no cérebro, cuja função é transmitir e interconectar as informações entre os neurônios de várias áreas cerebrais. No caso específico dos borderlines, as áreas mais importantes são aquelas que estão relacionadas às emoções e afetividade. Essa região recebe o nome de sistema límbico e pode ser considerado o "verdadeiro coração" do ser humano, pois é ali que nossas emoções são geradas, moduladas e, às vezes, extrapoladas.
Quando ouvimos expressões românticas do tipo "um coração partido", tenha certeza de que o coração verdadeiro está todo inteiro, mas o coração mental (sistema límbico) encontra-se em "ebulição". (p. 190)
Existem evidências de que os borderlines apresentam disfunções neurobiológicas, especialmente na região cerebral denominada frontolímbica. Essa área engloba a parte frontal do cérebro (região da testa) - responsável pela tomada de decisões, uma vez que o lobo frontal funciona como o nosso "freio" cerebral - e todo o sistema límbico, constituído por diversas estruturas do cérebro que comandam nossas emoções. Dentro do sistema límbico, a amígdala é a estrutura-chave na nossa regulação afetiva, no processamento de nossas emoções e no exercício de nossa impulsividade.
Uma série de estudos de neuroimagem estrutural (relativo ao tamanho), realizados por Mary C. Zanarini, da Harvard Medical School (EUA), demonstrou uma diminuição de diversas áreas do cérebro em pacientes borderlines, tais como: o hipocampo, que é a área do cérebro responsável pela memória; a amígdala, responsável pelas emoções em geral; o lobo frontal, que é uma área associativa do cérebro e por isso exerce a função de filtro ou freio para nossos excessos.
Estudos de neuroimagem funcional (metabolismo dos neurônios), também realizados por Zanarini, revelaram anormalidades no metabolismo da glicose (principal alimento das células cerebrais) nas mesmas regiões descritas antes, mas também evidenciaram de forma mais precisa alterações no córtex pré-frontal orbital - que faz parte do lobo frontal, mas é uma área mais específica onde são processadas as informações para que nossas decisões possam ser tomadas com mais racionalidade e equilíbrio. Outras alterações também puderam ser observadas, como a diminuição da atividade neuronal no tálamo (área responsável por direcionar informações vindas do corpo para áreas de interpretação e resposta), no hipocampo esquerdo, nos núcleos de base (responsáveis pelo início e término dos movimentos) e no córtex pré-frontal dorsolateral (área do lobo frontal específica para a regulagem da impulsividade). (p. 193)
Segundo António Damásio, autor do livro O erro de Descartes, as melhores decisões são tomadas quando existe um equilíbrio entre o nosso lado emocional e o nosso lado racional. E para que nossas emoções possam nos auxiliar nas tomadas de decisão é necessário que elas se conectem com nossa memória; assim, emoções positivas tenderão a ser repetidas no futuro. Em contra-partida, a memorização das emoções negativas e causadoras de partida, a memorização das emoções negativas e causadoras de sofrimentos tenderão a fazer com que aprendamos a não repeti-las em outras ocasiões de nossas vidas. Para que essa relação entre emoção e razão seja harmônica e produtiva, é preciso haver uma conexão estreita entre a amígdala e o hipocampo. Nossa memória é um processo completamente associativo, e a responsável por essa associação entre a emoção e o sentimento com o acontecimento ocorrido dentro ou fora de nosso corpo é a amígdala, em parceria com o hipocampo. A amígdala também mantém estreita relação com o núcleo accumbens, uma estrutura bem pequena que fica no meio do cérebro e é formada por um conjunto de neurônios capazes de produzir e liberar dopamina (neurotransmissor responsável pela sensação de prazer e motivação). O núcleo accumbens juntamente com a amígdala (coração cerebral) e o hipocampo (memória) são responsáveis pela interpretação dos fatos que vivenciamos e seus consequentes significados. Todas as situações (boas ou ruins) que fazem o núcleo accumbens liberar dopamina vão acionar em nosso cérebro a vontade de repetição, em busca da sensação de prazer. O que irá definir se a repetição é benéfica ou não para o indivíduo são a amígdala e o hipocampo, que juntos são responsáveis pela interpretação emocional e o armazenamento das informações na forma de aprendizado. (p. 196)
A constituição de nossa afetividade está intimamente ligada à maneira pela qual uma pessoa se relaciona com os outros e consigo mesma. O processo em que um indivíduo se enxerga como um ser único e independente dos demais é denominado de "subjetividade do eu", e ele ocorre através das experiências vivenciadas desde o início da infância. Entre 4 e 5 anos, uma criança já tem noção exata de que ela é um ser diferente de seus pais, especialmente de sua mãe. É nessa fase da vida que os pequenos começam a "mentir" e se divertem com a constatação de que seus pensamentos não podem ser totalmente desvendados por seus familiares e/ou cuidadores. (...) Perceber-se um sujeito único, ao mesmo tempo que é mágico e fascinante para a maioria das crianças, pode se revelar algo aterrorizador e angustiante para aquelas que já nascem com uma genética bem marcada para a disfuncionalidade afetiva dos borderlines. Ver-se único para essas crianças pode fazê-las se sentir vazias, sós e desprotegidas. E é nesse momento que a influência do ambiente externo poderá fazer uma profunda diferença entre as crianças que apresentarão as formas mais leves ou apenas traços do transtorno, e aquelas nas quais evidenciaremos quadros graves com disfuncionalidades interpessoais capazes de colocar em risco suas próprias vidas e das pessoas com as quais estabelecem relações intensas e doentias. (p. 200)
Descartes um dia afirmou "Penso, logo existo" e durante muito tempo não questionei essa afirmação, cheguei a citá-la com entusiasmo em diversas aulas sobre o funcionamento mental de nossa espécie. No entanto, hoje necessito rever alguns conceitos e esse é um deles.
Tenho o firme propósito de acreditar que, se Descartes pudesse ter acesso a todo o conhecimento científico gerado nos últimos vinte anos, pelo menos em relação ao funcionamento cerebral, ele se reescreveria em algo mais ou menos assim: "Sou humano, logo me emociono e, se as emoções me permitirem, pensarei adequadamente". (p. 201)
Nascemos para nos conectar e essas conexões possuem um poder significativo de "esculpir" nossas vivências e também nossa biologia cerebral. Dessa forma, nossas relações interpessoais mais íntimas e intensas são capazes de moldar nosso comportamento, bem como nosso equilíbrio bioquímico interno, o que inclui alterações hormonais e imunológicas que regem nossa homeostasia orgânica. (p. 205)
Os estudos mais recentes sobre o amor no campo da neurociência distinguem três grandes sistemas neurais: o do apego, o do cuidado e o do sexo.
O apego nos conduz à procura de pessoas com quem possamos contar em situações de perigo, aquelas que estariam prontas a nos socorrer quando precisássemos de ajuda. As pessoas pelas quais desenvolvemos apego são aquelas das quais mais sentimos falta em situações em que elas estão ausentes em nossas vidas.
O cuidado responde pelo impulso que temos de cuidar de alguém, especialmente das pessoas com as quais nos importamos mais e, consequentemente, nos preocupamos. Para facilitar o entendimento sobre apego e cuidado, podemos afirmar que o apego promove a união, funciona como uma "cola" que une o casal, a família, os amigos e demais afetos amorosos. Já o ato de cuidar visa suprir as necessidades dos que amamos.
O sexo, por sua vez, além de ser muito bom, é responsável pelo início de todo esse processo amoroso interpessoal. Convém destacar que o sexo, isoladamente, não constitui uma relação afeto-amorosa; no entanto, todos concordam que um sexo de qualidade propicia, em muito, o desenvolvimento do apego e do cuidado entre cônjuges ou parceiros amorosos.
Quando existem apego, sentimentos de cuidado e atração sexual, podemos afirmar que experimentamos um romance completo. A este estado de harmonia e completude denominou-se amor romântico. (p. 210)
Nosso cérebro é tão perfeito na tarefa de nos manter vivos, que o estado de paixão geralmente tem duração limitada, de poucos meses a até dois anos. (p. 212)
terça-feira, 15 de agosto de 2017
domingo, 13 de agosto de 2017
Conversas com um jovem professor - Leandro Karnal (2012)
Aqui, um conselho prático: antes de entrar em sala, ouça os colegas, desde os muito interessantes até os indiferentes. Alguns querem ajudar. Outros não toleram sua juventude ou entusiasmo. Ouça a todos. Porém, nunca se esqueça: a fala do colega diz respeito, exclusivamente, à experiencia dele e não à sua. O aluno-problema dele talvez seja apenas dele e a turma fácil talvez não flua tão bem com você. (p. 16)
É como injeção: a espera pela picada da agulha costuma causar mais angústia do que a espetada em si. (p. 18)
Há poucos bons professores. Há muita gente que dá aula bem. Acho que o ponto principal que diferencia um do outro é a capacidade de olhar para seu aluno e se sentir junto com ele. (p. 23)
Fale mais alto e mais baixo de acordo com o que você quer demonstrar. Reforce conceitos centrais ou conclusões com voz mais forte e mais pausada. Treine isso em casa algumas vezes. (p. 25)
Tal como no teatro, há figurino. Há um figurino adequado para a aula. No caso do magistério, eu diria que (levando em conta também o que ganhamos) que o simples e sóbrio é adequado. O ideal é que a roupa do professor seja imperceptível. Nem tão sofisticada e nem tão despojada que mereça comentário. (p. 26)
Tomar frases e gestos de alunos como pessoais é um erro grave. (p. 31)
O exercício do professor, do médico, do psicólogo é sempre estar sensível ao outro e não a si. Não é algo superficial nem um detalhe. (p. 34)
Repetição é uma das chaves da memória. (p. 44)
Não existe nenhuma fórmula, mas evite ler um elogio ou uma crítica isolados como opinião da turma. Os alunos fazem isso como estratégia retórica. Nunca nos dizem: Eu não estou entendendo ou EU não estou gostando. Sempre dizem: NINGUÉM está entendendo nada ou NINGUÉM gosta dessa atividade. Ouça com atenção, mas siga suas metas. (p. 53)
Ser bom implica riscos. Ser ruim não implica riscos, talvez, por isso, exista tanta gente que seja ruim. (p. 56)
SEMPRE o professor é o culpado. Na educação, o professor ocupa o papel que o mordomo ocupava na busca do assassino nos castelos ingleses. (p. 60)
Jamais compactue coma fraude. O professor que ignora a cola pelos problemas políticos e pessoais de punir um fraudador colabora para o mundo do estelionato aberto e da impunidade que grassam entre nós. (p. 82)
Há algo que valia na Academia de Platão ou no Liceu de Aristóteles e vale hoje, no século XXI: uma boa aula é aquela que faz pensar, provoca reflexão e traz, com isso, uma nova percepção das coisas. Uma boa aula atinge seu objetivo, seduz e instiga. Uma boa aula diz, de forma clara e sintética, o que deve ser dito. (p. 94)
Erroneamente, avaliamos que o "bagunceiro", aquele do "fundão" que está rindo à toa, acredita muito em si e não precisa de nenhum incentivo. Em diversas ocasiões dp exercício d magistério, pude observar que esse aluno estava fazendo muito barulho para que ninguém se aproximasse dele. A mensagem passada era: "Eu me basto!". Quando conseguimos chegar mais perto, conhecê-lo melhor, constataremos grandes surpresas. E, quem sabe, mudanças... (p. 115)
É como injeção: a espera pela picada da agulha costuma causar mais angústia do que a espetada em si. (p. 18)
Há poucos bons professores. Há muita gente que dá aula bem. Acho que o ponto principal que diferencia um do outro é a capacidade de olhar para seu aluno e se sentir junto com ele. (p. 23)
Fale mais alto e mais baixo de acordo com o que você quer demonstrar. Reforce conceitos centrais ou conclusões com voz mais forte e mais pausada. Treine isso em casa algumas vezes. (p. 25)
Tal como no teatro, há figurino. Há um figurino adequado para a aula. No caso do magistério, eu diria que (levando em conta também o que ganhamos) que o simples e sóbrio é adequado. O ideal é que a roupa do professor seja imperceptível. Nem tão sofisticada e nem tão despojada que mereça comentário. (p. 26)
Tomar frases e gestos de alunos como pessoais é um erro grave. (p. 31)
O exercício do professor, do médico, do psicólogo é sempre estar sensível ao outro e não a si. Não é algo superficial nem um detalhe. (p. 34)
Repetição é uma das chaves da memória. (p. 44)
Não existe nenhuma fórmula, mas evite ler um elogio ou uma crítica isolados como opinião da turma. Os alunos fazem isso como estratégia retórica. Nunca nos dizem: Eu não estou entendendo ou EU não estou gostando. Sempre dizem: NINGUÉM está entendendo nada ou NINGUÉM gosta dessa atividade. Ouça com atenção, mas siga suas metas. (p. 53)
Ser bom implica riscos. Ser ruim não implica riscos, talvez, por isso, exista tanta gente que seja ruim. (p. 56)
SEMPRE o professor é o culpado. Na educação, o professor ocupa o papel que o mordomo ocupava na busca do assassino nos castelos ingleses. (p. 60)
Jamais compactue coma fraude. O professor que ignora a cola pelos problemas políticos e pessoais de punir um fraudador colabora para o mundo do estelionato aberto e da impunidade que grassam entre nós. (p. 82)
Há algo que valia na Academia de Platão ou no Liceu de Aristóteles e vale hoje, no século XXI: uma boa aula é aquela que faz pensar, provoca reflexão e traz, com isso, uma nova percepção das coisas. Uma boa aula atinge seu objetivo, seduz e instiga. Uma boa aula diz, de forma clara e sintética, o que deve ser dito. (p. 94)
Erroneamente, avaliamos que o "bagunceiro", aquele do "fundão" que está rindo à toa, acredita muito em si e não precisa de nenhum incentivo. Em diversas ocasiões dp exercício d magistério, pude observar que esse aluno estava fazendo muito barulho para que ninguém se aproximasse dele. A mensagem passada era: "Eu me basto!". Quando conseguimos chegar mais perto, conhecê-lo melhor, constataremos grandes surpresas. E, quem sabe, mudanças... (p. 115)
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