quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

As quatro armadilhas da mente e a Inteligência Multifocal - Augusto Cury (2008)

Decifrar os códigos da inteligência nos faz entender que não somos deuses, mas seres humanos imperfeitos. Decifrar os códigos do eu como gestor do intelecto, da resiliência, do carisma, do altruísmo, da autocrítica, do debate de ideias, da intuição criativa, não é um dever, mas um direito de cada ser humano que busca ter uma mente brilhante e procura a excelência emocional, social e profissional. É um privilégio daqueles que compreendem que quando a sociedade nos abandona, a solidão é suportável. Quando nós mesmos nos abandonamos, ela é intolerável. (p. 6)

Como pesquisador da complexa inteligência, não me curvaria diante de nenhuma autoridade política e de nenhuma celebridade, mas me curvaria diante de todos os professores e alunos do mundo. São eles que podem mudar o teatro social. São atores insubstituíveis. (p. 8)

O senso comum acredita falsamente que sua memória é subutilizada. Uns creem que usam 10%, outros 20% e ainda outros um pouco mais da sua memória. mas esse pensamento popular é ingênuo, simplista e, portanto, precisa de correções. A memória é seletiva. Além disso, abre e fecha dependendo da emoção que estamos vivenciando em determinado momento existencial. (p. 16)

A Psicologia Multifocal tem sido usada por inúmeros profissionais de saúde mental e em pesquisa, em teses de mestrado e doutorado e cursos de pós-graduação. Apesar da difusão da teoria, quero deixar claro que nenhuma teoria é verdadeira em si. Ela é um corpo de postulados, hipóteses, conceitos, argumentos, dos quais se derivam os conhecimentos. (p. 18)

O conceito global de inteligência entra em três grandes estágios ou três grandes áreas. A duas primeiras são inconsciente e a última, consciente.
A primeira área é mais profunda , refere-se aos fenômenos inconscientes que atuam em milésimos de segundos no resgate e na organização das informações da memória e consequentemente na construção de pensamentos e emoções. Essa produção é registrada milhares de vezes por dia pelo fenômeno RAM (registro automático da memória), construindo a plataforma que forma o Eu, que é a expressão máxima da consciência crítica e capacidade de escolha. Tudo o que percebemos, sentimos, pensamos, experimentamos, tornam-se tijolos na construção dessa plataforma de formação do Eu.
A segunda área se refere ao corpo das complexas varáveis que influenciam em pequenas frações de segundos os fenômenos que leem a memória e produzem os pensamentos, imagens mentais, ideias e fantasias. Entre essas variáveis destaco "como estou" (estado emocional e motivacional), "quem sou" (a história existencial arquivada nas janelas da memória), "onde estou" (ambiente social), "quem sou geneticamente" (natureza genética e a matriz metabólica cerebral) e o "como atuo como gestor da psique" ( o Eu como diretor do roteiro de nossa história). (p. 24)

O Eu como gestor psíquico, administrador do intelecto, é apenas um dos códigos da inteligência. Se mesmo sendo um bom gestor psíquico não dominamos completamente os pensamentos e as emoções da complexa mente humana, imagine se não decifrarmos esse código, imagine se abrirmos mão dessa gestão que ocorre nessa segunda grande área da inteligência. (p. 25)

Ao estudarmos a primeira e segunda grande área da inteligência podemos concluir que Homo sapiens, capaz de desenvolver equações matemáticas, fórmulas físicas e lógicos programas de computador, pode ser tão ilógico a ponto de produzir reações agressivas, desproporcionais, irracionais. Peritos em lidar com números podem perder sua lógica e reagir estupidamente à mínima contrariedade. (p. 26)

A terceira grande área da inteligência se refere aos resultados das duas primeiras áreas. Nessa área se encontram os comportamentos perceptíveis, capazes de serem analisados, avaliados, aferidos. Nessa área se evidencia a rapidez de raciocínio, o grau de memorização, a capacidade de assimilação de informações, o nível de maturidade nos focos de tensão, bem como os patamares de tolerância, inclusão, solidariedade, generosidade, altruísmo, segurança, timidez e empreendedorismo. (p. 27)

Os que se atolam de atividades, os que têm uma agenda saturada de compromissos e preocupações frequentemente são ótimos para os outros, mas carrascos de si mesmos. (p. 27)

Eis o grande e inaceitável paradoxo: o homo sapiens, ao longo da história, aprendeu a decifrar sua inteligência para atuar no teatro social, mas não aprendeu a decifrá-la para atuar no teatro psíquico, gerir sua peça intelectual. Somos tímidos espectadores onde deveríamos ser ágeis atores. (p. 29)

Podemos conviver com pessoas injustas, mas ninguém pode ser mais injusto conosco do que nós mesmos. Deveríamos lutar contra nossas mazelas psíquicas, mas nos intimidamos dentro de nós. E fora de nós, onde deveríamos agir com tolerância, nos tornamos combativos, machucamos quem não merece. Vivendo em uma sociedade superficial que não calibra nosso foco, erramos o alvo frequentemente. (p. 30)

Quem é especialista em cobrar e controlar os outros está apto para trabalhar em uma financeira e lidar com números, mas não com pessoas. (p. 30)

Muitos usam protetor solar e óculos escuros para se protegerem contra raios ultravioletas, mas não usam protetores para filtrar o lixo psíquico mais grosseiro a que se expõem. Não é esse um paradoxo absurdo e inadmissível? Temos de nos questionar: já gastamos tempo construindo esse filtro psíquico? Se não gastamos, teremos grande chance de gastar dinheiro com tratamentos. (p. 31)

Em que universidade se treina sistematicamente os alunos para decifrar o código da capacidade de pensar antes de reagir? Os universitários judeus, palestinos, europeus, chineses, americanos, saem com milhões de informações em seu intelecto. Muitos decifram a linguagem da razão, mas poucos a da sensibilidade e do carisma. Muitos decifram a linguagem do individualismo, mas poucos a do altruísmo, por isso não entendem que os fortes usam as ideias, enquanto que os fracos, as armas. Os fracos impões suas verdades, os fortes as submetem ao debate; os fracos segregam-se em seus feudos, os fortes lutam pela espécie humana. (p. 33)

Alguns dizem: "Eu sou sincero. Sou marcadamente honesto, tudo o que vem à minha mente eu falo". Na realidade, seu excesso de honestidade é um reflexo de que não decifraram o código do autocontrole. São servos de seus impulsos. Há pessoas insuspeitas que lesam seriamente o direito dos outros. (p. 34)

Que você seja um vendedor de sonhos. Ao fazer os outros sonhar, não tenha medo de falhar. E se falhar, não tenha medo de chorar. E, se chorar, repense a sua vida, mas não desista, dê sempre uma nova chance a si mesmo e a quem ama. (p. 34)

Enxergar os outros com nossos olhos é uma tarefa superficial, não exige treinamento. Mas enxergá-los com os olhos deles exige refinado treinamento. Sem decifrar esses códigos, ainda que sejamos profissionais de saúde mental, jamais entenderemos as lágrimas que não foram choradas, as dores que não foram expressas, os conflitos que não foram verbalizados. (p.034)

Não somos um número de cartão de crédito, uma conta bancária, mas seres humanos únicos. Apesar dos nossos defeitos, somos estrelas vivas no teatro da existência. (p. 35)

Líderes políticos e religiosos, se não decifrarem o código de se colocar no lugar dos que o confrontam, cometerão canibalismo psíquico. Bloquearão, silenciarão, excluirão. creiam, o canibalismo não foi extinto na atualidade, apenas assumiu outras formas. Alguns anulam seus pares em nome dos seus dogmas, outros em nome da nação, religião, ideologia, raça, teoria "científica". (p. 35)

Há um mundo a ser descoberto dentro de cada ser humano. Há um tesouro escondido nos escombros das pessoas que sofrem. Só os sensíveis e sábios os descobrem. (p. 38)

Existem ferramentas ou códigos universais? Devido à diversidade cultural, genética, religiosa, é questionável uma teoria psicológica falar em ferramentas ou códigos universais para explorar a mente humana, pois o que serve para um europeu não serve para um indiano, o que serve para um americano não é útil para um africano. Correto!
Entretanto, depois de mais de duas décadas de análise sistemática do funcionamento da mente, estou convicto de que realmente existem uno psiquismo humano ferramentas ou códigos intelectuais que transcendem a cultura, religião, povo, sexo. Descobri-las e utilizá-las, metodológica ou intuitivamente, pode determinar onde uma pessoa vai chegar em suas atividades sociais, profissionais e afetivas. (p. 39)

Nenhum pensamento é verdadeiro, mas uma interpretação da realidade. No ato de interpretação, o estado emocional (como estamos), social (onde estamos). personalidade (quem somos), metabolismo cerebral (genética), entram em cena causando micro ou macro distorções. Por isso, a verdade é um fim inatingível. (p. 40)

O ódio e o amor, a arrogância e a humildade, nascem em fontes muito próximas, em fontes que transcendem os limites das leis da matemática, no indecifrável e imprevisível mundo da mente humana. Quem aprende a decifrar os mais excelentes códigos da inteligência deixa o mundo intolerante e inflexível da lógica e dos números, e se humaniza. Torna-se paulatinamente resiliente, maleável, solidário, sensível, compassivo, paciente, generoso, magnânimo. Quanto mais decifra os códigos, mais uma pessoa se torna um ser humano e menos deixa de ser um deus rígido e autossuficiente. Infelizmente, como não aprendemos a decifrar os códigos, temos mais deuses do que seres humanos na humanidade. (p. 41)

Pequenas mudanças nesses ambientes deslocam a interpretação. Uma simples mudança em nosso estado emocional de tranquilidade para ansiedade diante de um mesmo comportamento de um filho expresso em dois momentos distintos, gerará interpretações distintas, ainda que em alguns casos imperceptíveis. Tranquilo, um pai pode ser tolerante com o erro de um filho; ansioso, pode ser implacável diante de um mesmo comportamento.
Quem acha que seus pensamentos são verdadeiros tem vocação para ser Deus e não humano. A verdade humana nunca é pura, mas interpretativa. Quando deciframos o código da inteligência nos tornamos mais flexíveis, tolerantes, inclusivos. (p. 47)

O conformista acredita que todas as coisas são obras do destino, já o ativista acredita que o destino é uma questão de escolha. O conformista é vítima do seu passado, o ativista é autor da sua própria história. O conformista vê a tempestade e se amedronta, o ativista vê no mesmo ambiente a chuva e enxerga a oportunidade de cultivar. O conformista se aprisiona no passado, o ativista se liberta no presente. (p. 60)


Há os que lutam pelo que pensam, batalham por suas ideias, mas se acham pobres miseráveis diante de sua impulsividade, irritabilidade, humor depressivo, ou sintomas psicossomáticos como dores de cabeça, dores musculares, queda de cabelo, gastrite, fadiga excessiva. Não levam desaforo para casa, mas diariamente levam desaforo para dentro. (p. 70)

O coitadista, bem como o conformista, não entende que ambição é vital para o Eu mudar as suas rotas. Não entende que a energia da ambição suplanta a energia do desejo. Desejo é uma intenção superficial. Ambição é um projeto de vida. Desejo é alicerçado pelo ânimo, ambição é alicerçada pela garra. Os ambiciosos só descansam quando atingem suas metas, os coitadistas descansam antes de entrar na raia. (p. 72)

O medo de reconhecer erros é, acima de tudo, o medo de se assumir como um ser humano com suas imperfeições, defeitos, fragilidades, estupidez, incoerência. Formamos nossa personalidade em uma sociedade superficial que esconde nossa humanidade e supervaloriza nosso endeusamento. (p. 75)

O melhor educador não é o que controla, mas o que liberta. Não é o que aponta os erros, mas o que previne. Não é o que corrige comportamentos, mas o que ensina a refletir. Não é o que desiste, mas o que estimula a começar tudo de novo. (p. 77)

Como abordo no livro Pais brilhantes, professores fascinantes, quanto pior for a qualidade da educação neste século mais importante será o papel da psiquiatria e da psicologia clínica. Não têm tido elas papéis em franco processo de crescimento? (p. 79)

Reconhecer nossas debilidades, entrar em contato de maneira nua e crua com nossa realidade, não é apenas um passo fundamental para oxigenar a inteligência, reeditar nossa memória e superar nossos conflitos, mas também para mergulharmos nas águas de descanso, para bebermos das fontes mais excelentes da tranquilidade. (p. 81)

Lembre-se de que os tranquilizantes podem diminuir a agitação psíquica, mas não produzem a tranquilidade existencial. As técnicas psicoterapêuticas podem expor as causas de nossas mazelas, mas só nós podemos mudar nosso estilo de vida. É preciso decifrar os códigos da inteligência para cumprir esses nobres objetivos. (p. 82)

No ápice da carreira, conquistam-se aplausos, mas sepulta-se a intrepidez. Os maiores perigos para a inteligência de um executivo não surgem quando sua empresa atravessa dificuldades, mas quando navega em céu de brigadeiro. Nesse estágio não experimentam novos processos, métodos, ideias. Ninguém gosta do caos, mas ele pode ser uma fonte de oportunidades criativas. (p. 86)





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