quarta-feira, 14 de dezembro de 2016

Brasil: Uma história - Cinco séculos de um país em construção - Eduardo Bueno (2010)


Mas foi no Brasil que surgiu um doa mais intrigantes achados da pré-história americana. Em 1974, no sítio da Lapa Vermelha, município de Pedro Leopoldo - MG, a equipe da arqueóloga Annette Laming-Emperaire encontrou o crânio de uma mulher - mais tarde batizado de "Luzia". Luzia teria morrido há cerca de onze mil anos. A surpresa do achado não está relacionada, portanto, com sua antiguidade (uma vez que ela se enquadra dentro da "hipótese Clóvis"). A questão realmente inovadora é que, tão logo o dr. Richard Neave, da Universidade de Manchester, na Inglaterra, realizou a reconstituição facial do crânio de Luzia, seus traços negroides ficaram evidentes.



Há indícios (ainda não inteiramente comprovados) de que os primeiros paleoíndios possam ter chegado ao Brasil há pelo menos 50 mil anos e talvez tenham vindo por via marítima, descendo ao longo da costa americana do Pacífico. Seja como for, é certo que por volta de doze mil A.P. (ao Antes do Presente, que, por convenção, significa "antes de 1950") - como dizem os arqueólogos - , durante a transição entre os períodos Pleistoceno e Holoceno, boa parte do território hoje brasileiro já se encontrava ocupado por grupos de caçadores e coletores pré-históricos. (p. 14)

Entre 6.500 e 2.000 A.P. surgiu, da região que agora é o Estado de São Paulo para o Sul, a tradição Humaitá. A agricultura desenvolveu-se a partir de 3.500 A.P., e a cerâmica, pouco depois. (p. 14)

Imagem relacionadaDurante meio século, passado nas mais árduas condições, Lund se entregou às páginas de pedra do grande livro que, ao longo doa milênios, a natureza havia inscrito nas reentrâncias encantadas das grutas de Minas Gerais. Penetrou em mais de duzentas cavernas e identificou as ossadas de 115 mamíferos pré-históricos. Em 1843, depois de descobrir fósseis como os do megatério (o "preguiça gigante") e de visitar inúmeras vezes a soberba gruta de Maquiné, Lund fez a mais espantosa de suas descobertas: os ossos do Homem de Lagoa Santa - os primeiros vestígios de ocupação humana até então encontrados no Novo Mundo. (p. 15)


A complexa e fascinante questão sobre quem foram os "primeiros brasileiros" passa, evidentemente, pela indagação primordial: quem foram os primeiros seres humanos a colonizar o que viria a ser chamado de América? Sabendo-se que jamais existiram, no continente, grandes primatas que pudessem evoluir para a forma humana, arqueólogos e antropólogos cedo partiram da premissa de que os homens haviam chegado ao Novo Mundo vindos de outro (ou outros) continentes. Mas de onde e quando?
A primeira e mais óbvia resposta apontava para uma migração através do estreito de Behring - transformado sazonalmente em uma ponte de gelo que, durante os períodos glaciais, unia o extremo leste da atual Sibéria, na Ásia, ao extremo oeste do Alasca, na América.
Os arqueólogos norte-americanos, baseados numa série de estudos e evidências, consideram o período entre 11 mil e 11.500 anos A.P. o mais propício para aquela dificílima travessia. E o fato de os mais antigos vestígios arqueológicos encontrados na América do Norte terem justamente essa datação - 11.500 anos A.P. - levou a absoluta maioria da comunidade acadêmica a decretar que a chamada "cultura Clóvis" (assim batizada devido a um sítio encontrado na localidade de Clóvis, no Novo México) fora a pioneira na ocupação da América. (p. 16)

E foram descobertas realizadas na América do Sul aquelas que com mais intensidade abalaram a teoria de acordo com a qual o continente teria sido ocupado somente ao redor do ano 11.500 A.P., após um único fluxo migratório (realizado por populações de origem mongol - portanto, asiáticas). (p. 16)

Graças a tal constatação, os arqueólogos passaram a trabalhar, a partir de 1996, com o chamado "modelo das Quatro Migrações". De acordo com essa nova hipótese - que vem ganhando cada vez mais força entre os especialistas -, a América teria sido ocupada a partir de quatro fluxos migratórios. Os três últimos foram, todos eles, empreendidos por populações mongóis (cujo DNA é o mesmo das populações indígenas atuais). Anteriormente aos três fluxos dos mongóis, no entanto, teria havido um ciclo migratório de povos não mongóis, cujos traços eram muito similares aos dos atuais africanos e aborígenes australianos. Esse grupo ancestral - que também povoara a Ásia em tempos remotos - teria sido assimilado, ou substituído, pelas levas mongóis. (p. 17)


A história brasileira não celebra um único herói indígena - nem aqueles que ajudaram os portugueses a conquistar a terra, como o Tupiniquim Tibiriçá, que salvou São paulo em 1562; o Temiminó Arariboia, que tomou parte na vitória sobre os franceses em 1567; ou o Potiguar Felipe Camarão, que ajudou a derrotar os holandeses em 1649. O "cacique" Kayapó Raoni é um herói - mas não no Brasil. É um herói para alguns europeus cheios de boas intenções e má consciência. Raoni parece ter-se tornado uma imagem. Uma imagem tão incongruente quanto a do quadro Último Tamoio, de Rodolfo Amoedo, reproduzido ao lado. Na história real, nenhum jesuíta jamais chorou a morte do último Tamoio - que eram aliados dos franceses e foram abandonados pelos padres. Haverá alguém para chorar pelo último Ionimâmi? (p. 18)

Os Tupinambá constituíam o povo Tupi por excelência - o pai de todos, por assim dizer. As demais tribos Tupi eram, de certa forma, suas descendentes, embora o que de fato as unisse fosse a teia de uma inimizade crônica. (p. 20)

Dos baixos lamacentos do que é o atual Estado do maranhão às longas extensões arenosas da costa do sul do Brasil, praticamente todo o litoral brasileiro estava ocupado por tribos do grupo Tupi-Guarani quando, em abril de 1500, Pedro Álvares Cabral desembarcou nas praias de areias faiscantes de Porto Seguro. Havia cerca de 500 anos, Tupinambá e Tupininquim tinham assegurado a posse dessa longa e recortada costa, expulsando, para os rigores do agreste, as tribos "bárbaras", que eles chamavam de "Tapuí". (p. 20)

Tupiniquim: Foram os indígenas que tomaram contato com a expedição de Cabral. Viviam em dois territórios: no sul da Bahia e em São Paulo, entre Santos e Bertioga. Eram 85 mil. (p. 20)

Carijó: Seu território ia de Cananeia-SP até a Lagoa dos Patos-RS. Considerados "o melhor gentio da costa", foram receptivos à catequese. Isso não impediu sua escravização em massa por parte dos colonos de São Vicente. Em 1564, participaram de um grande ataque a São paulo. Eram cerca de 100 mil. (p. 20)

A vingança era o objetivo primordial do ritual antropofágico praticado pelos grupos Tupi que habitavam o litoral do Brasil. O costume causou espanto e horror entre os exploradores e colonizadores europeus. Ao lado, efigie do líder tribal Cunhambebe, chefe Tamoio que teria "deglutido" mais de 60 portugueses. (p. 23)

As ordens eram claras: a portentosa esquadra de Pedro Álvares Cabral estava em missão rumo à Índia. Deveria seguir pela rota descoberta por Vasco da Gama, estabelecer relações comerciais e diplomáticas com o samorun de Calicute e, de imediato, fundar uma feitoria em pleno coração do reino das especiarias. Por isso, apesar da exuberância da paisagem, da complacência dos nativos e das benesses do clima, os portugueses permaneceram apenas dez dias nas paragens paradisíacas da Ilha de Vera Cruz. (p. 32)

O pau-brasil pode não ter dado seu nome ao país. Mas foi com certeza ele que batizou seu povo: eram chamados de "brasileiros" aqueles que traficavam o "pau de tinta". Se prevalecessem as regras gramaticais, os nativos do Brasil deveriam se chamar brasilienses. (p. 39)

Pela absoluta falta de interesse da alta nobreza lusitana, as capitanias brasileiras acabaram sendo concedidas a membros da burocracia estatal e a militares e navegadores ligados à conquista da Índia. Além das vastas porções de terra (cada lote tinha, em média, 250 quilômetros de largura, estendendo-se até o limite ainda não demarcado de Tordesilhas, em algum lugar no interior do continente misterioso), os donatários receberam também poderes verdadeiramente "majestáticos". Podiam legislar e controlar tudo em suas terras - menos a arrecadação de impostos reais. Em compensação, deveriam arcar com todas as despesas da colonização. Os lotes foram repartidos aleatoriamente, levando em conta apenas acidentes geográficos da costa, mas ignorando por completo a divisão territorial estabelecida há séculos pelas tribos indígenas - e, acima de tudo, desconsiderando se eram tribos aliadas ou hostis aos portugueses. Tamanho descuido custaria caro aos portugueses. (p. 44)

Apesar do parentesco bom, Tomé de Souza fez a si mesmo - especialmente nos campos de batalha do Marrocos e nos mares da Índia, como soldado e navegador. Tornou-se fidalgo em julho de 1537. Enviado ao Brasil anos depois (sem mulher e a filha), recebia o ótimo ordenado de 400 mil-réis anuais. Ainda assim, preferiu abandonar a colônia, por achar que fundar uma nação com degredados equivalia a "jogar na terra a má semente". (p. 49)

O arcabuzeiro alemão Hans Staden é um dos personagens mais cativantes do Brasil colonial. Disposto a conhecer os mistérios de além-mar, partiu de Hesse, na Alemanha, para Portugal, com intenção de visitar a Índia. Uma vez em Lisboa, acabou por engajar-se, como artilheiro, num navio com destino a Pernambuco. Lá chegou em 1547, logo se envolvendo na luta contra os indígenas. Em 1548, de volta à Europa, alistou-se numa expedição espanhola ao rio da Prata. Depois de várias peripécias e naufrágios, foi parar em Bertioga-SP na mesma época em que lá estava Tomé de Souza. Empregou-se como arcabuzeiro na fortaleza que o governador mandara erguer na ilha se Santo Amaro. Em janeiro de 1554, Staden caiu prisioneiro dos Tupinambá e foi levado para Ubatuba. Lá, viveu como cativo por nove meses e meio. Escapou de ser devorado porque, além de se fazer passar por francês (aliados dos Tupinambá), chorava e gemia cada vez que se via ameaçado. Os nativos o consideraram indigno de ser abatido. Em 1555, de volta à Europa, decidiu narrar suas aventuras em um livro intitulado Descrição verdadeira de um país de selvagens nus, ferozes e canibais, situado no Novo Mundo América, desconhecido na Terra de Hessen, antes e depois do nascimento de Cristo até que, há dois anos, Hans Staden de Homberg, em Hessen, por sua própria experiência, o conheceu, o livro tornou-se um best-seller desde sua primeira edição, em Marburg, em 1557. Em 1925, foi traduzido para o português por Monteiro Lobato. (p. 50)

Julgar o conjunto da obra jesuítica à luz de conceitos atuais, porém, é incorrer num erro tão gritante quanto o dos próprios padres quinhentistas em sua pretensão de avaliar a mentalidade e os costumes indígenas de acordo com as crenças e os dogmas da Europa de fins do século XVI - uma época marcada pela intolerância religiosa, pelo etnocentrismo e, acima de tudo, pela Contrarreforma. (p. 52)

Em pouco tempo todos os aspectos "culturais" da empresa colonial lusitana foram entregues aos jesuítas, encarregados também da conversão dos "gentios" na Índia (e em toda a Ásia) e no Brasil. As colônias - especialmente o Brasil - se desenvolveriam sem livros, sem universidades, sem imprensa sem debates nem inquietações culturais: em uma palavra, sem o frescor do humanismo renascentista. "A inteligência brasileira viria a constituir-se submetida à direção exclusiva da Companhia de Jesus, sob a égide da Contrarreforma e do Concílio de Trento", como diagnosticou Wilson Martins. "Esse desejo de perpetuar a ignorância (...) condicionaria as perspectivas mentais do Brasil por três séculos". (p. 55)

Embora para algumas almas mais crédulas os trópicos estivessem de tal forma impregnados pelo mal que "por obra do próprio demônio o nome de 'Santa Cruz' foi substituído pela voz bárbara de 'Brasil'", a maioria dos degredados e dos colonos comungava da crença segundo a qual "não existia pecado ao sul do Equador" - era a doutrina do "Ultra equinoxialem non peccatur". De acordo com o relato estupefato de padre Nóbrega, feito dez anos depois de sua chegada à Bahia, "se contarem todas as casas desta terra, todas acharão cheias de pecados mortais, adultérios, fornicações, incestos e abominações (...) não há obediências, nem se guarda um só mandamento de Deus e muito menos os da Igreja". (p. 62)

Na verdade, o principal motivo para o desembarque dos horrores persecutórios da Inquisição num lugar onde "não existia pecado" esteve diretamente ligado ao aumento da população de cristãos-novos (judeus recém-convertidos ao cristianismo) na colônia. A maioria deles mantinha relações comerciais com a Holanda - em guerra contra a Espanha, cuja Coroa havia absorvido a de Portugal. Por isso, em 1592, em dos maiores crimes que se podia cometer no Brasil seria praticado por aquele que, aos sábados, ousasse trajar "o melhor vestido que tinha". (p. 63)

Nos anos 1920, dois devotados historiadores, Afonso Taunay e Alfredo Ellis Jr., Começaram a forjar o mito bandeirante. Os documentos que acharam e publicaram revelam uma saga de horrores. Ainda assim, Taunay e Ellis Jr., preferiram fabricar a imagem do bandeirante altivo e galhardo, como se esses caçadores de homens fossem os "Três Mosqueteiros". Mas ambos sabiam que muitos dos bandeirantes andavam descalços, mal falavam português e estavam treinados para escravizar e matar. (p. 64)

Certa ocasião, em tenso diálogo com um diplomata espanhol, o rei da França, Francisco I, proferiu a frase que a história se encarregaria de imortalizar: "Gostaria de ver a cláusula do testamento de Adão que me afastou da partilha do mundo...". O monarca francês evidentemente se referia ao Tratado de Tordesilhas - o acordo planetário que Portugal e Espanha tinham assinado em 1494, dividindo o mundo entre si, com bênção papal. (p. 79)

Tolerante, competente, dedicado e ágil, Nassau fez um governo brilhante. Primeiro, tomou Porto Calvo, último foco da resistência aos invasores. Depois, atraiu os plantadores luso-brasileiros, concedendo-lhes empréstimos para reerguerem seus engenhos - e os defendeu da agiotagem dos negociantes holandeses e judeus, limitando os juros a 18% ao ano. Deu liberdade de culto, tratou bem os nativos, aumentou a produção de açúcar, urbanizou o Recife, protegeu os artistas, apaziguou a colônia. Foi um príncipe. (p. 101)

Em 1808, ao visitar o Brasil, John Luccock, um inglês, comentou que os brancos se sentiam "fidalgos demais para trabalhar em público". Meio século depois, Thomas Ewbank, também britânico, dizia que, no Brasil, "um jovem preferiria morrer de fome a abraçar uma profissão manual". Segundo ele, a escravidão tornara "o trabalho desonroso - resultado superlativamente mau, pois inverte a ordem natural e destrói a harmonia da civilização". As críticas não eram arrogância britânica: para Luís Vilhena, mestre português que ensinava grego na Bahia, o Brasil era o "berço da preguiça". (p. 131)

Ficou decidido que, no dia em que fosse decretada a derrama, uma revolução eclodiria. Os planos para o golpe eram tão vagos quanto os projetos do futuro governo. Em tese, a revolta levaria à fundação, em Minas, de uma república independente, cuja capital seria São João del Rei. O Distrito Diamantino seria liberado, assim como a exploração do ferro e a industrialização. Seriam construídos hospitais, criada uma universidade e abolida a escravidão. O governo seria entregue a Tomás Antônio Gonzaga, por três anos - a seguir, seriam convocadas eleições livres. Minas estava destinada a ser, portanto, uma espécie de paraíso na Terra. (p. 140)

Tiradentes pode ter sido mero bode expiatório no trágico desfecho da Conjuração Mineira. Mas a decência com a qual se comportou ao longo do lento e tortuoso processo judicial e, acima de tudo, a altivez com que enfrentou a morte, tornaram-no, no ato, não apenas a maior figura do movimento, mas também um dos grandes heróis do Brasil. (p. 142)

Quando D. João fundou o Banco do Brasil, em 12 de outubro de 1808, só havia três bancos emissores no mundo. A ideia, portanto, em tese, era boa. Mas, criado com capital inicial de 1.200 contos e com objetivo de gerar fundos para manter a Corte no Brasil, o banco logo passou a emitir mais do que arrecadava. A seguir, começaram os desfalques, os desvios e os "extravios" do dinheiro. Em vez de "proceder a rigoroso inquérito, como aconselhava a salvação da instituição", o governo "impôs o silêncio pela violência aos que davam curso àqueles boatos", como relatou, injuriado, em 1821, o conselheiro Pereira da Silva. Seu colega, o conselheiro José Antônio Lisboa, também lastimou "o mau uso que se fazia dos fundos do Banco e as prevaricações de seus empregados". Em abril de 1829, quando as notas emitidas pelo banco já tinham sido desvalorizadas em 190% com relação ao ouro, o então ministro da fazenda Miguel Calmon (mais tarde marquês de Abrantes) apresentou à Câmara dos Deputados proposta para dissolução da instituição. Após calorosos debates, no dia 11 de dezembro de 1829 - data na qual se esgotavam os privilégios previstos na fundação - , o Banco do Brasil foi então liquidado judicialmente. Só seria restabelecido um quarto de século mais tarde, em 1853. (p. 154)

Ao trazer cerca de 12 mil acompanhantes na sua transmigração para o Brasil, D. João VI, ao chegar ao Rio, não se viu forçado apenas a achar lugar para toda aquela gente morar. Também foi preciso dar-lhes um emprego - e um emprego público, é claro. (p. 154)

Favorito da Rainha Elizabeth I, com quem teve um caso, Walter Raleigh foi uma das dinâmicas e controversas figuras da colonização inglesa. Descobridor das Guianas e primeiro colonizador dos EUA (fundou a Virgínia e a Carolina do Norte), sir Walter Raleigh, tido como o introdutor do tabaco na Inglaterra, ficou conhecido como o "homem que pesou a fumaça". Para ganhar uma aposta, colocou um charuto numa balança, fumou-o e pesou as cinzas. A diferença entre uma medida e outra era "o peso da fumaça". O mais romanesco dos ingleses se tornou um herói popular. (p. 169)

O príncipe não estava bem. Teria sido a água salobra de santos ou algum prato condimentado do jantar da noite anterior? Não se sabe - nem ele o sabia. O fato é que uma diarreia o atacara, e a cavalgada pela tortuosa estrada que o conduzia da baixada santista ao platô de São paulo não tinha ajudado em nada na recuperação do combalido ventre principesco. No instante em que o major Antônio Ramos Cordeiro e o correio real Paulo Bregaro, que tinham partido do Rio de Janeiro em direção a Santos com um maço de cartas urgentes para D. Pedro, chegaram às margens do riacho Ipiranga, divisaram alguns membros da guarda de honra parados numa colina. D. Pedro estava à beira do córrego, "quebrando o corpo" - agachado para "responder a mais um chamado da natureza". A correspondência lhe foi entregue enquanto ele ainda abotoava a braguilha do uniforme. As circunstâncias não eram as mais indicadas para a "perpetração da façanha memorável". Mas as notícias eram de tal forma definitivas e perturbadoras que, depois de ler, amassar e pisotear as cartas, D. pedro montou "sua bela besta baia", cavalgou até o topo da colina e gritou à guarda de honra: "Amigos, as Cortes de Lisboa nos oprimem e querem nos escravizar... Deste dia em diante, nossas relações estão rompidas".
Após arrancar a insígnia portuguesa de seu uniforme, o príncipe sacou a espada e, às margens plácidas do Ipiranga, bradou heroico e retumbante: "Por meu sangue, por minha honra e por Deus: farei do Brasil um país livre". Em seguida, erguendo-se dos estribos e alçando a espada, afirmou: "Brasileiros, de hoje em diante nosso lema será: Independência ou morte". Eram quatro horas da tarde do dia 7 de setembro de 1822, e o sol, em raios fúlgidos, brilhou no céu da pátria naquele instante. (p. 178)

Um projeto de Constituição foi rapidamente elaborado e, em 25 de março de 1824, era promulgada a primeira carta Magna do Brasil - e ela perduraria, quase inalterada, até fevereiro de 1891. A Constituição de 1824 estabeleceu um governo monárquico, hereditário e constitucional representativo. O imperador, inviolável e sagrado, não estava sujeito a responsabilidade legal alguma: exercia o Poder Executivo com os ministros (escolhidos por ele) e o Moderador com seus conselheiros. Também podia escolher um entre os três senadores eleitos por província e suspender ou convocar os Conselhos Provinciais e a Assembleia Geral.
A eleição para a Câmara dos Deputados (eleitos pelo "povo", por voto indireto) era temporária: a eleição para o Senado era vitalícia (e, graças a manobras políticas, o imperador acabava apontando não um, mas os três senadores de cada província). Para ser eleitor era preciso ter pelo menos 25 anos e 100 mil-réis de renda anual. Para ser deputado, era necessário ter 200 mil-réis de renda anual e, para ser senador, a renda necessária era de 800 mil-réis por ano. Os presidentes das províncias eram diretamente escolhidos pelo imperador. (p. 184)

Em 1800, Bonifácio voltou a Lisboa e foi nomeado intendente das Minas e Metais. Depois, participou da luta contra o invasor francês. Só retornou ao Brasil em 1819. Baixinho, curvado, grisalho, de olhar malicioso, vaidoso, enérgico, teimoso, ateu e mulherengo, Bonifácio se tornou o principal arquiteto da independência. (p. 185)

Como a confiabilidade dos regentes no Exército fora fortemente abalada, o ministro da Justiça, Diogo Feijó, foi autorizado a criar uma Guarda Nacional. A nova tropa - também chamada de "milícia cidadã", já que seus integrantes eram voluntários e não recebiam soldo - se transformaria na principal base de sustentação militar da Regência Trina Permanente. E foi também a partir desse episódio que os termos "coronel" e "coronelismo" começaram a se misturar à história do Brasil, pois os chefes políticos de diversas províncias da nação - em geral grandes proprietários de terra - assumiram altas patentes na nova milícia. (p. 194)

Entre as muitas vítimas da Guerra dos farrapos - os ex-escravos e guerrilheiros negros, os imigrantes alemães recrutados à força pelos farrapos, os milhares de bois que tiveram suas línguas cortadas para não serem utilizados pelo inimigo -, uma das principais foi a verdade. Durante anos, a guerra foi tema tabu: era proibido escrever sobre ela. Só em 1870 apareceu no Brasil o primeiro livro sobre o conflito: era, as Memórias de Garibaldi, por Dumas. Desde então, a maior parte dos textos foi escrita no Sul por autores gaúchos e inverte uma tendência da historiografia mundial: faz apologia dos vencidos. (p. 203)

Em janeiro de 1893, Joaquim Nabuco havia escrito para André Rebouças, o amigo que muito o influenciara e que então se achava no exílio voluntário na África: "Com que gente andamos metidos! Hoje estou convencido de que não havia uma parcela de amor ao escravo, de desinteresse e de abnegação em três quartas partes dos que se diziam abolicionistas. Foi uma especulação a mais! A prova é que fizeram essa república e depois dela só advogam a causa dos bolsistas [investidores da bolsa de valores], dos ladrões da finança, piorando infinitamente a condição dos pobres. (...) Estávamos metidos com financistas, e não com puritanos, com fâmulos de banqueiros falidos, mercenários e agiotas..." (p. 235)

Num país que adotou a ficção jurídica segundo a qual as leis "pegam" ou "não pegam", não é de estranhar que as imposições contra o tráfico de escravos e contra a própria escravidão tenham demorado tanto para "pegar". (p. 236)

O positivismo é a escola filosófica nascida das ideias do pensador francês Augusto Comte (1798-1857). Em meio a uma série de teorias, baseadas em sua "filosofia da história" e na sua "classificação das ciências", Comte criou o que ele próprio chamou de "religião da humanidade" - um culto não teísta no qual Deus seria substituído por uma humanidade racional e evoluída, que atingiria esse estágio "mais elevado" tão logo fosse conduzida a ela por "homens mais esclarecidos". Para Comte, a melhor forma de governo era a ditadura republicana - um "governo de salvação nacional exercido no interesse do povo". O ditador comtiano, em tese, deveria ser representativo, mas poderia "afastar-se" do povo em nome do "bem da república". Não é difícil entender por que os "militares científicos" se apaixonaram pela tese. (p. 247)

Todos os descaminhos da política e da economia brasileiras se materializaram plenamente nos dez primeiros anos da República. Escândalos financeiros, arrocho salarial, clientelismo, aumento dos impostos, regime oligárquico, coronelismo, repressão aos movimentos populares, desvio de verbas, impunidade, fraude eleitoral, fechamento do Congresso, estado de sítio, crimes políticos, confronto entre governos civis e governos militares, alternância no poder da forma mais equivocada com o novo governo devastando a obra do governo anterior - houve de tudo na primeira década republicana. (p. 250)

Depois de portugueses e africanos, foram os italianos aqueles que chegaram em maior número ao Brasil: 1,6 milhão em mais de cem anos (921 mil apenas entre 1886 e 1900). O segundo maior contingente de imigrantes veio da Espanha: 694 mil em um século. Os alemães vêm a seguir, com 250 mil. Os japoneses ocupam o quarto lugar, com 229 mil imigrantes. Esses povos não modificaram apenas os hábitos, a língua, as formas de pensar, de agir e de se alimentar: mudaram a própria imagem que o país fazia de si mesmo. (p. 274)

Enquanto na serra gaúcha os primeiros imigrantes italianos produziam vinho e hortifrutigranjeiros, na cidade de São Paulo, alfaiates, padeiros, sapateiros, donos de cantina criavam novos bairros, como o Bexiga, a Mooca e o Brás, modificando para sempre a face urbana da nação. (p. 277)

A primeira mulher a desfilar usando calças no Brasil percorre a Avenida Central, antes de ser agredida por transeuntes. (p. 286)














Após uma campanha incendiária que agitou as principais capitais do país, em 15 de novembro de 1910, o senador Pinheiro Machado anunciou à nação que o marechal Hermes da Fonseca fora vencedor, tendo recebido os célebres "400 mil votos redondos". (p. 293)

Por "sugestão" de Bernardes, cada estado reuniu uma convenção de líderes municipais; a essa seguiu-se, em setembro de 1925, a convenção nacional na qual Washington Luís proclamado candidato único à Presidência. Em 1º de março de 1926, a chapa unânime recebeu 98% dos votos numa das eleições mais calmas da história brasileira. Foi a consagração final de um sistema trapaceiro. (p. 305)

O objetivo principal da Coluna Prestes, decidido na reunião de 12 de abril de 1925, era percorrer todo o interior do Brasil para propagar o ideal revolucionário e conscientizar a população rural, fazendo-a sublevar-se contra o domínio exploratório exercido pelas elites "vegetais". (p. 312)

Disposta a evitar o choque frontal com as tropas legalistas do governo, a Coluna se deslocava rapidamente de um vilarejo para outro - e seu maior efeito parece ter sido inspirar o mais profundo terror entre as populações rurais à simples menção da palavra "revolução". (p. 313)

Após a Revolução de 30, todos os chefes revolucionários retornariam ao Brasil para ocupar cargos no governo Vargas - todos, menos Luis Carlos Prestes.
No exílio, ele se tornara marxista e logo iniciaria a luta pela Revolução Comunista, dentro e fora do Brasil. (p. 313)

Resultado de imagem para A Coluna da morteA épica marcha da Coluna Prestes jamais conseguiu arregimentar o apoio das classes rurais brasileiras, mas acabou inspirando o líder chinês Mao Tsé-Tung. (p. 313)

Solto em 1945, Prestes aliou-se a seu maior inimigo, Getúlio Vargas e, como chefe do então legalizado Partido Comunista, elegeu-se deputado federal, com a maior votação do país. Em 1948, com o PCB de novo na clandestinidade, Prestes fugiu do Brasil e viveu anos na União Soviética, da qual se tornou vassalo leal. Em 1957, Prestes obteve o direito de voltar ao país por mandato judicial e apoiou João Goulart em 1961. Com o golpe militar de 1964, viu-se forçado a fugir outra vez - deixando para trás documentos que comprometeram vários companheiros. Retornou ao Brasil depois da anistia de 1978 e participou da campanha das Diretas Já. Stalinista ferrenho, conspirador e disciplinador, doutrinário e doutrinador, dúbio e drástico, Prestes morreu aos 92 anos, em 1990, mantendo segredo e alimentando o mito de suas várias e fracassadas "ações revolucionárias". (p. 315)

Resultado de imagem para Floro e Padre CiceroFloro Bartolomeu Costa e o padre Cícero se conheceram e se associaram em 1908, quando, disposto a explorar as minas de cobre de Coxa (Ceará) o padre entrou em choque com o fazendeiro Antônio Pequeno e decidiu contratar os "serviços" do dr. Floro. Os dois homens mais conhecidos de Juazeiro formaram um exército de jagunços e assumiram o controle da região. Em 1924, uma imensa estátua do Padim Ciço foi erguida na cidade. O padre morreu em 1934, mas continua sendo venerado como santo no Nordeste. (p. 315)

Em 12 de abril de 1926, depois de praticar os mais variados crimes e saques, atacando cidades e plena luz do dia, Lampião foi transformado em "capitão" legalista, recebendo, por ordem do deputado Floro Bartolomeu Costa e do padre Cícero, fuzis Mauser e trezentos homens. Tinha ordens de perseguir a Coluna Prestes. Quando descobriu que o governo não pretendia anistiá-lo e que o documento que o tornara capitão do Exército não tinha validade legal, desistiu da caçada humana e - com as novas armas - retornou aos saques, aos assaltos e aos crimes. (p. 317)

A imagem mais emblemática - e afrontosa - do golpe de 1930 é a dos correlegionários de Vargas amarrando seus cavalos no obelisco da avenida Rio Branco, no coração do Rio de Janeiro. Mas o fato é que suas tropas - que também se locomoveram de trem e em caminhões militares - foram saudadas pelo povo ao chegar à capital. (p. 327)

No discurso de posse, Getúlio prometera "promover, sem violência, a extinção progressista do latifúndio, desmontar a máquina do filhotismo parasitário e sanear o ambiente moral da pátria". Surgia um estado forte, paternalista, centralizador e nacionalista. Acabava-se o federalismo descentralizado e liberal da "república dos fazendeiros". A intervenção do estado na economia crescia: os sindicatos e as relações trabalhistas passaram a ser controladas pelo governo. Empresas estrangeiras eram obrigadas a ter dois terços de empregados brasileiros e a pagar um tributo de 8% sobre os lucros enviados ao exterior. Em breve, Vargas se sentiria forte o bastante para tentar perpetuar-se no poder. (p. 339)

Após o golpe dentro do golpe que foi o movimento que resultou no Estado Novo, manifestações populares ao estilo nazifascista se tornaram comuns no Brasil, que ingressou em uma era policialesca. A imagem do ditador passou a ilustrar as cartilhas escolares produzidas pelo DIP. (p. 340)

Em maio de 1959, JK recebeu Fidel castro no Rio de janeiro e homenageou o líder da Revolução Cubana. Em junho, no ato mais espetaculoso de seu governo, JK rompeu negociações com o fundo Monetário Internacional (FMI), afirmando que o Brasil não era "mais o parente pobre relegado à cozinha". Era o início de uma política externa "desalinhada" da dos Estados Unidos - que acabaria desembocando no golpe militar de 1964. Com a posse de Jânio Quadros, em 1961, o Brasil manteria a mesma postura da era JK. Jânio não apenas se recusou a apoiar o bloqueio dos Estados Unidos a Cuba como - além de enviar Jango à China e à Alemanha Oriental e saudar o astronauta soviético Gagárin - voltou a homenagear Fidel e concedeu ao guerrilheiro Che Guevara, em Brasília, a mais alta insígnia nacional: a Ordem do Cruzeiro do Sul. (p. 369)

Para o udenista Mário Martins, cinco personagens históricos pareciam ter influenciado Jânio: Cristo, Shakespeare, Lincoln, Lênin e Chaplin. "O problema é que nunca se sabe quando ele imita esse ou aquele (...) Às vezes procuramos Cristo e damos de cara com Lênin!". Para Lacerda - que durante a campanha dissera que Jânio tinha "cheiro de povo" -, o presidente era "o mais mutável, o mais desequilibrado, o mais pérfido de todos os homens públicos que apareceram no Brasil". A melhor definição, porém, parece ter sido a de Afonso Arinos. Para o ministro das Relações Exteriores de Jânio, ele era "a UDN de porre". (p. 370)

O episódio seria premonitório do racha que logo dividiria a bossa nova em "direita" e "esquerda", em "participantes" e "alienados". Após o golpe de 1964, o compositor Geraldo Vandré dissera: "Temos de fazer música 'participante'. Os militares estão prendendo e torturando. A música tem de servir para alertar o povo" ("Quem alerta é corneta de regimento", responderia Roberto Menescal.) Sérgio Ribeiro seguiria a linha proposta por Vandré. Mas o disco que de fato rachou a bossa nova foi Opinião de Nara, de Nara Leão, base do show Opinião, de Oduvaldo Viana Filho e Paulo Pontes, dirigido por Augusto Boal, o qual, além de ser um dos pontos altos do Teatro Opinião, foi a primeira reação artística da esquerda ao golpe, inaugurando a "ideologia da pobreza" que, logo a seguir, tanto importunaria a cultura brasileira. Mas os gênios da bossa nova nem deram bola e seguiram seu caminho - não deixando de ser menos libertários e ousados por causa disso. Na verdade, sua música permanece eterna enquanto as "canções de protesto" daquela época soam enfadonhamente datadas. (p. 405)

Embora os médicos se referissem a um certo "divertículo de Meckel", o que Tancredo Neves de fato tinha era um tumor no abdômen. Para oferecer ao país um quadro otimista, médicos e assessores mentiram durante um mês para toda a nação. "O presidente andou pelo quarto, fez exercícios respiratórios. Está sem febre e acabou o risco de complicações respiratórias", bradava o primeiro comunicado oficial, dando o tom de falsa esperança que se reproduziu a partir daí. O coordenador da junta médica formada para acompanhar o caso, Henrique Walter Pinotti (que se autodenominava "professor doutor"), não revelou à família as reais condições de Tancredo. (p. 420)

Sarney é o retrato vivo de que, em pleno século 21, o Brasil ainda guarda resquícios de uma política quase feudal e do quanto ainda falta para o país tornar-se uma nação verdadeiramente moderna. (p. 422)

Por intermédio de PC Farias foram arrecadados milhões de dólares que contribuíram para a eleição de Collor. Não se sabe ao certo quanto PC amealhou. Sabe-se apenas que o dinheiro não apenas são parou de entrar depois da vitória de Collor como, ao contrário, passou a afluir em quantidade ainda maior após a eleição. Baseado em sua ligação com as empreiteiras, PC teria armado o maior esquema de propina já concebido no Brasil - uma rede de influência que envolveria "porcentagens" de até 22% para a aprovação de qualquer projeto. O esquema começaria a ser desmontado depois de Pedro Collor, irmão do presidente e ex-amigo de PC, denunciar a "parceria" entre Fernando e o tesoureiro. Segundo Pedro, PC dizia abertamente que, do dinheiro arrecadado, "70% é do chefe, 30% é meu". (p. 429)

A posse de Floriano Peixoto em novembro de 1891, após a renúncia de Deodoro da Fonseca; a posse de Café Filho em agosto de 1954, após o suicídio de Vargas; a posse de João Goulart em setembro de 1961, após a renúncia de Jânio Quadros, e, especialmente, a posse de José Sarney no lugar de Tancredo Neves, em março de 1985, deveriam ter ensinado aos brasileiros a lição de que, fosse quem fosse, o vice-presidente deveria ser levado em conta na hora de eleger um presidente. No entanto, durante as eleições que conduziram Fernando Collor ao Planalto, pouquíssimos eram os eleitores que sabiam quem eram os vices do vencedor Collor e do vencido Lula. (p. 433)




quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Bons profissionais e excelentes profissionais - Augusto Cury (2008)

Nos primeiros trinta segundos de tensão cometemos os maiores erros de nossa vida. A sabedoria recomenda que quando somos contrariados, não deveríamos estar debaixo da ditadura da resposta, mas no oásis do silêncio. (p. 20)

Mas quem decifra a sua intuição criativa? Somos treinados para dar respostas fechadas, começando pelas provas escolares. Existe uma ideia acadêmica falsa sustentando que os melhores alunos são os que tiram as melhores notas, os que registram com mais exatidão as informações nas provas.
Esse conceito pode ser uma verdade para os anais da escola clássica, ms não para a escola da existência, a escola social. Os melhores alunos no teatro social são os que aprenderam a decifrar intuitivamente os códigos da inteligência. São os que expressam seus pensamentos, ousam, criam, inventam, imaginam. São os que caem, levantam e não desistem de caminhar. São os que encantam, envolvem, lideram. (p. 21)

A maior tarefa de um ser humano é ser líder de si mesmo e a maior tarefa de um líder é sair da plateia, entrar no palco da sua mente e ser autor da sua história. (p. 26)

Um ser humano sem história é um livro sem letras, uma foto sem imagem, um rio sem nascente. Com lágrimas ou júbilo, acertos ou falhas, nossa história é um tesouro insubstituível... (p. 29)

O córtex cerebral tem milhões de janelas e cada janela contém pelo menos milhares de experiências e informações. Através das janelas nós interpretamos os estímulos, vemos a vida e reagimos aos eventos.
Quanto maior o número de janelas abertas, maior será a dimensão do raciocínio. Se o numero de janelas for restrito, podemos transformar uma barata em um dinossauro, um elevador em um cubículo sem ar, um conflito entre palestino e judeu em um fenômeno intransponível. (p. 29)

O problema é que o pensamento usado na educação e comunicação social, o pensamento dialético, é apoiado em um número reduzido de janelas. O uso excessivo do pensamento dialético travou a inteligência humana. Só alguns vencem esse bloqueio e brilham como pensadores. (p. 30)

Quem não critica o que crê não lapidará suas crenças, quem não lapida suas crenças será servo das suas verdades. E se suas verdades são doentias, certamente será uma pessoa doente. (p. 36)

Jesus insistia em dizer que era o filho da humanidade: "Sou o filho do homem". Tal expressão assombrosa revela que ele não tinha raça, cor, nacionalidade, religião. Foi o primeiro homem sem fronteiras, mas os homens querem aprisioná-lo em seus mundos e dogmas e fazê-lo sua propriedade. (p. 38)

Julgar comportamentos é um raciocínio lógico-linear, analisar as causas é um raciocínio histórico-psíquico. Excluir pela cor da pele, religião, casta social, é um raciocínio lógico-linear; incluir, solidarizar-se, apoiar, é um raciocínio histórico com abrangência psíquica, social e existencial. Ter ataques de ciúmes e inveja são raciocínios lógico-lineares, compreender e dar liberdade são raciocínios multiangulares. (p. 39)

Quem ama o poder não é digno dele. Certamente o usará para controlar as pessoas e se perpetuar nele. (p. 40)

As universidades, com as devidas exceções, são templos doentios, que formam pessoas doentes para viver em uma sociedade doente. Preparam jovens para dizer amém para o sistema e não para repensá-lo. (p. 43)

Alguns professores de psicologia discorrem sobre as doenças psíquicas sem exaltar o doente, sem valorizar sua complexidade e criatividade. Não mostram que cada ser humano tem um mundo fascinante para ser desvendado. (p. 43)

Infelizmente as religiões e o sistema educacional falharam muito em não estudar os códigos da inteligência de Cristo. Muitas atrocidades teriam sido evitadas. (p. 45)

Quem corrige o insensato recebe afronta contra si. Quem o deixa se perder em seu caos dá-lhe oportunidade para se reconstruir. (p. 45)

Um bom profissional faz tudo o que lhe pedem, enquanto um excelente profissional surpreende, faz além do que os outros esperam. (p. 51)

Seria um absurdo se observássemos um motorista tirar as mãos do volante e deixar o carro seguir ao seu bel-prazer. Colisões aconteceriam, ferimentos imprevisíveis seriam gerados. Mas esse absurdo ocorre em nossa psique. As pessoas deixam suas emoções soltas, sem direcionamento, sem gerenciá-las minimamente.
Submetem-se ao seu humor triste, fóbico, depressivo, pessimista, como se fossem marionetes, como se não tivessem nenhum poder gerencial. Não têm consciência que essas emoções são registradas em segundos nos bastidores da sua mente, e uma vez arquivadas não podem ser mais deletadas. (p. 58)

Exigir de um filho ou aluno que reconheça seus erros e sejam sóbrios no exato momento em que erram é uma afronta. Exigir que nosso cônjuge, parceiro(a) ou namorado (a) seja coerente durante uma crise de ansiedade é um desrespeito. Cobrar dos funcionários lucidez e reflexão no exato momento em que tropeçam ou falham é uma injustiça. Nesses momento, tais pessoas estão presas pelas janelas killers, bloquearam milhares de outras janelas, não têm, portanto, condições de pensar, analisar, refletir, enfim de pensar por múltiplos ângulos.
No primeiro momento, espere que a temperatura emocional de quem falhou abaixe, dê um momento para ele respirar, refletir. Espere uma hora, um dia, uma semana, o que for necessário. No segundo momento, seja gentil e o elogie. Encontre pontos nos quais ele possa ser valorizado, ainda que você tenha dificuldades de encontrá-los. Enfim, conquiste a sua emoção. Somente no terceiro momento aponte os erros, disseque as falhas. (p. 70)

A vida é um grande e complexo texto, que precisa de muitas vírgulas para ser escrito, ainda que essas vírgulas assumam em alguns momentos o formato de lágrimas. (p. 95)



A Reputação na velocidade do pensamento - Mário Rosa (2006)

Inocência e ingenuidade, hoje em dia, é acreditar que alguns comportamentos que poderiam passar desapercebidos e impunes até bem pouco tempo irão inevitavelmente continuar com esse salvo conduto. Ser ingênuo ou inocente hoje é desprezar os perigos embutidos em nossas ações, antes de praticá-las. (p. 76)

É por isso que a propaganda deixou de ser a alma do negócio. Porque no mundo do Homo Byten não basta apenas ser conhecido. Não basta apenas ser famosos e ter seu nome massificado: é preciso ser respeitado. (p. 122)

Com a palavra, o guru da computação Ray Kurzweil:
- Até por volta do ano 1000, uma mudança de paradigma demorava milhares de anos. Do ano 1000 em diante, a velocidade passou para uma quebra de paradigma a cada 100 anos.
Hoje, ele calcula, um fosso histórico se abre no intervalo de uma década!
Logo, estamos sendo "fabricados" por aquilo que fabricamos de uma forma muito mais impressionante. O computador, a Internet, a tecnologia digital, tudo isso são criações humanas que estão criando novas formas de expor as reputações humanas, fabricando um novo contexto à nossa volta, o que exige de nós uma rapidez muito maior de auto-reinvenção. (p. 191)

Ingenuidade é pensar que os outros são sempre mais ingênuos. (p. 210)

Mostra as palmas das mãos para cima: Aceitação, concordância. Segundo Sr. A.E. Scheflen, um dos cientistas que estuda essa matéria: "Sempre que uma mulher mostra a palma da mão, está cortejando você - quer ela o saiba ou não". (p. 67)


segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

A lei de Deus contra a liberdade dos homens - Jean-Louis Schlegel (2009)

Notemos que, se os integristas católicos reivindicam a Tradição, os fundamentalistas protestantes abraçam o fundamento das Escrituras, na linha luterana e calvinista da sola Scriptura, da Escritura como fonte e fundamento único da Revelação e da fé. (p. 25)


domingo, 4 de dezembro de 2016

A escola que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir - Rubem Alves (2001)

Na tarde mágica da Escola da Ponte, os pássaros voaram de um certo poema de Ruy Belo e foram pousar nos ombros dos que estavam sentados em redor do contador de estórias, do homem grande que gosta de brincar. Então, ele que está escrevendo a estória de Pinóquio ao contrário: não a estória do Pinóquio que é um boneco de madeira ao qual a escola transforma num menino de carne e osso e alma de gente, mas a estória do menino de carne e osso e alma de gente ao qual a escola transforma num adulto de madeira, rígido e triste como Pinóquio. (p. 26)

Bernardo Soares: "O que vemos não é o que vemos, senão o que somos". (p. 27)

"Os limites da minha linguagem denotam os limites do meu mundo", dizia Wittgenstein. (p. 28)

É preciso esquecer o que se sabe a fim de ver o que não se via. (p. 29)

Aforismo que repito sempre: "Numa terra de fugitivos, aquele que anda na direção contrária parece estar fugindo". O poeta T.S. Eliot, que o escreveu, pôs o fugitivo no singular: um ser solitário. (p. 35)

Vamos começar do começo. Imagine o homem primitivo, exposto à chuva, ao frio, ao vento, ao sol. O corpo sofre. O sofrimento faz pensar: "Preciso de abrigo", ele diz... Aí, forçada pelo sofrimento, a inteligência entra em ação. Pensa para deixar de sofrer. Pensando, conclui: "Uma caverna seria um bom abrigo contra a chuva, o frio, o vento, o sol..." Instruídos pela inteligência, os homens procuram uma caverna e passam a morar nela. Resolvido o sofrimento, a inteligência volta a dormir. Mas aí, forçados pela fome ou por um grupo armado que lhes toma a caverna, eles são obrigados a se mudar para uma planície onde não há cavernas. O corpo volta a sofrer. O sofrimento acorda a inteligência e faz com que ela trabalhe de novo. A solução original não serve mais: não há cavernas. A inteligência pensa e conclui: "É preciso construir uma coisa que faça as vezes de caverna. Essa coisa tem de ter um teto, para proteger do sol e da chuva. tem de ter paredes, para proteger do vento e do frio. Com que se pode fazer um teto?" A inteligência se põe então a procurar um material que sirva para fazer o teto. Folhas de palmeira? Campi? Pedaços de pau? Mas o teto não flutua no ar. Tem que haver algo que o sustente. Paus fincados? Sim. Mas para fincar um pau é preciso descobrir uma ferramenta para cortar o pau. Depois, uma ferramenta para fazer o buraco na terra. E assim vai a inteligência, inventando ferramentas e técnicas, à medida que o corpo se defronta com necessidades práticas. A inteligência, entre os esquimós, jamais pensaria uma casa de pau a pique. Entre eles não há nem madeira nem barro. Produziu o iglu. E a inteligência é essencialmente prática. Está a serviço da vida. (p. 56)

E o que vi com clareza foio mesmo que viu Joseph Knecht, o personagem central do livro de Hesse O jogo das contas de vidro: depois de chegar no topo, percebeu o equívoco. E surgiu, então, o seu grande desejo: ensinar uma criança, uma única criança que ainda não tivesse sido deformada (essa é a palavra usada por Hesse) pela escola. (p. 67)

Hoje, vivemos (diz-se) numa sociedade democrática onde se defendem (diz-se) valores democráticos. Fala-se em liberdade, solidariedade, igualdade, fraternidade, verdade... No entanto, a capacidade de pensar, imaginar, inovar, expressar é constantemente inibida, agredida, recalcada. Podemos dizer que muitas crianças são inibidas de pensar o que lhes "apetece". Quanto mais pensamentos "atrevidos" tiverem, mais ferozmente serão censuradas. Muitas crianças são coagidas a pensar o que é "normal pensar-se", são coagidas a produzir o que é "normal produzir-se". (p. 77)

Hoje, somente restam vestígios da "estrutura tradicional", que transformamos em cavoucos sobre os quais assentamos os andaimes de uma escola que já não é herdeira ou tributária de necessidades do século XIX. (p. 101)


sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Andar, falar, pensar - Rudolf Steiner (2007)

Na vida posterior o homem experimenta o sabor do alimento com a boca, com o palato, com a língua. Na criança isto não ocorre, especialmente nos três primeiros anos, quando o sabor atua através de todo o organismo. A criança saboreia até com os membros o leite materno e a primeira alimentação. (p. 11)

Ora, a criança aprende também a falar primeiramente através de todo o seu organismo. Considerando o assunto desta forma, temos em primeiro lugar o movimento exterior, o movimento das pernas, que provoca o contorno forte; o articular dos braços e das mãos, que produz a flexão, a plasticidade das palavras. Vemos como é transformado interiormente, na criança, o movimento exterior em movimento da fala. (p. 17)

E uma das falsidades consiste no fato de acreditarmos fazer bem à criança reduzindo-nos, pela fala, ao nível infantil. Em seu inconsciente, porém, a criança não quer ser interpelada em linguagem infantil - quer ouvir, isto sim, algo que corresponda à autêntica linguagem do adulto. Falemos, portanto, à criança como estamos habituados, e evitemos uma linguagem especialmente dirigida. (p. 18)


quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

As quatro armadilhas da mente e a Inteligência Multifocal - Augusto Cury (2008)

Decifrar os códigos da inteligência nos faz entender que não somos deuses, mas seres humanos imperfeitos. Decifrar os códigos do eu como gestor do intelecto, da resiliência, do carisma, do altruísmo, da autocrítica, do debate de ideias, da intuição criativa, não é um dever, mas um direito de cada ser humano que busca ter uma mente brilhante e procura a excelência emocional, social e profissional. É um privilégio daqueles que compreendem que quando a sociedade nos abandona, a solidão é suportável. Quando nós mesmos nos abandonamos, ela é intolerável. (p. 6)

Como pesquisador da complexa inteligência, não me curvaria diante de nenhuma autoridade política e de nenhuma celebridade, mas me curvaria diante de todos os professores e alunos do mundo. São eles que podem mudar o teatro social. São atores insubstituíveis. (p. 8)

O senso comum acredita falsamente que sua memória é subutilizada. Uns creem que usam 10%, outros 20% e ainda outros um pouco mais da sua memória. mas esse pensamento popular é ingênuo, simplista e, portanto, precisa de correções. A memória é seletiva. Além disso, abre e fecha dependendo da emoção que estamos vivenciando em determinado momento existencial. (p. 16)

A Psicologia Multifocal tem sido usada por inúmeros profissionais de saúde mental e em pesquisa, em teses de mestrado e doutorado e cursos de pós-graduação. Apesar da difusão da teoria, quero deixar claro que nenhuma teoria é verdadeira em si. Ela é um corpo de postulados, hipóteses, conceitos, argumentos, dos quais se derivam os conhecimentos. (p. 18)

O conceito global de inteligência entra em três grandes estágios ou três grandes áreas. A duas primeiras são inconsciente e a última, consciente.
A primeira área é mais profunda , refere-se aos fenômenos inconscientes que atuam em milésimos de segundos no resgate e na organização das informações da memória e consequentemente na construção de pensamentos e emoções. Essa produção é registrada milhares de vezes por dia pelo fenômeno RAM (registro automático da memória), construindo a plataforma que forma o Eu, que é a expressão máxima da consciência crítica e capacidade de escolha. Tudo o que percebemos, sentimos, pensamos, experimentamos, tornam-se tijolos na construção dessa plataforma de formação do Eu.
A segunda área se refere ao corpo das complexas varáveis que influenciam em pequenas frações de segundos os fenômenos que leem a memória e produzem os pensamentos, imagens mentais, ideias e fantasias. Entre essas variáveis destaco "como estou" (estado emocional e motivacional), "quem sou" (a história existencial arquivada nas janelas da memória), "onde estou" (ambiente social), "quem sou geneticamente" (natureza genética e a matriz metabólica cerebral) e o "como atuo como gestor da psique" ( o Eu como diretor do roteiro de nossa história). (p. 24)

O Eu como gestor psíquico, administrador do intelecto, é apenas um dos códigos da inteligência. Se mesmo sendo um bom gestor psíquico não dominamos completamente os pensamentos e as emoções da complexa mente humana, imagine se não decifrarmos esse código, imagine se abrirmos mão dessa gestão que ocorre nessa segunda grande área da inteligência. (p. 25)

Ao estudarmos a primeira e segunda grande área da inteligência podemos concluir que Homo sapiens, capaz de desenvolver equações matemáticas, fórmulas físicas e lógicos programas de computador, pode ser tão ilógico a ponto de produzir reações agressivas, desproporcionais, irracionais. Peritos em lidar com números podem perder sua lógica e reagir estupidamente à mínima contrariedade. (p. 26)

A terceira grande área da inteligência se refere aos resultados das duas primeiras áreas. Nessa área se encontram os comportamentos perceptíveis, capazes de serem analisados, avaliados, aferidos. Nessa área se evidencia a rapidez de raciocínio, o grau de memorização, a capacidade de assimilação de informações, o nível de maturidade nos focos de tensão, bem como os patamares de tolerância, inclusão, solidariedade, generosidade, altruísmo, segurança, timidez e empreendedorismo. (p. 27)

Os que se atolam de atividades, os que têm uma agenda saturada de compromissos e preocupações frequentemente são ótimos para os outros, mas carrascos de si mesmos. (p. 27)

Eis o grande e inaceitável paradoxo: o homo sapiens, ao longo da história, aprendeu a decifrar sua inteligência para atuar no teatro social, mas não aprendeu a decifrá-la para atuar no teatro psíquico, gerir sua peça intelectual. Somos tímidos espectadores onde deveríamos ser ágeis atores. (p. 29)

Podemos conviver com pessoas injustas, mas ninguém pode ser mais injusto conosco do que nós mesmos. Deveríamos lutar contra nossas mazelas psíquicas, mas nos intimidamos dentro de nós. E fora de nós, onde deveríamos agir com tolerância, nos tornamos combativos, machucamos quem não merece. Vivendo em uma sociedade superficial que não calibra nosso foco, erramos o alvo frequentemente. (p. 30)

Quem é especialista em cobrar e controlar os outros está apto para trabalhar em uma financeira e lidar com números, mas não com pessoas. (p. 30)

Muitos usam protetor solar e óculos escuros para se protegerem contra raios ultravioletas, mas não usam protetores para filtrar o lixo psíquico mais grosseiro a que se expõem. Não é esse um paradoxo absurdo e inadmissível? Temos de nos questionar: já gastamos tempo construindo esse filtro psíquico? Se não gastamos, teremos grande chance de gastar dinheiro com tratamentos. (p. 31)

Em que universidade se treina sistematicamente os alunos para decifrar o código da capacidade de pensar antes de reagir? Os universitários judeus, palestinos, europeus, chineses, americanos, saem com milhões de informações em seu intelecto. Muitos decifram a linguagem da razão, mas poucos a da sensibilidade e do carisma. Muitos decifram a linguagem do individualismo, mas poucos a do altruísmo, por isso não entendem que os fortes usam as ideias, enquanto que os fracos, as armas. Os fracos impões suas verdades, os fortes as submetem ao debate; os fracos segregam-se em seus feudos, os fortes lutam pela espécie humana. (p. 33)

Alguns dizem: "Eu sou sincero. Sou marcadamente honesto, tudo o que vem à minha mente eu falo". Na realidade, seu excesso de honestidade é um reflexo de que não decifraram o código do autocontrole. São servos de seus impulsos. Há pessoas insuspeitas que lesam seriamente o direito dos outros. (p. 34)

Que você seja um vendedor de sonhos. Ao fazer os outros sonhar, não tenha medo de falhar. E se falhar, não tenha medo de chorar. E, se chorar, repense a sua vida, mas não desista, dê sempre uma nova chance a si mesmo e a quem ama. (p. 34)

Enxergar os outros com nossos olhos é uma tarefa superficial, não exige treinamento. Mas enxergá-los com os olhos deles exige refinado treinamento. Sem decifrar esses códigos, ainda que sejamos profissionais de saúde mental, jamais entenderemos as lágrimas que não foram choradas, as dores que não foram expressas, os conflitos que não foram verbalizados. (p.034)

Não somos um número de cartão de crédito, uma conta bancária, mas seres humanos únicos. Apesar dos nossos defeitos, somos estrelas vivas no teatro da existência. (p. 35)

Líderes políticos e religiosos, se não decifrarem o código de se colocar no lugar dos que o confrontam, cometerão canibalismo psíquico. Bloquearão, silenciarão, excluirão. creiam, o canibalismo não foi extinto na atualidade, apenas assumiu outras formas. Alguns anulam seus pares em nome dos seus dogmas, outros em nome da nação, religião, ideologia, raça, teoria "científica". (p. 35)

Há um mundo a ser descoberto dentro de cada ser humano. Há um tesouro escondido nos escombros das pessoas que sofrem. Só os sensíveis e sábios os descobrem. (p. 38)

Existem ferramentas ou códigos universais? Devido à diversidade cultural, genética, religiosa, é questionável uma teoria psicológica falar em ferramentas ou códigos universais para explorar a mente humana, pois o que serve para um europeu não serve para um indiano, o que serve para um americano não é útil para um africano. Correto!
Entretanto, depois de mais de duas décadas de análise sistemática do funcionamento da mente, estou convicto de que realmente existem uno psiquismo humano ferramentas ou códigos intelectuais que transcendem a cultura, religião, povo, sexo. Descobri-las e utilizá-las, metodológica ou intuitivamente, pode determinar onde uma pessoa vai chegar em suas atividades sociais, profissionais e afetivas. (p. 39)

Nenhum pensamento é verdadeiro, mas uma interpretação da realidade. No ato de interpretação, o estado emocional (como estamos), social (onde estamos). personalidade (quem somos), metabolismo cerebral (genética), entram em cena causando micro ou macro distorções. Por isso, a verdade é um fim inatingível. (p. 40)

O ódio e o amor, a arrogância e a humildade, nascem em fontes muito próximas, em fontes que transcendem os limites das leis da matemática, no indecifrável e imprevisível mundo da mente humana. Quem aprende a decifrar os mais excelentes códigos da inteligência deixa o mundo intolerante e inflexível da lógica e dos números, e se humaniza. Torna-se paulatinamente resiliente, maleável, solidário, sensível, compassivo, paciente, generoso, magnânimo. Quanto mais decifra os códigos, mais uma pessoa se torna um ser humano e menos deixa de ser um deus rígido e autossuficiente. Infelizmente, como não aprendemos a decifrar os códigos, temos mais deuses do que seres humanos na humanidade. (p. 41)

Pequenas mudanças nesses ambientes deslocam a interpretação. Uma simples mudança em nosso estado emocional de tranquilidade para ansiedade diante de um mesmo comportamento de um filho expresso em dois momentos distintos, gerará interpretações distintas, ainda que em alguns casos imperceptíveis. Tranquilo, um pai pode ser tolerante com o erro de um filho; ansioso, pode ser implacável diante de um mesmo comportamento.
Quem acha que seus pensamentos são verdadeiros tem vocação para ser Deus e não humano. A verdade humana nunca é pura, mas interpretativa. Quando deciframos o código da inteligência nos tornamos mais flexíveis, tolerantes, inclusivos. (p. 47)

O conformista acredita que todas as coisas são obras do destino, já o ativista acredita que o destino é uma questão de escolha. O conformista é vítima do seu passado, o ativista é autor da sua própria história. O conformista vê a tempestade e se amedronta, o ativista vê no mesmo ambiente a chuva e enxerga a oportunidade de cultivar. O conformista se aprisiona no passado, o ativista se liberta no presente. (p. 60)


Há os que lutam pelo que pensam, batalham por suas ideias, mas se acham pobres miseráveis diante de sua impulsividade, irritabilidade, humor depressivo, ou sintomas psicossomáticos como dores de cabeça, dores musculares, queda de cabelo, gastrite, fadiga excessiva. Não levam desaforo para casa, mas diariamente levam desaforo para dentro. (p. 70)

O coitadista, bem como o conformista, não entende que ambição é vital para o Eu mudar as suas rotas. Não entende que a energia da ambição suplanta a energia do desejo. Desejo é uma intenção superficial. Ambição é um projeto de vida. Desejo é alicerçado pelo ânimo, ambição é alicerçada pela garra. Os ambiciosos só descansam quando atingem suas metas, os coitadistas descansam antes de entrar na raia. (p. 72)

O medo de reconhecer erros é, acima de tudo, o medo de se assumir como um ser humano com suas imperfeições, defeitos, fragilidades, estupidez, incoerência. Formamos nossa personalidade em uma sociedade superficial que esconde nossa humanidade e supervaloriza nosso endeusamento. (p. 75)

O melhor educador não é o que controla, mas o que liberta. Não é o que aponta os erros, mas o que previne. Não é o que corrige comportamentos, mas o que ensina a refletir. Não é o que desiste, mas o que estimula a começar tudo de novo. (p. 77)

Como abordo no livro Pais brilhantes, professores fascinantes, quanto pior for a qualidade da educação neste século mais importante será o papel da psiquiatria e da psicologia clínica. Não têm tido elas papéis em franco processo de crescimento? (p. 79)

Reconhecer nossas debilidades, entrar em contato de maneira nua e crua com nossa realidade, não é apenas um passo fundamental para oxigenar a inteligência, reeditar nossa memória e superar nossos conflitos, mas também para mergulharmos nas águas de descanso, para bebermos das fontes mais excelentes da tranquilidade. (p. 81)

Lembre-se de que os tranquilizantes podem diminuir a agitação psíquica, mas não produzem a tranquilidade existencial. As técnicas psicoterapêuticas podem expor as causas de nossas mazelas, mas só nós podemos mudar nosso estilo de vida. É preciso decifrar os códigos da inteligência para cumprir esses nobres objetivos. (p. 82)

No ápice da carreira, conquistam-se aplausos, mas sepulta-se a intrepidez. Os maiores perigos para a inteligência de um executivo não surgem quando sua empresa atravessa dificuldades, mas quando navega em céu de brigadeiro. Nesse estágio não experimentam novos processos, métodos, ideias. Ninguém gosta do caos, mas ele pode ser uma fonte de oportunidades criativas. (p. 86)