No conto História do Saci-pererê de Monteiro Lobato, tio Barnabé explica à Pedrinho como capturar um saci e mantê-lo dentro de uma garrafa. Porém, tio Barnabé adverte: "Saci na garrafa é invisível".
Eu posso te dizer que tenho um demônio preso em uma garrafa. Desconfiado, você me pede para vê-lo. Eu mostro uma garrafa parda, que não permite visão do seu interior. Você me pergunta, então, como poderia ver o tal demônio. Eu te digo que somente abrindo a garrafa, mas não posso fazê-lo, pois o demônio escaparia.
Há muito tempo atrás, acreditava-se que a Terra ficava imóvel no centro do Universo, e que o Sol, os planetas e as estrelas giravam ao seu redor. Essa hipótese da Terra como centro do Universo constava na Bíblia e, por isso, ninguém ousava duvidar. O astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543) imaginou um outro modelo de Universo, no qual o Sol estava no centro e os planetas, incluindo a Terra, giravam ao seu redor. Porém, advertido que não se intrometesse em assuntos religiosos, Copérnico não conseguiu provar sua teoria.
Algum tempo depois, Galileu Galilei (1564-1642) aperfeiçoou uma luneta, instrumento que fora inventado na Holanda, criando, assim, o telescópio. Com o telescópio, ele pode verificar que Copérnico estava certo, e alardeou sua descoberta. Embora repreendido pela Igreja, em 1616, de que sua teoria seria herética, Galileu escreveu Diálogo sobre os dois principais sistemas do mundo, livro no qual defendeu o sistema heliocêntrico e que foi publicado em 1632. O papa Urbano VIII, então, convocou-o a prestar declarações a respeito de sua teoria e de sua obra. Após julgado pela inquisição, sua pena foi abjurar publicamente às suas ideias e prisão por tempo indefinido, e sua obra foi incluída no Index (lista de livros proibidos).
Em 22 de março de 1999, o Conselho Federal de Psicologia instituiu a resolução 1/99 que define como os profissionais psicólogos devem lidar com pacientes homossexuais. Segue abaixo teor da resolução:
O parágrafo único do artigo terceiro da citada resolução veda ao psicólogo a participação, inclusive, em pesquisas a respeito.
Recentemente, o juiz Waldemar Cláudio de Carvalho emitiu sentença na qual não suspende os efeitos gerais da regulamentação do conselho, somente determina que deve ser facultado aos profissionais interessados a possibilidade de pesquisar o tema ou atender os pacientes que os procurarem buscando a chamada reorientação sexual. Apresento abaixo a parte da sentença que discorda da resolução 1/99 do CFP:
A sentença provocou uma onda de indignação relacionada às palavras doença e cura, palavras que não aparecem na sentença do juiz, diga-se de passagem. Quero crer que as pessoas que se envolveram nisso eram inocentes desavisados, pessoas que simplesmente repercutiram algo sem verificar sua veracidade.
O que tudo isso tem a ver com o Saci-pererê, Copérnico e Galileu?
Afirmar algo e não permitir estudos a respeito do assunto é como dizer que você tem um Saci na garrafa, mas não pode mostrá-lo. Especialmente para uma profissão que está dentro do escopo das ciências humanas.
Proibir estudos a respeito de um tema é o que fez a Igreja com Copérnico e Galileu, por medo de ser desmentida. Se a Psicologia afirma que não há reorientação sexual, deixe que os estudos sejam feitos e que falhem, reforçando ainda mais a sua teria.
Ainda, ao proibir a terapia de reorientação e as pesquisas a respeito da mesma, o CFP fere o princípio da autonomia, dentro da bioética, que determina que os indivíduos capacitados de deliberarem sobre suas escolhas pessoais, devam ser tratados com respeito pelas sua capacidade de decisão. Ou seja, as pessoas têm o direito de decidir sobre quais tratamentos e terapias serão usadas para resolver questões relacionadas ao seu corpo e à sua saúde.
Porém, sob a vigência da resolução 1/99 do CFP, uma indivíduo que solicite um tratamento de reorientação não poderá recebê-lo, pois o profissional que o fizer terá seu registro cassado. Isso lembra algo sobre Galileu?
O que o juiz fez nada mais é do que derrubar uma determinação autoritária, por parte do CFP, e garantir a liberdade individual do paciente.
Gostaria de acrescentar que causa-me espanto que um órgão que não se pronunciou a respeito de uma exposição iniciada em Porto Alegre na qual encontravam-se cenas explícitas de pedofilia e de zoofilia, exposição esta onde crianças foram levadas por excursões escolares sem a notificação aos pais sobre seu teor, dê início a uma onda de indignação a respeito de assunto bem mais leve.
Eu posso garantir que não precisam se preocupar: Mesmo após essa sentença, nenhuma escola irá organizar uma excursão para levar seu filho ao psicólogo e expô-lo à qualquer terapia de reorganização sexual.
E qual é a resposta para a pergunta do título? Sem estudos não é possível responder...
Nenhum comentário:
Postar um comentário