Bernardo Soares: "O que vemos não é o que vemos, senão o que somos". (p. 27)
"Os limites da minha linguagem denotam os limites do meu mundo", dizia Wittgenstein. (p. 28)
É preciso esquecer o que se sabe a fim de ver o que não se via. (p. 29)
Aforismo que repito sempre: "Numa terra de fugitivos, aquele que anda na direção contrária parece estar fugindo". O poeta T.S. Eliot, que o escreveu, pôs o fugitivo no singular: um ser solitário. (p. 35)
Vamos começar do começo. Imagine o homem primitivo, exposto à chuva, ao frio, ao vento, ao sol. O corpo sofre. O sofrimento faz pensar: "Preciso de abrigo", ele diz... Aí, forçada pelo sofrimento, a inteligência entra em ação. Pensa para deixar de sofrer. Pensando, conclui: "Uma caverna seria um bom abrigo contra a chuva, o frio, o vento, o sol..." Instruídos pela inteligência, os homens procuram uma caverna e passam a morar nela. Resolvido o sofrimento, a inteligência volta a dormir. Mas aí, forçados pela fome ou por um grupo armado que lhes toma a caverna, eles são obrigados a se mudar para uma planície onde não há cavernas. O corpo volta a sofrer. O sofrimento acorda a inteligência e faz com que ela trabalhe de novo. A solução original não serve mais: não há cavernas. A inteligência pensa e conclui: "É preciso construir uma coisa que faça as vezes de caverna. Essa coisa tem de ter um teto, para proteger do sol e da chuva. tem de ter paredes, para proteger do vento e do frio. Com que se pode fazer um teto?" A inteligência se põe então a procurar um material que sirva para fazer o teto. Folhas de palmeira? Campi? Pedaços de pau? Mas o teto não flutua no ar. Tem que haver algo que o sustente. Paus fincados? Sim. Mas para fincar um pau é preciso descobrir uma ferramenta para cortar o pau. Depois, uma ferramenta para fazer o buraco na terra. E assim vai a inteligência, inventando ferramentas e técnicas, à medida que o corpo se defronta com necessidades práticas. A inteligência, entre os esquimós, jamais pensaria uma casa de pau a pique. Entre eles não há nem madeira nem barro. Produziu o iglu. E a inteligência é essencialmente prática. Está a serviço da vida. (p. 56)
E o que vi com clareza foio mesmo que viu Joseph Knecht, o personagem central do livro de Hesse O jogo das contas de vidro: depois de chegar no topo, percebeu o equívoco. E surgiu, então, o seu grande desejo: ensinar uma criança, uma única criança que ainda não tivesse sido deformada (essa é a palavra usada por Hesse) pela escola. (p. 67)
Hoje, vivemos (diz-se) numa sociedade democrática onde se defendem (diz-se) valores democráticos. Fala-se em liberdade, solidariedade, igualdade, fraternidade, verdade... No entanto, a capacidade de pensar, imaginar, inovar, expressar é constantemente inibida, agredida, recalcada. Podemos dizer que muitas crianças são inibidas de pensar o que lhes "apetece". Quanto mais pensamentos "atrevidos" tiverem, mais ferozmente serão censuradas. Muitas crianças são coagidas a pensar o que é "normal pensar-se", são coagidas a produzir o que é "normal produzir-se". (p. 77)
Hoje, somente restam vestígios da "estrutura tradicional", que transformamos em cavoucos sobre os quais assentamos os andaimes de uma escola que já não é herdeira ou tributária de necessidades do século XIX. (p. 101)
"Os limites da minha linguagem denotam os limites do meu mundo", dizia Wittgenstein. (p. 28)
É preciso esquecer o que se sabe a fim de ver o que não se via. (p. 29)
Aforismo que repito sempre: "Numa terra de fugitivos, aquele que anda na direção contrária parece estar fugindo". O poeta T.S. Eliot, que o escreveu, pôs o fugitivo no singular: um ser solitário. (p. 35)
Vamos começar do começo. Imagine o homem primitivo, exposto à chuva, ao frio, ao vento, ao sol. O corpo sofre. O sofrimento faz pensar: "Preciso de abrigo", ele diz... Aí, forçada pelo sofrimento, a inteligência entra em ação. Pensa para deixar de sofrer. Pensando, conclui: "Uma caverna seria um bom abrigo contra a chuva, o frio, o vento, o sol..." Instruídos pela inteligência, os homens procuram uma caverna e passam a morar nela. Resolvido o sofrimento, a inteligência volta a dormir. Mas aí, forçados pela fome ou por um grupo armado que lhes toma a caverna, eles são obrigados a se mudar para uma planície onde não há cavernas. O corpo volta a sofrer. O sofrimento acorda a inteligência e faz com que ela trabalhe de novo. A solução original não serve mais: não há cavernas. A inteligência pensa e conclui: "É preciso construir uma coisa que faça as vezes de caverna. Essa coisa tem de ter um teto, para proteger do sol e da chuva. tem de ter paredes, para proteger do vento e do frio. Com que se pode fazer um teto?" A inteligência se põe então a procurar um material que sirva para fazer o teto. Folhas de palmeira? Campi? Pedaços de pau? Mas o teto não flutua no ar. Tem que haver algo que o sustente. Paus fincados? Sim. Mas para fincar um pau é preciso descobrir uma ferramenta para cortar o pau. Depois, uma ferramenta para fazer o buraco na terra. E assim vai a inteligência, inventando ferramentas e técnicas, à medida que o corpo se defronta com necessidades práticas. A inteligência, entre os esquimós, jamais pensaria uma casa de pau a pique. Entre eles não há nem madeira nem barro. Produziu o iglu. E a inteligência é essencialmente prática. Está a serviço da vida. (p. 56)
E o que vi com clareza foio mesmo que viu Joseph Knecht, o personagem central do livro de Hesse O jogo das contas de vidro: depois de chegar no topo, percebeu o equívoco. E surgiu, então, o seu grande desejo: ensinar uma criança, uma única criança que ainda não tivesse sido deformada (essa é a palavra usada por Hesse) pela escola. (p. 67)
Hoje, vivemos (diz-se) numa sociedade democrática onde se defendem (diz-se) valores democráticos. Fala-se em liberdade, solidariedade, igualdade, fraternidade, verdade... No entanto, a capacidade de pensar, imaginar, inovar, expressar é constantemente inibida, agredida, recalcada. Podemos dizer que muitas crianças são inibidas de pensar o que lhes "apetece". Quanto mais pensamentos "atrevidos" tiverem, mais ferozmente serão censuradas. Muitas crianças são coagidas a pensar o que é "normal pensar-se", são coagidas a produzir o que é "normal produzir-se". (p. 77)
Hoje, somente restam vestígios da "estrutura tradicional", que transformamos em cavoucos sobre os quais assentamos os andaimes de uma escola que já não é herdeira ou tributária de necessidades do século XIX. (p. 101)
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