As últimas duas décadas presenciaram um notável avanço no campo do comportamento e das relações evolutivas dos nossos antepassados. De fato, atualmente, muitos arqueólogos estão certos de que chegou o momento de ir além das questões sobre a aparência e o comportamento desses ancestrais e começar a fazer perguntas sobre o que se passava nas suas mentes. É o tempo da "arqueologia cognitiva". A necessidade de tal avanço é particularmente evidente ao considerarmos o padrão de expansão do cérebro ao longo da evolução humana e sua relação - ou ausência de uma - com mudanças do comportamento anterior. Fica claro que não existe uma relação simples entre volume do cérebro, "inteligência" e comportamento. (p. 20)
Um dos argumentos da nova psicologia evolutiva é que a noção da mente como mecanismo de aprendizado geral, como se fosse um tipo de computador poderoso, é incorreta. Ela constitui o pensamento dominante dentro das ciências sociais, assim como também a visão (de "bom sonso"). Segundo os psicólogos evolutivos, essa noção deveria ser substituída por outra que define a mente como uma série de "domínios cognitivos", ou "inteligências", ou "módulos" especializados, cada qual dedicado a algum tipo específico de comportamento - como os módulos para a aquisição da linguagem, ou das habilidades de utilizar ferramentas, ou de interagir socialmente. (p. 23)
Assim como a de outras crianças, a mente de Nicholas parecia uma esponja absorvendo conhecimento. Novos fatos e ideias penetrando em um arranjo infinito de poros vazios. E digo mais, jovens mentes em diferentes partes do mundo absorverão coisas diferentes. Elas estarão adquirindo culturas distintas. E as culturas, segundo nos contam os antropólogos, não são apenas listas de fatos sobre o mundo, e sim maneiras específicas de pensar e compreender: a mente-esponja é aquela que absorve os próprios processos de pensamento. (p. 57)
Uma análise do trabalho de Tom Wynn mostrou que ele não havia cometido nenhum erro ao usar as ideias de Piaget. Fabricar um machado de mão que fosse simétrico em três dimensões com certeza parecia envolver os tipos de processos mentais que Piaget alegava serem característicos da inteligência operatório-formal. Talvez as ideias de Piaget é que estivessem erradas. Esse tem sido, de fato, o recado de muitos psicólogos ao longo da última década: a mente não opera programas de utilidade geral, tampouco é uma esponja que absorve indiscriminadamente qualquer informação disponível. Os psicólogos introduziram um novo tipo de analogia: a mente é como um canivete suíço. Um canivete suíço? Sim, um desses canivetes bojudos com um monte de equipamentos úteis, como tesouras, serrinhas e pinças. Cada elemento do canivete foi projetado para solucionar um tipo de problema bem específico. (p. 61)
Resumindo, Fodor acredita que a mente possui uma arquitetura de dois níveis; o inferior é como um canivete suíço e o superior, como... Bem, não podemos descrevê-lo porque não existe nada igual a ele no mundo. (p. 63)
Gardner sugere, portanto, que a arquitetura da mente é constituída por uma série de inteligências relativamente autônomas. (p. 65)
Na medida em que esse modo de vida terminou há apenas uma fração de tempo em termos evolutivos, nossas mentes permaneceram adaptadas à caça e à coleta. Como consequência disso, C & T argumentam que a mente é um canivete suíço com um grande número de lâminas altamente especializadas; em outras palavras, é composta de módulos mentais múltiplos. Cada uma dessas lâminas/módulos foi projetada pela seleção natural para lidar com um determinado problema adaptativo enfrentado pelos caçadores-coletores durante nosso passado. (p. 68)
Uma das melhores narrativas da intrincada rede social dos chimpanzés é de autoria de Franz de Waal (1982), que descreveu maravilhosamente suas observações sobre a política desses animais enquanto estudava uma colônia do Zoológico de Burger, em Arhem. Ele nos presenteia com uma história de ambição, manipulação social, privilégios sexuais e tomadas de poder que deixariam sem graça qualquer aspirante a político - e foi tudo realizado por chimpanzés (maquiavélicos). Por exemplo, De Waal descreve a guerra pelo poder entre dois machos mais velhos, Yeroen e Luit, que durou dois meses. Começa com Yeronen como o macho dominante e continua por uma série de encontros agressivos, blefes e gestos de reconciliação de Yeroen. Para conseguir isso, Luit diligentemente conquistou o apoio das fêmeas do grupo, que no início aprovavam Yeroen. Luit ignorava as fêmeas na presença de Yeroen, mas lhes dava muita atenção e brincava com seus filhotes quando esse macho não estava por perto. E antes do grooming de cada fêmea, como que tentando obter seu apoio. O sucesso final de Luit resultou da aliança com outro macho, Nikkie. Durante os conflitos com Yeroen, Luit dependia de Nikkie para espantar as fêmeas partidárias do seu adversário. Nikkie, por sua vez, tinha muito a ganhar com isso. Ele começou ocupando uma posição social muito baixa no grupo, sendo ignorado pela fêmeas, mas quando Luit chegou a líder, passou ao segundo cargo de comando na hierarquia, acima das fêmeas e de Yeroen. Tão logo se tornou vitorioso, as atitudes sociais de Luit mudaram: em vez de ser a fonte de conflitos, transformou-se em campeão da paz e da estabilidade. Sempre que as fêmeas brigavam ele punha um fim nas contendas, sem tomar partido, e batia em qualquer uma que continuasse discordando. Em outras ocasiões, Luit impedia um conflito escalonado dentro do grupo ao apoiar o participante mais fraco. Punha Nikkie para correr, por exemplo, quando ele atacava Amber, uma das fêmeas. Depois de alguns meses como o macho dominante, Luit perdeu sua posição para Nikkie. E isso somente foi possível quando Nikkie formou uma poderosa aliança com ninguém menos que Yeroen. (p. 130)
Os humanos arcaicos, no entanto, não habitavam várias regiões do Velho Mundo nem chegaram até a Austrália ou as Américas. Clive Gamble (1993), uma das maiores autoridades em comportamento dos humanos arcaicos, reavaliou há pouco tempo a evidência da colonização global e concluiu que eles eram incapazes de lidar com ambientes muito secos e muito frios. Esses parecem ter sido desafios excessivos, mesmo possuindo-se uma inteligência naturalista bem desenvolvida e a capacidade de produzir instrumentos como machados de mão. Ainda nãos e sabe ao certo de que maneiras os humanos arcaicos exploraram esses ambientes diversos. (p. 198)
Uma inteligência naturalista bem desenvolvida parece ter sido essencial aos estilos de vida dos humanos arcaicos, pelo que se infere dos registros arqueológicos. (p. 204)
Podemos afirmar com segurança que, apesar de diferenças linguísticas, todos os humanos arcaicos partilhavam a mesma mente básica: uma mentalidade do tipo canivete suíço. Possuíam inteligências múltiplas, cada qual dedicada a um domínio comportamental específico, e havia pouca interação entre elas. Podemos realmente imaginar a mente humana arcaica como uma catedral abrigando várias capelas isoladas, dentro das quais se realizavam serviços de pensamento únicos, que mal podiam ser ouvidos em outro lugar do edifício. (p. 225)
Também podemos imaginar os pensamentos e o conhecimento das capelas técnicas e naturalista filtrando-se através das paredes das capelas social e linguística e invadindo seus espaços de forma surda, abafada. Tendo chegado lá, passaram a ser utilizados pela inteligência linguística durante as emissões de elocuções. (p. 307)
Uma grande parte da atividade mental provavelmente mantém-se fora do nosso alcance, dentro de nossa mente inconsciente. Artesões, por exemplo, com frequência parecem não estar conscientes do conhecimento técnico e perícia que utilizam. Se alguém lhes pergunta como se faz um vaso de argila no torno, muitas vezes eles têm dificuldades em dar explicações, a não ser por meio de uma demonstração prática. As ações com certeza falam mais alto que as palavras quando o conhecimento técnico está "aprisionado" dentro de um domínio cognitivo especializado. Isso enfatiza a importância do ensino verbal de uma técnica, que somente começou no início do Paleolítico, na França, ou Trollesgave, na Dinamarca (cf. Pigeot, 1990; Fischer, 1990). (p. 312)
Os indivíduos capazes de explorar pedacinhos de conversação não social encontravam-se numa posição de vantagem seletiva, na medida em que podiam integrar o conhecimento antes "aprisionado" dentro das inteligências especializadas. (p. 314)
O antropólogo social Chris Knight e seus colaboradores argumentaram que as fêmeas dos primeiros humanos modernos resolveram o problema das crescentes demandas energéticas dos cérebros de seus bebês explorando "níveis até então desconhecidos do investimento eenergético dos machos" (Knight et al., 1995). Esses pesquisadores sugerem que o comportamento das fêmeas forçou os machos a fornecer-lhes alimentos de alta qualidade, obtidos pela caça. Um importante subterfúgio feminino nesse contexto teria sido a "greve de sexo" e o uso do ocre vermelho para "simular menstruação". (p. 315)
Assim como a ascendência arborícola dos australopitecinos possibilitou a evolução do bipedalismo, a própria bipedia tornou possível a evolução de uma capacidade aumentada de vocalização entre os primeiros Homo, particularmente em H. erectus. Leslie Aiello (1996a, b) deixa isso muito claro. Ela explicou como a postura em pé da bipedia causou um rebaixamento da laringe, cuja posição na garganta torna-se mais baixa que a encontrada nos grandes símios. Maior capacidade de produzir sons de vogais e consoantes foi um subproduto e não causa da nova posição da laringe. Além disso, mudanças na respiração, associadas à bipedia, deve ter melhorado a qualidade dos sons. O aumento no consumo de carne também gerou um importante subproduto linguístico, porque o tamanho dos dentes pôde diminuir graças à maior facilidade de mastigar carne e gordura em vez de grandes quantidades de material vegetal seco. Essa redução alterou a geometria das mandíbulas, possibilitando o desenvolvimento de músculos para o controle de movimentos finos da língua dentro da boca, necessários para a agama diversificada de sons de alta qualidade exigidos pela linguagem. (p. 337)
segunda-feira, 24 de outubro de 2016
domingo, 16 de outubro de 2016
Alucinações musicais - Relatos sobre a música e o cérebro - Oliver Sacks (2007)
Há alguns indícios de que os aspectos tanto visuoespaciais como vestibulares das experiências extracorpóreas estão relacionados à perturbação da função do córtex cerebral, especialmente na região de ligamento entre os lobos temporais e parietais. (p. 26)
Desde meados dos anos 1990, estudos realizados por Robert Zatorre e seus colegas usando avançadas técnicas de neuroimagem demonstraram que, de fato, imaginar música pode ativar o córtex auditivo quase com a mesma intensidade da ativação causada por ouvir música. Imaginar música também estimula o córtex motor, e, inversamente, imaginar a ação de tocar música estimula o córtex auditivo. (p. 44)
Em seu livro The haunting melody: psychoanalytic experiences in life and music, Theodor Reik escreveu sobre os fragmentos musicais ou melodias que ocorrem no decorrer de uma sessão de análise: "Melodias que nos passam pela cabeça [...] podem dar ao analista uma pista para a vida secreta de emoções que cada um de nós vivencia. [...] Nesse cantar interior, a voz de um self desconhecido comunica não só humores e ímpetos passageiros, mas às vezes também um desejo repudiado ou negado, um anseio e um impulso que não gostamos de admitir para nós mesmos. [...] Seja qual for a mensagem secreta que transmita, a música incidental que acompanha nosso pensamento consciente nunca é acidental". (p. 50)
Com o advento das técnicas de imageamento cerebral na década de 1990, tornou-se possível visualizar o cérebro de músicos e compará-lo ao de não músicos. Usando a morfometria por ressonância magnética, Gottfried Schlaug e seus colegas de Harvard fizeram minuciosas comparações do tamanho de várias estruturas cerebrais. Em 1995. publicaram um artigo demonstrando que o corpo caloso, a grande comissura que liga os dois hemisférios cerebrais, é maior em músicos profissionais, e que uma parte do córtex auditivo, o plano temporal, apresenta um aumento assimétrico nos músicos dotados de ouvido absoluto. Schlaug et al. apontaram também volumes maiores de massa cinzenta nas áreas motoras, auditivas e visuoespaciais do córtex, bem como no cerebelo. Hoje os anatomistas teriam dificuldade para identificar o cérebro de um artista plástico, um escritor ou um matemático, mas poderiam reconhecer sem hesitação o de um músico profissional. (p. 105)
Belin, Zatorre e seus colegas encontraram no córtex auditivo áreas "seletivas para vozes" que são anatomicamente separadas das áreas envolvidas na percepção do timbre musical. (p. 120)
Há um século e meio sabemos que existe uma especialização relativa (mas não absoluta) das funções dos dois lados do cérebro. O desenvolvimento das habilidades abstratas e verbais associa-se especialmente ao hemisfério esquerdo ou dominante, e as habilidades perceptuais ao direito. Essa assimetria hemisférica é muito pronunciada nos humanos (e está presente em menor grau nos primatas e em alguns outros mamíferos), sendo observável inclusive no útero. No feto, e talvez na criança muito pequena, a situação é invertida, pois o hemisfério direito desenvolve-se mais cedo e mais rapidamente do que o esquerdo, permitindo assim que funções perceptuais estabeleçam-se nos primeiros dias e semanas de vida. O hemisfério esquerdo demora mais para desenvolver-se, mas continua a mudar de modo fundamental após o nascimento. (p. 167)
Somos uma espécie linguística. Recorremos à linguagem para expressar o que quer que estejamos pensando, e em geral ela está à nossa disposição para ser usada instantaneamente. Mas para os portadores de afasia, a incapacidade de comunicar-se verbalmente pode ser quase insuportável por causa da frustração e do isolamento decorrentes. Para piorar, essas pessoas muitas vezes são tratadas como idiotas, quase como não pessoas, porque não conseguem falar. (p. 228)
Com efeito, existem indícios de que as partes mediais do cérebro que nos permitem sentir emoções profundas - especialmente a amígdala - podem ser pouco desenvolvidas nos portadores da síndrome de Asperger. (p. 304)
Não ser exposto à música na infância poderia causar algum tipo de amusia, do mesmo jeito que não ser exposto à linguagem no período crítico pode prejudicar a competência linguística pelo resto da vida? (p. 305)
Ele comprou um saxofone e em um ano estava tocando profissionalmente em clubes da cidade; depois desistiu e partiu para sua adorada Europa para ganhar alguns trocados tocando enquanto aplicava golpes em pessoas ingênuas e confiantes. Em algum lugar, em alguma esquina escura de Praga, Zurique, Atenas ou Amsterdam, multidões passam por um solitário saxofonista tocando apaixonadamente, sem jamais desconfiarem que ele é o homem que chamo de "o maior compositor vivo da América" e também um perigoso psicopata. (p. 321)
Em contraste com a doença de Alzheimer, que geralmente se manifesta com perda de memória ou cognitiva, a demência frontotemporal com frequência se inicia com alterações de comportamento:desinibições de um tipo ou de outro. Talvez seja por isso que às vezes os familiares e os médicos demoram a detectar o problema. Para confundir, não existe um quadro clínico constante, mas uma variedade de sintomas, dependendo do lado do cérebro mais afetado e de se o dano se localiza principalmente nos lobos frontais ou temporais. Os aparecimentos de talentos artísticos e musicais que Miller e outros observaram ocorrem apenas em pacientes com lesão sobretudo no lobo temporal esquerdo. (p. 326)
O fato de que toda a panóplia de talentos musicais podia ser tão extraordinariamente desenvolvida em pessoas com deficiências (algumas graves) na inteligência geral mostrou, tanto quanto as capacidades musicais isoladas dos savants musicais, que de fato se podia falar em uma "inteligência musical" específica, como postulara Howard Gardner em sua teoria das inteligências múltiplas. (p. 346)
As três inclinações tão pronunciadas nas pessoas com síndrome de Williams - a musical, a narrativa e a social - parecem andar juntas, ser elementos distintos mas intimamente associados do arrebatador impulso expressivo e comunicativo que é absolutamente fundamental nessa síndrome. (p. 347)
Todos esses estudos, na opinião de Bellugi, indicam que "o cérebro dos indivíduos com síndrome de Williams é organizado de modo diferente do das pessoas normais, tanto no nível macro como no micro". As características mentais e emocionais muito distintas das pessoas com síndrome de Williams refletem-se com grande precisão e beleza nas singularidades de seu cérebro. Embora esse estudo das bases neurais da síndrome de Williams esteja longe de ser completo, ele possibilitou fazer a mais extensa correlação já vista entre numerosas características mentais e comportamentais e sua base cerebral. (p. 348)
Em 1994 visitei Heidi Comfort, uma menina som síndrome de Williams, em sua casa no sul da Califórnia. Com oito anos, muito segura de si, ela imediatamente detectou minha timidez e disse para me encorajar: "Não se acanhe, senhor Sacks". (p. 349)
Sua mãe, Caroç Zitzer-Comfort, disse-me que certa vez aconselhara a menina a não falar com estranhos, ao que Heidi replicou: "Não existem estranhos, só amigos". (p. 350)
Os círculos de percussão constituem outra forma de musicoterapia que pode ser inestimável para pessoas com demência, pois, como a dança, a percussão comunica-se com níveis muito fundamentais, subcorticais, do cérebro. A música nesse nível, um nível inferior ao pessoal e ao mental, um nível puramente físico ou corporal, dispensa a melodia e o conteúdo específico, ou afeto, da canção - mas requer, indispensavelmente, o ritmo. O ritmo pode restaurar nossa noção de habitar um corpo e um senso primordial de movimento e vida (p. 362)
Desde meados dos anos 1990, estudos realizados por Robert Zatorre e seus colegas usando avançadas técnicas de neuroimagem demonstraram que, de fato, imaginar música pode ativar o córtex auditivo quase com a mesma intensidade da ativação causada por ouvir música. Imaginar música também estimula o córtex motor, e, inversamente, imaginar a ação de tocar música estimula o córtex auditivo. (p. 44)
Em seu livro The haunting melody: psychoanalytic experiences in life and music, Theodor Reik escreveu sobre os fragmentos musicais ou melodias que ocorrem no decorrer de uma sessão de análise: "Melodias que nos passam pela cabeça [...] podem dar ao analista uma pista para a vida secreta de emoções que cada um de nós vivencia. [...] Nesse cantar interior, a voz de um self desconhecido comunica não só humores e ímpetos passageiros, mas às vezes também um desejo repudiado ou negado, um anseio e um impulso que não gostamos de admitir para nós mesmos. [...] Seja qual for a mensagem secreta que transmita, a música incidental que acompanha nosso pensamento consciente nunca é acidental". (p. 50)
Com o advento das técnicas de imageamento cerebral na década de 1990, tornou-se possível visualizar o cérebro de músicos e compará-lo ao de não músicos. Usando a morfometria por ressonância magnética, Gottfried Schlaug e seus colegas de Harvard fizeram minuciosas comparações do tamanho de várias estruturas cerebrais. Em 1995. publicaram um artigo demonstrando que o corpo caloso, a grande comissura que liga os dois hemisférios cerebrais, é maior em músicos profissionais, e que uma parte do córtex auditivo, o plano temporal, apresenta um aumento assimétrico nos músicos dotados de ouvido absoluto. Schlaug et al. apontaram também volumes maiores de massa cinzenta nas áreas motoras, auditivas e visuoespaciais do córtex, bem como no cerebelo. Hoje os anatomistas teriam dificuldade para identificar o cérebro de um artista plástico, um escritor ou um matemático, mas poderiam reconhecer sem hesitação o de um músico profissional. (p. 105)
Belin, Zatorre e seus colegas encontraram no córtex auditivo áreas "seletivas para vozes" que são anatomicamente separadas das áreas envolvidas na percepção do timbre musical. (p. 120)
Há um século e meio sabemos que existe uma especialização relativa (mas não absoluta) das funções dos dois lados do cérebro. O desenvolvimento das habilidades abstratas e verbais associa-se especialmente ao hemisfério esquerdo ou dominante, e as habilidades perceptuais ao direito. Essa assimetria hemisférica é muito pronunciada nos humanos (e está presente em menor grau nos primatas e em alguns outros mamíferos), sendo observável inclusive no útero. No feto, e talvez na criança muito pequena, a situação é invertida, pois o hemisfério direito desenvolve-se mais cedo e mais rapidamente do que o esquerdo, permitindo assim que funções perceptuais estabeleçam-se nos primeiros dias e semanas de vida. O hemisfério esquerdo demora mais para desenvolver-se, mas continua a mudar de modo fundamental após o nascimento. (p. 167)
Somos uma espécie linguística. Recorremos à linguagem para expressar o que quer que estejamos pensando, e em geral ela está à nossa disposição para ser usada instantaneamente. Mas para os portadores de afasia, a incapacidade de comunicar-se verbalmente pode ser quase insuportável por causa da frustração e do isolamento decorrentes. Para piorar, essas pessoas muitas vezes são tratadas como idiotas, quase como não pessoas, porque não conseguem falar. (p. 228)
Com efeito, existem indícios de que as partes mediais do cérebro que nos permitem sentir emoções profundas - especialmente a amígdala - podem ser pouco desenvolvidas nos portadores da síndrome de Asperger. (p. 304)
Não ser exposto à música na infância poderia causar algum tipo de amusia, do mesmo jeito que não ser exposto à linguagem no período crítico pode prejudicar a competência linguística pelo resto da vida? (p. 305)
Ele comprou um saxofone e em um ano estava tocando profissionalmente em clubes da cidade; depois desistiu e partiu para sua adorada Europa para ganhar alguns trocados tocando enquanto aplicava golpes em pessoas ingênuas e confiantes. Em algum lugar, em alguma esquina escura de Praga, Zurique, Atenas ou Amsterdam, multidões passam por um solitário saxofonista tocando apaixonadamente, sem jamais desconfiarem que ele é o homem que chamo de "o maior compositor vivo da América" e também um perigoso psicopata. (p. 321)
Em contraste com a doença de Alzheimer, que geralmente se manifesta com perda de memória ou cognitiva, a demência frontotemporal com frequência se inicia com alterações de comportamento:desinibições de um tipo ou de outro. Talvez seja por isso que às vezes os familiares e os médicos demoram a detectar o problema. Para confundir, não existe um quadro clínico constante, mas uma variedade de sintomas, dependendo do lado do cérebro mais afetado e de se o dano se localiza principalmente nos lobos frontais ou temporais. Os aparecimentos de talentos artísticos e musicais que Miller e outros observaram ocorrem apenas em pacientes com lesão sobretudo no lobo temporal esquerdo. (p. 326)
O fato de que toda a panóplia de talentos musicais podia ser tão extraordinariamente desenvolvida em pessoas com deficiências (algumas graves) na inteligência geral mostrou, tanto quanto as capacidades musicais isoladas dos savants musicais, que de fato se podia falar em uma "inteligência musical" específica, como postulara Howard Gardner em sua teoria das inteligências múltiplas. (p. 346)
As três inclinações tão pronunciadas nas pessoas com síndrome de Williams - a musical, a narrativa e a social - parecem andar juntas, ser elementos distintos mas intimamente associados do arrebatador impulso expressivo e comunicativo que é absolutamente fundamental nessa síndrome. (p. 347)
Todos esses estudos, na opinião de Bellugi, indicam que "o cérebro dos indivíduos com síndrome de Williams é organizado de modo diferente do das pessoas normais, tanto no nível macro como no micro". As características mentais e emocionais muito distintas das pessoas com síndrome de Williams refletem-se com grande precisão e beleza nas singularidades de seu cérebro. Embora esse estudo das bases neurais da síndrome de Williams esteja longe de ser completo, ele possibilitou fazer a mais extensa correlação já vista entre numerosas características mentais e comportamentais e sua base cerebral. (p. 348)
Em 1994 visitei Heidi Comfort, uma menina som síndrome de Williams, em sua casa no sul da Califórnia. Com oito anos, muito segura de si, ela imediatamente detectou minha timidez e disse para me encorajar: "Não se acanhe, senhor Sacks". (p. 349)
Sua mãe, Caroç Zitzer-Comfort, disse-me que certa vez aconselhara a menina a não falar com estranhos, ao que Heidi replicou: "Não existem estranhos, só amigos". (p. 350)
Os círculos de percussão constituem outra forma de musicoterapia que pode ser inestimável para pessoas com demência, pois, como a dança, a percussão comunica-se com níveis muito fundamentais, subcorticais, do cérebro. A música nesse nível, um nível inferior ao pessoal e ao mental, um nível puramente físico ou corporal, dispensa a melodia e o conteúdo específico, ou afeto, da canção - mas requer, indispensavelmente, o ritmo. O ritmo pode restaurar nossa noção de habitar um corpo e um senso primordial de movimento e vida (p. 362)
quinta-feira, 13 de outubro de 2016
PPB Aula 6 Pensamento e Linguagem
PENSAMENTO
Para
pensar sobre os incontáveis eventos, objetos e pessoas em nosso
mundo, nós simplificamos as coisas. Para isso formamos conceitos,
que
são
agrupamentos
mentais de objetos, eventos e pessoas semelhantes. Por exemplo, no
caso de uma cadeira: temos vários tipos de cadeiras, alta,
reclinável, de bebê, de dentista; mas todas servem para sentar.
Para
simplificar ainda mais, criamos hierarquias
de
categorias, ou seja, subdividimos essas categorias em unidades
menores e mais detalhadas.
Formamos
os conceitos por definição,
por
exemplo, se um triângulo tem três lados, tudo o que tiver três
lados será um triângulo.
Solução
de problemas
Um
tributo à nossa racionalidade é nossa c
apacidade
de resolver problemas e lidar com novas situações.
Alguns
problemas são resolvidos pelo método de tentativa
e erro.
Para
outros problemas, usamos algoritmos,
conjunto
de
regras
e procedimentos completo que garante a solução, ainda que demorado.
Ex.: descrição passo a passo para a evacuação de um prédio em
caso de incêndio.
Heurística
é
uma estratégia de pensamento mais simples que pode nos ajudar a
resolver problemas rapidamente, mas que, por vezes, nos leva a
soluções incorretas. Seguindo o exemplo acima, seria como correr
para a sala ao lado ao sentir cheiro de fumaça.
Um
insight
é
um súbito lampejo de inspiração que resolve um problema.
Mas,
por mais inventivos que sejamos na resolução de problemas, a
resposta certa pode nos iludir.
Com
o viés
de confirmação, tendemos
a buscar provas que confirmem nossas hipóteses com mais disposição
do que buscar provas em contrário, sendo este um grande obstáculo
para a resolução de problemas.
A
fixação
é
a inabilidade de ver um problema sob uma nova perspectiva. Às vezes,
no entanto, um conjunto mental baseado no que funcionou no passado
exclui a possibilidade de descobrirmos uma nova solução para um
novo problema. Dois exemplos de fixação:
-
Conjunto mental – tendência de abordar um problema com a mente baseada em soluções que funcionaram anteriormente.
-
Fixação funcional – tendência a pensar apenas nas funções que nos são familiares para os objetos, sem imaginar usos alternati-vos. Por exemplo, uma pessoa pode revirar a casa em busca de uma chave de fenda, enquanto uma moeda poderia ser usada para girar um parafuso.
Desafio:
Como você organiza 6 palitos de fósforo para formarem 4 triângulos?
Se você não conseguiu é porque não está “pensando fora da
caixinha”, ou seja, tendo um pensamento livre das amarras
convencionais. (Respostas no fim do material)
Tomada
de decisões e julgamentos
Quando
tomamos decisões e fazemos julgamento centenas de vezes diariamente,
raramente paramos ou nos esforçamos para raciocinar.
Quando
precisamos agir com rapidez, os atalhos mentais que denominamos
heurísticas, quase sempre nos ajudam. Graças ao processamento
automático das informações pela nossa mente, os julgamentos
intuitivos são automáticos. Mas o preço que às vezes temos que
pagar pode ser alto.
A
heurística
da representatividade
nos leva a julgar a probabilidade das coisas em termos de sua
representação de nosso protótipo para um grupo de itens. Ela
permite que façamos um julgamento rápido, mas também nos leva a
ignorarmos informações relevantes. Por exemplo, se você vê um
sujeito que sempre está vestido socialmente, provavelmente concluirá
que a profissão do mesmo seja advogado, gerente de banco, ou alguma
outra profissão que você conheça e que sabe que exige o uso de
traje formal.
O
uso da heurística intuitiva quando formamos julgamentos, nossa
ansiedade de confirmar as crenças que já possuímos e a habilidade
que temos de explicar nossos erros se combinam para criar o excesso
de confiança (a
tendência a superestimar a exatidão de nossos conhecimentos e
julgamentos).
Intuição
é
um sentimento ou pensamento imediato, automático e sem esforço.
Apesar de algumas vezes nos levar ao desastre, ela pode oferecer um
auxílio instantâneo quando necessário. Pensadores inteligentes dão
boas-vindas a suas intuições, mas as verificam diante das
evidências.
Um
teste adicional de racionalidade é verificar se duas formas
diferentes da mesma questão, logicamente equivalentes, produzirão a
mesma resposta.
Enquadramento
é
a maneira como uma pergunta ou afirmativa é elaborada. Diferenças
sutis de formulação podem alterar drasticamente nossas respostas.
Por exemplo, um cirurgião diz a alguém que 10% das pessoas morrem
ao se submeterem a determinada cirurgia. Outro diz que 90%
sobrevivem. A informação é a mesma, o efeito não.
LINGUAGEM
Os
fonemas
são
a unidade básica de uma língua. Para dizer a palavra “pai”,
pronunciamos os fonemas p,
a
e i.
Linguistas
identifica-ram 869 fonemas diferentes nas falas humanas, após um
levantamento com quase quinhentas linguagens, mas nenhum idioma usa
todos eles. Pessoas que crescem aprendendo um conjunto de fonemas,
normalmente têm dificuldade para pronunciar os fonemas de outra
língua. A linguagem de sinais também tem blocos de construção
pare-cidos com fonemas definidos pelos movimentos e formas das mãos.
Os
morfemas
são
as unidades elementares do significado. A maioria dos morfemas são
combinações de dois ou mais fonemas. Alguns, como “pai”, são
palavras, mas outros são apenas partes de palavras, como os prefixos
e sufixos.
A gramática é o sistema de regras, em uma linguagem, que permite que nos comuniquemos e compreendamos uns aos outros.
A
semântica
é
o conjunto de regras que usamos para extrair o significado a partir
dos morfemas, palavras e frases. A sintaxe
refere-se
às regras que usamos para organizar as palavras nas frases.
As
tentativas de explicar como adquirimos a linguagem despertaram uma
acirrada controvérsia intelectual. O behaviorista B.
F. Skinner propôs
que nosso aprendizado da língua se dava através dos princípios
familiares da associação
(entre a visão das coisas e os sons das palavras), imitação
(de palavras e sintaxe modulados por outros) e pelo reforço
(com sorrisos e abraços após se falar alguma coisa corretamente). O
linguista Noam
Chomsky defende
que nascemos com um dispositivo
de aquisição da linguagem
que nos prepara biologicamente para o aprendizado da língua e nos
equipa com uma gramática universal, que usamos para aprender uma
língua específica. Os pesquisadores cognitivos acreditam que a
infância é o período crítico para se aprender a linguagem falada
ou de sinais.
PENSAMENTO
E LINGUAGEM
O
pensamento e a linguagem são intricadamente entrelaçados.
Muitas
vezes, nós pensamos em imagens ao usarmos a memória procedural –
nosso sistema de memória inconsciente para as habilidades motoras e
cognitivas e associações condicionadas clássicas e operantes.
Pensar em imagens pode aumentar nossas habilidades quando praticamos
mentalmente eventos futuros.
A
linguagem, de fato, influencia o pensamento, mas se o pensamento não
afeta a linguagem, as novas palavras jamais poderiam existir. E novas
palavras, e novas combinações com antigas palavras, expressam novas
ideias.
Então,
podemos dizer que o pensamento afeta nossa linguagem, que, por sua
vez, afeta nosso pensamento.
Pensamento
e linguagem nos animais
Apenas
os humanos são capazes de dominar a expressão verbal ou por sinais
seguindo regras de sintaxe complexas. Não obstante, os primatas e
outros animais demonstram habilidades impressionantes para pensar e
se comunicar.
MYERS,
D.; Psicologia. Rio de Janeiro:LTC, 2012. Cap. 9
Resposta
do desafio: Há duas maneiras de se organizar 6 palitos para formarem
4 triângulos, conforme se vê abaixo.
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