Mas foi no Brasil que surgiu um doa mais intrigantes achados da pré-história americana. Em 1974, no sítio da Lapa Vermelha, município de Pedro Leopoldo - MG, a equipe da arqueóloga Annette Laming-Emperaire encontrou o crânio de uma mulher - mais tarde batizado de "Luzia". Luzia teria morrido há cerca de onze mil anos. A surpresa do achado não está relacionada, portanto, com sua antiguidade (uma vez que ela se enquadra dentro da "hipótese Clóvis"). A questão realmente inovadora é que, tão logo o dr. Richard Neave, da Universidade de Manchester, na Inglaterra, realizou a reconstituição facial do crânio de Luzia, seus traços negroides ficaram evidentes.
Há indícios (ainda não inteiramente comprovados) de que os primeiros paleoíndios possam ter chegado ao Brasil há pelo menos 50 mil anos e talvez tenham vindo por via marítima, descendo ao longo da costa americana do Pacífico. Seja como for, é certo que por volta de doze mil A.P. (ao Antes do Presente, que, por convenção, significa "antes de 1950") - como dizem os arqueólogos - , durante a transição entre os períodos Pleistoceno e Holoceno, boa parte do território hoje brasileiro já se encontrava ocupado por grupos de caçadores e coletores pré-históricos. (p. 14)
Entre 6.500 e 2.000 A.P. surgiu, da região que agora é o Estado de São Paulo para o Sul, a tradição Humaitá. A agricultura desenvolveu-se a partir de 3.500 A.P., e a cerâmica, pouco depois. (p. 14)

A complexa e fascinante questão sobre quem foram os "primeiros brasileiros" passa, evidentemente, pela indagação primordial: quem foram os primeiros seres humanos a colonizar o que viria a ser chamado de América? Sabendo-se que jamais existiram, no continente, grandes primatas que pudessem evoluir para a forma humana, arqueólogos e antropólogos cedo partiram da premissa de que os homens haviam chegado ao Novo Mundo vindos de outro (ou outros) continentes. Mas de onde e quando?
A primeira e mais óbvia resposta apontava para uma migração através do estreito de Behring - transformado sazonalmente em uma ponte de gelo que, durante os períodos glaciais, unia o extremo leste da atual Sibéria, na Ásia, ao extremo oeste do Alasca, na América.
Os arqueólogos norte-americanos, baseados numa série de estudos e evidências, consideram o período entre 11 mil e 11.500 anos A.P. o mais propício para aquela dificílima travessia. E o fato de os mais antigos vestígios arqueológicos encontrados na América do Norte terem justamente essa datação - 11.500 anos A.P. - levou a absoluta maioria da comunidade acadêmica a decretar que a chamada "cultura Clóvis" (assim batizada devido a um sítio encontrado na localidade de Clóvis, no Novo México) fora a pioneira na ocupação da América. (p. 16)
E foram descobertas realizadas na América do Sul aquelas que com mais intensidade abalaram a teoria de acordo com a qual o continente teria sido ocupado somente ao redor do ano 11.500 A.P., após um único fluxo migratório (realizado por populações de origem mongol - portanto, asiáticas). (p. 16)


A história brasileira não celebra um único herói indígena - nem aqueles que ajudaram os portugueses a conquistar a terra, como o Tupiniquim Tibiriçá, que salvou São paulo em 1562; o Temiminó Arariboia, que tomou parte na vitória sobre os franceses em 1567; ou o Potiguar Felipe Camarão, que ajudou a derrotar os holandeses em 1649. O "cacique" Kayapó Raoni é um herói - mas não no Brasil. É um herói para alguns europeus cheios de boas intenções e má consciência. Raoni parece ter-se tornado uma imagem. Uma imagem tão incongruente quanto a do quadro O Último Tamoio, de Rodolfo Amoedo, reproduzido ao lado. Na história real, nenhum jesuíta jamais chorou a morte do último Tamoio - que eram aliados dos franceses e foram abandonados pelos padres. Haverá alguém para chorar pelo último Ionimâmi? (p. 18)
Os Tupinambá constituíam o povo Tupi por excelência - o pai de todos, por assim dizer. As demais tribos Tupi eram, de certa forma, suas descendentes, embora o que de fato as unisse fosse a teia de uma inimizade crônica. (p. 20)
Dos baixos lamacentos do que é o atual Estado do maranhão às longas extensões arenosas da costa do sul do Brasil, praticamente todo o litoral brasileiro estava ocupado por tribos do grupo Tupi-Guarani quando, em abril de 1500, Pedro Álvares Cabral desembarcou nas praias de areias faiscantes de Porto Seguro. Havia cerca de 500 anos, Tupinambá e Tupininquim tinham assegurado a posse dessa longa e recortada costa, expulsando, para os rigores do agreste, as tribos "bárbaras", que eles chamavam de "Tapuí". (p. 20)
Tupiniquim: Foram os indígenas que tomaram contato com a expedição de Cabral. Viviam em dois territórios: no sul da Bahia e em São Paulo, entre Santos e Bertioga. Eram 85 mil. (p. 20)
Carijó: Seu território ia de Cananeia-SP até a Lagoa dos Patos-RS. Considerados "o melhor gentio da costa", foram receptivos à catequese. Isso não impediu sua escravização em massa por parte dos colonos de São Vicente. Em 1564, participaram de um grande ataque a São paulo. Eram cerca de 100 mil. (p. 20)


O pau-brasil pode não ter dado seu nome ao país. Mas foi com certeza ele que batizou seu povo: eram chamados de "brasileiros" aqueles que traficavam o "pau de tinta". Se prevalecessem as regras gramaticais, os nativos do Brasil deveriam se chamar brasilienses. (p. 39)
Pela absoluta falta de interesse da alta nobreza lusitana, as capitanias brasileiras acabaram sendo concedidas a membros da burocracia estatal e a militares e navegadores ligados à conquista da Índia. Além das vastas porções de terra (cada lote tinha, em média, 250 quilômetros de largura, estendendo-se até o limite ainda não demarcado de Tordesilhas, em algum lugar no interior do continente misterioso), os donatários receberam também poderes verdadeiramente "majestáticos". Podiam legislar e controlar tudo em suas terras - menos a arrecadação de impostos reais. Em compensação, deveriam arcar com todas as despesas da colonização. Os lotes foram repartidos aleatoriamente, levando em conta apenas acidentes geográficos da costa, mas ignorando por completo a divisão territorial estabelecida há séculos pelas tribos indígenas - e, acima de tudo, desconsiderando se eram tribos aliadas ou hostis aos portugueses. Tamanho descuido custaria caro aos portugueses. (p. 44)
Apesar do parentesco bom, Tomé de Souza fez a si mesmo - especialmente nos campos de batalha do Marrocos e nos mares da Índia, como soldado e navegador. Tornou-se fidalgo em julho de 1537. Enviado ao Brasil anos depois (sem mulher e a filha), recebia o ótimo ordenado de 400 mil-réis anuais. Ainda assim, preferiu abandonar a colônia, por achar que fundar uma nação com degredados equivalia a "jogar na terra a má semente". (p. 49)
O arcabuzeiro alemão Hans Staden é um dos personagens mais cativantes do Brasil colonial. Disposto a conhecer os mistérios de além-mar, partiu de Hesse, na Alemanha, para Portugal, com intenção de visitar a Índia. Uma vez em Lisboa, acabou por engajar-se, como artilheiro, num navio com destino a Pernambuco. Lá chegou em 1547, logo se envolvendo na luta contra os indígenas. Em 1548, de volta à Europa, alistou-se numa expedição espanhola ao rio da Prata. Depois de várias peripécias e naufrágios, foi parar em Bertioga-SP na mesma época em que lá estava Tomé de Souza. Empregou-se como arcabuzeiro na fortaleza que o governador mandara erguer na ilha se Santo Amaro. Em janeiro de 1554, Staden caiu prisioneiro dos Tupinambá e foi levado para Ubatuba. Lá, viveu como cativo por nove meses e meio. Escapou de ser devorado porque, além de se fazer passar por francês (aliados dos Tupinambá), chorava e gemia cada vez que se via ameaçado. Os nativos o consideraram indigno de ser abatido. Em 1555, de volta à Europa, decidiu narrar suas aventuras em um livro intitulado Descrição verdadeira de um país de selvagens nus, ferozes e canibais, situado no Novo Mundo América, desconhecido na Terra de Hessen, antes e depois do nascimento de Cristo até que, há dois anos, Hans Staden de Homberg, em Hessen, por sua própria experiência, o conheceu, o livro tornou-se um best-seller desde sua primeira edição, em Marburg, em 1557. Em 1925, foi traduzido para o português por Monteiro Lobato. (p. 50)
Julgar o conjunto da obra jesuítica à luz de conceitos atuais, porém, é incorrer num erro tão gritante quanto o dos próprios padres quinhentistas em sua pretensão de avaliar a mentalidade e os costumes indígenas de acordo com as crenças e os dogmas da Europa de fins do século XVI - uma época marcada pela intolerância religiosa, pelo etnocentrismo e, acima de tudo, pela Contrarreforma. (p. 52)
Em pouco tempo todos os aspectos "culturais" da empresa colonial lusitana foram entregues aos jesuítas, encarregados também da conversão dos "gentios" na Índia (e em toda a Ásia) e no Brasil. As colônias - especialmente o Brasil - se desenvolveriam sem livros, sem universidades, sem imprensa sem debates nem inquietações culturais: em uma palavra, sem o frescor do humanismo renascentista. "A inteligência brasileira viria a constituir-se submetida à direção exclusiva da Companhia de Jesus, sob a égide da Contrarreforma e do Concílio de Trento", como diagnosticou Wilson Martins. "Esse desejo de perpetuar a ignorância (...) condicionaria as perspectivas mentais do Brasil por três séculos". (p. 55)
Embora para algumas almas mais crédulas os trópicos estivessem de tal forma impregnados pelo mal que "por obra do próprio demônio o nome de 'Santa Cruz' foi substituído pela voz bárbara de 'Brasil'", a maioria dos degredados e dos colonos comungava da crença segundo a qual "não existia pecado ao sul do Equador" - era a doutrina do "Ultra equinoxialem non peccatur". De acordo com o relato estupefato de padre Nóbrega, feito dez anos depois de sua chegada à Bahia, "se contarem todas as casas desta terra, todas acharão cheias de pecados mortais, adultérios, fornicações, incestos e abominações (...) não há obediências, nem se guarda um só mandamento de Deus e muito menos os da Igreja". (p. 62)
Na verdade, o principal motivo para o desembarque dos horrores persecutórios da Inquisição num lugar onde "não existia pecado" esteve diretamente ligado ao aumento da população de cristãos-novos (judeus recém-convertidos ao cristianismo) na colônia. A maioria deles mantinha relações comerciais com a Holanda - em guerra contra a Espanha, cuja Coroa havia absorvido a de Portugal. Por isso, em 1592, em dos maiores crimes que se podia cometer no Brasil seria praticado por aquele que, aos sábados, ousasse trajar "o melhor vestido que tinha". (p. 63)
Nos anos 1920, dois devotados historiadores, Afonso Taunay e Alfredo Ellis Jr., Começaram a forjar o mito bandeirante. Os documentos que acharam e publicaram revelam uma saga de horrores. Ainda assim, Taunay e Ellis Jr., preferiram fabricar a imagem do bandeirante altivo e galhardo, como se esses caçadores de homens fossem os "Três Mosqueteiros". Mas ambos sabiam que muitos dos bandeirantes andavam descalços, mal falavam português e estavam treinados para escravizar e matar. (p. 64)
Certa ocasião, em tenso diálogo com um diplomata espanhol, o rei da França, Francisco I, proferiu a frase que a história se encarregaria de imortalizar: "Gostaria de ver a cláusula do testamento de Adão que me afastou da partilha do mundo...". O monarca francês evidentemente se referia ao Tratado de Tordesilhas - o acordo planetário que Portugal e Espanha tinham assinado em 1494, dividindo o mundo entre si, com bênção papal. (p. 79)

Em 1808, ao visitar o Brasil, John Luccock, um inglês, comentou que os brancos se sentiam "fidalgos demais para trabalhar em público". Meio século depois, Thomas Ewbank, também britânico, dizia que, no Brasil, "um jovem preferiria morrer de fome a abraçar uma profissão manual". Segundo ele, a escravidão tornara "o trabalho desonroso - resultado superlativamente mau, pois inverte a ordem natural e destrói a harmonia da civilização". As críticas não eram arrogância britânica: para Luís Vilhena, mestre português que ensinava grego na Bahia, o Brasil era o "berço da preguiça". (p. 131)
Ficou decidido que, no dia em que fosse decretada a derrama, uma revolução eclodiria. Os planos para o golpe eram tão vagos quanto os projetos do futuro governo. Em tese, a revolta levaria à fundação, em Minas, de uma república independente, cuja capital seria São João del Rei. O Distrito Diamantino seria liberado, assim como a exploração do ferro e a industrialização. Seriam construídos hospitais, criada uma universidade e abolida a escravidão. O governo seria entregue a Tomás Antônio Gonzaga, por três anos - a seguir, seriam convocadas eleições livres. Minas estava destinada a ser, portanto, uma espécie de paraíso na Terra. (p. 140)
Tiradentes pode ter sido mero bode expiatório no trágico desfecho da Conjuração Mineira. Mas a decência com a qual se comportou ao longo do lento e tortuoso processo judicial e, acima de tudo, a altivez com que enfrentou a morte, tornaram-no, no ato, não apenas a maior figura do movimento, mas também um dos grandes heróis do Brasil. (p. 142)
Quando D. João fundou o Banco do Brasil, em 12 de outubro de 1808, só havia três bancos emissores no mundo. A ideia, portanto, em tese, era boa. Mas, criado com capital inicial de 1.200 contos e com objetivo de gerar fundos para manter a Corte no Brasil, o banco logo passou a emitir mais do que arrecadava. A seguir, começaram os desfalques, os desvios e os "extravios" do dinheiro. Em vez de "proceder a rigoroso inquérito, como aconselhava a salvação da instituição", o governo "impôs o silêncio pela violência aos que davam curso àqueles boatos", como relatou, injuriado, em 1821, o conselheiro Pereira da Silva. Seu colega, o conselheiro José Antônio Lisboa, também lastimou "o mau uso que se fazia dos fundos do Banco e as prevaricações de seus empregados". Em abril de 1829, quando as notas emitidas pelo banco já tinham sido desvalorizadas em 190% com relação ao ouro, o então ministro da fazenda Miguel Calmon (mais tarde marquês de Abrantes) apresentou à Câmara dos Deputados proposta para dissolução da instituição. Após calorosos debates, no dia 11 de dezembro de 1829 - data na qual se esgotavam os privilégios previstos na fundação - , o Banco do Brasil foi então liquidado judicialmente. Só seria restabelecido um quarto de século mais tarde, em 1853. (p. 154)
Ao trazer cerca de 12 mil acompanhantes na sua transmigração para o Brasil, D. João VI, ao chegar ao Rio, não se viu forçado apenas a achar lugar para toda aquela gente morar. Também foi preciso dar-lhes um emprego - e um emprego público, é claro. (p. 154)

O príncipe não estava bem. Teria sido a água salobra de santos ou algum prato condimentado do jantar da noite anterior? Não se sabe - nem ele o sabia. O fato é que uma diarreia o atacara, e a cavalgada pela tortuosa estrada que o conduzia da baixada santista ao platô de São paulo não tinha ajudado em nada na recuperação do combalido ventre principesco. No instante em que o major Antônio Ramos Cordeiro e o correio real Paulo Bregaro, que tinham partido do Rio de Janeiro em direção a Santos com um maço de cartas urgentes para D. Pedro, chegaram às margens do riacho Ipiranga, divisaram alguns membros da guarda de honra parados numa colina. D. Pedro estava à beira do córrego, "quebrando o corpo" - agachado para "responder a mais um chamado da natureza". A correspondência lhe foi entregue enquanto ele ainda abotoava a braguilha do uniforme. As circunstâncias não eram as mais indicadas para a "perpetração da façanha memorável". Mas as notícias eram de tal forma definitivas e perturbadoras que, depois de ler, amassar e pisotear as cartas, D. pedro montou "sua bela besta baia", cavalgou até o topo da colina e gritou à guarda de honra: "Amigos, as Cortes de Lisboa nos oprimem e querem nos escravizar... Deste dia em diante, nossas relações estão rompidas".
Após arrancar a insígnia portuguesa de seu uniforme, o príncipe sacou a espada e, às margens plácidas do Ipiranga, bradou heroico e retumbante: "Por meu sangue, por minha honra e por Deus: farei do Brasil um país livre". Em seguida, erguendo-se dos estribos e alçando a espada, afirmou: "Brasileiros, de hoje em diante nosso lema será: Independência ou morte". Eram quatro horas da tarde do dia 7 de setembro de 1822, e o sol, em raios fúlgidos, brilhou no céu da pátria naquele instante. (p. 178)
Um projeto de Constituição foi rapidamente elaborado e, em 25 de março de 1824, era promulgada a primeira carta Magna do Brasil - e ela perduraria, quase inalterada, até fevereiro de 1891. A Constituição de 1824 estabeleceu um governo monárquico, hereditário e constitucional representativo. O imperador, inviolável e sagrado, não estava sujeito a responsabilidade legal alguma: exercia o Poder Executivo com os ministros (escolhidos por ele) e o Moderador com seus conselheiros. Também podia escolher um entre os três senadores eleitos por província e suspender ou convocar os Conselhos Provinciais e a Assembleia Geral.
A eleição para a Câmara dos Deputados (eleitos pelo "povo", por voto indireto) era temporária: a eleição para o Senado era vitalícia (e, graças a manobras políticas, o imperador acabava apontando não um, mas os três senadores de cada província). Para ser eleitor era preciso ter pelo menos 25 anos e 100 mil-réis de renda anual. Para ser deputado, era necessário ter 200 mil-réis de renda anual e, para ser senador, a renda necessária era de 800 mil-réis por ano. Os presidentes das províncias eram diretamente escolhidos pelo imperador. (p. 184)
Em 1800, Bonifácio voltou a Lisboa e foi nomeado intendente das Minas e Metais. Depois, participou da luta contra o invasor francês. Só retornou ao Brasil em 1819. Baixinho, curvado, grisalho, de olhar malicioso, vaidoso, enérgico, teimoso, ateu e mulherengo, Bonifácio se tornou o principal arquiteto da independência. (p. 185)
Como a confiabilidade dos regentes no Exército fora fortemente abalada, o ministro da Justiça, Diogo Feijó, foi autorizado a criar uma Guarda Nacional. A nova tropa - também chamada de "milícia cidadã", já que seus integrantes eram voluntários e não recebiam soldo - se transformaria na principal base de sustentação militar da Regência Trina Permanente. E foi também a partir desse episódio que os termos "coronel" e "coronelismo" começaram a se misturar à história do Brasil, pois os chefes políticos de diversas províncias da nação - em geral grandes proprietários de terra - assumiram altas patentes na nova milícia. (p. 194)
Entre as muitas vítimas da Guerra dos farrapos - os ex-escravos e guerrilheiros negros, os imigrantes alemães recrutados à força pelos farrapos, os milhares de bois que tiveram suas línguas cortadas para não serem utilizados pelo inimigo -, uma das principais foi a verdade. Durante anos, a guerra foi tema tabu: era proibido escrever sobre ela. Só em 1870 apareceu no Brasil o primeiro livro sobre o conflito: era, as Memórias de Garibaldi, por Dumas. Desde então, a maior parte dos textos foi escrita no Sul por autores gaúchos e inverte uma tendência da historiografia mundial: faz apologia dos vencidos. (p. 203)
Em janeiro de 1893, Joaquim Nabuco havia escrito para André Rebouças, o amigo que muito o influenciara e que então se achava no exílio voluntário na África: "Com que gente andamos metidos! Hoje estou convencido de que não havia uma parcela de amor ao escravo, de desinteresse e de abnegação em três quartas partes dos que se diziam abolicionistas. Foi uma especulação a mais! A prova é que fizeram essa república e depois dela só advogam a causa dos bolsistas [investidores da bolsa de valores], dos ladrões da finança, piorando infinitamente a condição dos pobres. (...) Estávamos metidos com financistas, e não com puritanos, com fâmulos de banqueiros falidos, mercenários e agiotas..." (p. 235)
Num país que adotou a ficção jurídica segundo a qual as leis "pegam" ou "não pegam", não é de estranhar que as imposições contra o tráfico de escravos e contra a própria escravidão tenham demorado tanto para "pegar". (p. 236)
O positivismo é a escola filosófica nascida das ideias do pensador francês Augusto Comte (1798-1857). Em meio a uma série de teorias, baseadas em sua "filosofia da história" e na sua "classificação das ciências", Comte criou o que ele próprio chamou de "religião da humanidade" - um culto não teísta no qual Deus seria substituído por uma humanidade racional e evoluída, que atingiria esse estágio "mais elevado" tão logo fosse conduzida a ela por "homens mais esclarecidos". Para Comte, a melhor forma de governo era a ditadura republicana - um "governo de salvação nacional exercido no interesse do povo". O ditador comtiano, em tese, deveria ser representativo, mas poderia "afastar-se" do povo em nome do "bem da república". Não é difícil entender por que os "militares científicos" se apaixonaram pela tese. (p. 247)
Todos os descaminhos da política e da economia brasileiras se materializaram plenamente nos dez primeiros anos da República. Escândalos financeiros, arrocho salarial, clientelismo, aumento dos impostos, regime oligárquico, coronelismo, repressão aos movimentos populares, desvio de verbas, impunidade, fraude eleitoral, fechamento do Congresso, estado de sítio, crimes políticos, confronto entre governos civis e governos militares, alternância no poder da forma mais equivocada com o novo governo devastando a obra do governo anterior - houve de tudo na primeira década republicana. (p. 250)
Depois de portugueses e africanos, foram os italianos aqueles que chegaram em maior número ao Brasil: 1,6 milhão em mais de cem anos (921 mil apenas entre 1886 e 1900). O segundo maior contingente de imigrantes veio da Espanha: 694 mil em um século. Os alemães vêm a seguir, com 250 mil. Os japoneses ocupam o quarto lugar, com 229 mil imigrantes. Esses povos não modificaram apenas os hábitos, a língua, as formas de pensar, de agir e de se alimentar: mudaram a própria imagem que o país fazia de si mesmo. (p. 274)
Enquanto na serra gaúcha os primeiros imigrantes italianos produziam vinho e hortifrutigranjeiros, na cidade de São Paulo, alfaiates, padeiros, sapateiros, donos de cantina criavam novos bairros, como o Bexiga, a Mooca e o Brás, modificando para sempre a face urbana da nação. (p. 277)

Após uma campanha incendiária que agitou as principais capitais do país, em 15 de novembro de 1910, o senador Pinheiro Machado anunciou à nação que o marechal Hermes da Fonseca fora vencedor, tendo recebido os célebres "400 mil votos redondos". (p. 293)
Por "sugestão" de Bernardes, cada estado reuniu uma convenção de líderes municipais; a essa seguiu-se, em setembro de 1925, a convenção nacional na qual Washington Luís proclamado candidato único à Presidência. Em 1º de março de 1926, a chapa unânime recebeu 98% dos votos numa das eleições mais calmas da história brasileira. Foi a consagração final de um sistema trapaceiro. (p. 305)
O objetivo principal da Coluna Prestes, decidido na reunião de 12 de abril de 1925, era percorrer todo o interior do Brasil para propagar o ideal revolucionário e conscientizar a população rural, fazendo-a sublevar-se contra o domínio exploratório exercido pelas elites "vegetais". (p. 312)
Disposta a evitar o choque frontal com as tropas legalistas do governo, a Coluna se deslocava rapidamente de um vilarejo para outro - e seu maior efeito parece ter sido inspirar o mais profundo terror entre as populações rurais à simples menção da palavra "revolução". (p. 313)
Após a Revolução de 30, todos os chefes revolucionários retornariam ao Brasil para ocupar cargos no governo Vargas - todos, menos Luis Carlos Prestes.
No exílio, ele se tornara marxista e logo iniciaria a luta pela Revolução Comunista, dentro e fora do Brasil. (p. 313)

Solto em 1945, Prestes aliou-se a seu maior inimigo, Getúlio Vargas e, como chefe do então legalizado Partido Comunista, elegeu-se deputado federal, com a maior votação do país. Em 1948, com o PCB de novo na clandestinidade, Prestes fugiu do Brasil e viveu anos na União Soviética, da qual se tornou vassalo leal. Em 1957, Prestes obteve o direito de voltar ao país por mandato judicial e apoiou João Goulart em 1961. Com o golpe militar de 1964, viu-se forçado a fugir outra vez - deixando para trás documentos que comprometeram vários companheiros. Retornou ao Brasil depois da anistia de 1978 e participou da campanha das Diretas Já. Stalinista ferrenho, conspirador e disciplinador, doutrinário e doutrinador, dúbio e drástico, Prestes morreu aos 92 anos, em 1990, mantendo segredo e alimentando o mito de suas várias e fracassadas "ações revolucionárias". (p. 315)

Em 12 de abril de 1926, depois de praticar os mais variados crimes e saques, atacando cidades e plena luz do dia, Lampião foi transformado em "capitão" legalista, recebendo, por ordem do deputado Floro Bartolomeu Costa e do padre Cícero, fuzis Mauser e trezentos homens. Tinha ordens de perseguir a Coluna Prestes. Quando descobriu que o governo não pretendia anistiá-lo e que o documento que o tornara capitão do Exército não tinha validade legal, desistiu da caçada humana e - com as novas armas - retornou aos saques, aos assaltos e aos crimes. (p. 317)
A imagem mais emblemática - e afrontosa - do golpe de 1930 é a dos correlegionários de Vargas amarrando seus cavalos no obelisco da avenida Rio Branco, no coração do Rio de Janeiro. Mas o fato é que suas tropas - que também se locomoveram de trem e em caminhões militares - foram saudadas pelo povo ao chegar à capital. (p. 327)
No discurso de posse, Getúlio prometera "promover, sem violência, a extinção progressista do latifúndio, desmontar a máquina do filhotismo parasitário e sanear o ambiente moral da pátria". Surgia um estado forte, paternalista, centralizador e nacionalista. Acabava-se o federalismo descentralizado e liberal da "república dos fazendeiros". A intervenção do estado na economia crescia: os sindicatos e as relações trabalhistas passaram a ser controladas pelo governo. Empresas estrangeiras eram obrigadas a ter dois terços de empregados brasileiros e a pagar um tributo de 8% sobre os lucros enviados ao exterior. Em breve, Vargas se sentiria forte o bastante para tentar perpetuar-se no poder. (p. 339)
Após o golpe dentro do golpe que foi o movimento que resultou no Estado Novo, manifestações populares ao estilo nazifascista se tornaram comuns no Brasil, que ingressou em uma era policialesca. A imagem do ditador passou a ilustrar as cartilhas escolares produzidas pelo DIP. (p. 340)
Em maio de 1959, JK recebeu Fidel castro no Rio de janeiro e homenageou o líder da Revolução Cubana. Em junho, no ato mais espetaculoso de seu governo, JK rompeu negociações com o fundo Monetário Internacional (FMI), afirmando que o Brasil não era "mais o parente pobre relegado à cozinha". Era o início de uma política externa "desalinhada" da dos Estados Unidos - que acabaria desembocando no golpe militar de 1964. Com a posse de Jânio Quadros, em 1961, o Brasil manteria a mesma postura da era JK. Jânio não apenas se recusou a apoiar o bloqueio dos Estados Unidos a Cuba como - além de enviar Jango à China e à Alemanha Oriental e saudar o astronauta soviético Gagárin - voltou a homenagear Fidel e concedeu ao guerrilheiro Che Guevara, em Brasília, a mais alta insígnia nacional: a Ordem do Cruzeiro do Sul. (p. 369)
Para o udenista Mário Martins, cinco personagens históricos pareciam ter influenciado Jânio: Cristo, Shakespeare, Lincoln, Lênin e Chaplin. "O problema é que nunca se sabe quando ele imita esse ou aquele (...) Às vezes procuramos Cristo e damos de cara com Lênin!". Para Lacerda - que durante a campanha dissera que Jânio tinha "cheiro de povo" -, o presidente era "o mais mutável, o mais desequilibrado, o mais pérfido de todos os homens públicos que apareceram no Brasil". A melhor definição, porém, parece ter sido a de Afonso Arinos. Para o ministro das Relações Exteriores de Jânio, ele era "a UDN de porre". (p. 370)
O episódio seria premonitório do racha que logo dividiria a bossa nova em "direita" e "esquerda", em "participantes" e "alienados". Após o golpe de 1964, o compositor Geraldo Vandré dissera: "Temos de fazer música 'participante'. Os militares estão prendendo e torturando. A música tem de servir para alertar o povo" ("Quem alerta é corneta de regimento", responderia Roberto Menescal.) Sérgio Ribeiro seguiria a linha proposta por Vandré. Mas o disco que de fato rachou a bossa nova foi Opinião de Nara, de Nara Leão, base do show Opinião, de Oduvaldo Viana Filho e Paulo Pontes, dirigido por Augusto Boal, o qual, além de ser um dos pontos altos do Teatro Opinião, foi a primeira reação artística da esquerda ao golpe, inaugurando a "ideologia da pobreza" que, logo a seguir, tanto importunaria a cultura brasileira. Mas os gênios da bossa nova nem deram bola e seguiram seu caminho - não deixando de ser menos libertários e ousados por causa disso. Na verdade, sua música permanece eterna enquanto as "canções de protesto" daquela época soam enfadonhamente datadas. (p. 405)
Embora os médicos se referissem a um certo "divertículo de Meckel", o que Tancredo Neves de fato tinha era um tumor no abdômen. Para oferecer ao país um quadro otimista, médicos e assessores mentiram durante um mês para toda a nação. "O presidente andou pelo quarto, fez exercícios respiratórios. Está sem febre e acabou o risco de complicações respiratórias", bradava o primeiro comunicado oficial, dando o tom de falsa esperança que se reproduziu a partir daí. O coordenador da junta médica formada para acompanhar o caso, Henrique Walter Pinotti (que se autodenominava "professor doutor"), não revelou à família as reais condições de Tancredo. (p. 420)
Sarney é o retrato vivo de que, em pleno século 21, o Brasil ainda guarda resquícios de uma política quase feudal e do quanto ainda falta para o país tornar-se uma nação verdadeiramente moderna. (p. 422)
Por intermédio de PC Farias foram arrecadados milhões de dólares que contribuíram para a eleição de Collor. Não se sabe ao certo quanto PC amealhou. Sabe-se apenas que o dinheiro não apenas são parou de entrar depois da vitória de Collor como, ao contrário, passou a afluir em quantidade ainda maior após a eleição. Baseado em sua ligação com as empreiteiras, PC teria armado o maior esquema de propina já concebido no Brasil - uma rede de influência que envolveria "porcentagens" de até 22% para a aprovação de qualquer projeto. O esquema começaria a ser desmontado depois de Pedro Collor, irmão do presidente e ex-amigo de PC, denunciar a "parceria" entre Fernando e o tesoureiro. Segundo Pedro, PC dizia abertamente que, do dinheiro arrecadado, "70% é do chefe, 30% é meu". (p. 429)
A posse de Floriano Peixoto em novembro de 1891, após a renúncia de Deodoro da Fonseca; a posse de Café Filho em agosto de 1954, após o suicídio de Vargas; a posse de João Goulart em setembro de 1961, após a renúncia de Jânio Quadros, e, especialmente, a posse de José Sarney no lugar de Tancredo Neves, em março de 1985, deveriam ter ensinado aos brasileiros a lição de que, fosse quem fosse, o vice-presidente deveria ser levado em conta na hora de eleger um presidente. No entanto, durante as eleições que conduziram Fernando Collor ao Planalto, pouquíssimos eram os eleitores que sabiam quem eram os vices do vencedor Collor e do vencido Lula. (p. 433)