sábado, 25 de março de 2017

Desvendando os segredos da linguagem corporal - Allan e Barbara Pease (2005)

Os políticos de hoje em dia compreendem perfeitamente que a política é uma questão de aparência, razão pela qual a maioria deles recorre a consultores de linguagem corporal para ajudá-los a criar a imagem de sinceros, honestos e responsáveis, principalmente, quando não são. (p. 16)

Albert Mehrabian, pioneiro da pesquisa da linguagem corporal na década de 1950, apurou que em toda comunicação interpessoal cerca de 7% da mensagem é verbal (somente palavras), 38% é vocal *incluindo tom de voz, inflexão e outros sons) e 55% é não-verbal. (p. 17)

Embora não pareça politicamente correto fazer isso, quando somos apresentados a uma pessoa nós rapidamente a julgamos como sendo ou não simpática e adequada como potencial parceira sexual - e não são os olhos dela a primeira coisa que observamos. (p. 18)

A linguagem do corpo é o reflexo externo do estado emocional da pessoa. Cada gesto ou movimento pode ser uma valiosa fonte de informação sobre a emoção que ela está sentindo num dado momento. Por exemplo: a mulher preocupada com uns quilinhos a mais nas coxas fica alisando o vestido; o homem incomodado com o fato de estar engordando puxa a dobra da pele sob o queixo; a pessoa receosa ou defensiva cruza os braços e/ou pernas; o homem que evita ficar olhando para os seios fartos da mulher com quem está conversando faz gestos inconscientes de tateá-los com as mãos. (p. 19)

"Perceptiva" é a pessoa capaz de identificar as contradições entre o discurso de alguém e a sua linguagem corporal. (p. 20)

Ainda que possa parecer mágica, trata-se simplesmente de um processo baseado na observação atenta dos sinais da linguagem corporal, aliado ao entendimento da natureza humana e ao conhecimento de probabilidades estatísticas. Médiuns, leitores de cartas de tarô, astrólogos e quiromantes utilizam essa técnica para reunir informações sobre o "cliente". Por não terem plena consciência de sua capacidade de ler sinais não-verbais, muitos praticantes de "leitura a frio" acabam se convencendo de que têm poderes mediúnicos. (p. 22)

As evidências indicam que este talvez seja um gesto de origem genética que não pode ser alterado.
Setenta por cento das pessoas cruzam o braço esquerdo sobre o direito. (p. 23)

Evidências foram colhidas observando-se os cegos (que não podem aprender sinais não-verbais por canais visuais), analisando-se o comportamento gestual de pessoas de diferentes culturas ao redor do mundo e estudando-se o comportamento de nossos parentes antropológicos mais próximos, os chimpanzés e os macacos.
As conclusões das pesquisas indicam uma certa coleção de gestos em cada uma dessas categorias. Por exemplo, a maioria dos bebês primatas nasce sabendo sugar, o que demonstra o caráter inato ou genético deste gesto. O cientista alemão Eibl-Eibesfeldt descobriu que as expressões risonhas das crianças nascidas surdas e cegas ocorrem independentemente de aprendizado ou imitação, o que significa que devem ser gestos inatos. Ekman, Friesen e Sorenson sustentaram algumas das crenças originais de Darwin sobre os gestos inatos ao descobrir, estudando as expressões faciais de pessoas oriundas de cinco culturas bastante diferentes, que todas usavam os mesmos gestos faciais para manifestar emoções, o que os levou à conclusão de que esses gestos também devem ser inatos.
Apesar das imensas diferenças culturais, os sinais básicos da linguagem corporal são os mesmos em todos os lugares. (p. 24)

Ao cruzar com uma mulher numa rua movimentada, o homem geralmente vira o corpo em sua direção enquanto ela passa; ela instintivamente vira para o outro lado para proteger os seios. (p. 24)

Balançar a cabeça de um lado para o outro para indicar "não" é também um gesto universal que provavelmente se aprende na infância. Quando já se fartou de mamar, o bebê vira a cabeça de um lado para o outro para rejeitar o seio da mãe. (p. 25)

Um dos erros mais graves que um aprendiz de linguagem corporal pode cometer é interpretar um gesto isolando-o de outros e das circunstâncias. Coçar a cabeça, por exemplo, pode significar várias coisas - suor, incerteza, caspa, piolho, esquecimento ou mentira -, dependendo dos outros gestos que venham a seguir. (p. 25)

Todos fazemos certos gestos repetitivos que revelam se estamos entediados ou sob pressão. Alisar ou enrolar o cabelo continuamente é um conhecido exemplo desse estado emocional. Isolado de outros, porém esse gesto provavelmente significa que a pessoa está em dúvida ou ansiosa. Nós acariciamos a cabeça ou o cabelo porque esta é a forma como nossas mães nos confortavam quado éramos crianças. (p. 26)

O principal sinal é a mão no rosto com o indicador apontado para cima enquanto outro dedo cobre a boca e o polegar apóia o queixo. Os indícios adicionais de que esse ouvinte está tendo pensamentos críticos a respeito do que ouve são as pernas firmemente cruzadas, o braço passado sobre o estômago (postura defensiva) e a cabeça e o queixo inclinados para baixo (negatividade/hostilidade). Esta "frase" corporal diz qualquer coisa como "eu não gosto do que você está dizendo", "eu discordo" ou "estou segurando meus sentimentos negativos". (p. 27)

As mulheres tendem a ignorar as palavras que entram em conflito com a mensagem corporal da pessoa que fala. (p. 27)

Artistas, músicos, cirurgiões e todas as pessoas cuja profissão, por natureza delicada, requer o uso das mãos, em geral, preferem dar apertos menos vigorosos para protegê-las. (p. 28)

Um bom exemplo é o reflexo das crianças pequenas de tapar imediatamente a boca com uma ou ambas as mãos quando contam uma mentira.
O ato de cobrir a boca com a mão é um gesto que permanece com a pessoa ao longo da vida, geralmente variando apenas na velocidade com que é executado. O adolescente, quando conta uma mentira, leva a mão à boca de uma maneira bastante parecida com a de uma criança de cinco anos, só que, em vez do gesto óbvio de botar a mão sobre a boca, ele passa levemente os dedos ao redor dos lábios.
O gesto básico de tapar a boca torna-se ainda mais rápido na idade adulta. Quando um adulto diz uma mentira, é como se o seu cérebro instruísse a mão para tapar a boca na tentativa de bloquear as palavras insinceras, da mesma forma como acontece com o adolescente e a criança. No último momento, porém, a mão se afasta do rosto e o gesto resultante é o de tocar o nariz - a versão adulta do movimento de tapar a boca usado na infância. (p. 29)

As mãos espalmadas, por exemplo, são associadas à sinceridade, mas se o enganador abre as mãos e sorri para você no momento em que diz uma mentira, seus microgestos podem entregá-lo. (p. 30)

A capacidade de ler os sinais da linguagem do corpo não apenas faz de você uma pessoa mais consciente e atenta para as tentativas de dominação e manipulação por parte das outras pessoas como também lhe ensina a ser mais sensível com as emoções e sentimentos alheios. (p. 33)

Ao longo da história, as mãos espalmadas têm sido associadas à verdade, à honestidade, à fidelidade e à submissão. (p. 34)

Uma das maneiras mais eficazes de saber se uma pessoa está sendo sincera e honesta - ou não - é verificar se ela está mostrando as palmas das mãos. (p. 35)

A pessoa que é sincera e diz a verdade em geral expõe a totalidade ou parte da palma da mão para a outra. (p. 35)

O interessante é que, à medida que a pessoa se habitua a fazer gestos com as mãos espalmadas, a sua tendência a contar mentiras diminui. (p. 37)

A tendência da pessoa que está na defensiva é cruzar os braços sobre o peito. Ao cruzar os braços, ela começa a experimentar sentimentos defensivos. (p. 37)

Você fala com a palma da mão voltada para cima. Este é um sinal de submissão, uma atitude não ameaçadora, que lembra o gesto suplicante do mendigo e mostra - de um ponto de vista evolucionário - que a pessoa está desarmada. (p. 38)

Quando você quiser que uma pessoa fale, espalme a mão para cima. Este é um gesto de "entrega" que informa o outro que você está à espera de suas palavras, pronto para ouvir.
Com a palma da mão virada para baixo, você projeta imediatamente sua autoridade. (p. 38)

A saudação nazista, feita com a palma da mão virada diretamente para baixo, era o símbolo do poder e da tirania do Terceiro Reich. (p. 38)

O gesto da mão fechada com o dedo apontado é o de um punho segurando um porrete - representado pelo dedo indicador - com o qual o orador impõe submissão aos seus ouvintes. A mão fechada com o dedo apontador é um dos gestos mais irritantes que um orador pode usar, particularmente quando marca o compasso das suas palavras. (p. 39)

Considerando que o ato é um sinal de confiança e boas-vindas, convém você de fazer algumas perguntas antes de tomar a iniciativa de apertar a mão de uma pessoa: "Será que eu sou bem-vindo? Esta pessoa está feliz por me encontrar, ou estarei impondo a minha presença?" (p. 41)

Suponha que você e uma pessoa que acabou de conhecer se cumprimentam com um aperto de mão. Uma das seguintes atitudes básicas é subconscientemente transmitida:
1. Dominação: "Ele está tentando me dominar, é melhor eu ter cuidado".
2. Submissão: "Eu posso dominar essa pessoa. Ela fará o que eu quiser".
3. Igualdade: "Eu me sinto à vontade com essa pessoa". (p. 41)

Em um cumprimento, a dominação é transmitida virando-se a mão de tal modo que a palma fique para baixo, embora ela não precise ficar totalmente virada para baixo. (p. 42)

Isto não equivale dizer que a mulher executiva precisa agir de forma masculina; ela apenas precisa evitar certos sinais estereotipados de feminilidade - como apertos de mão frouxos, saias curtas e saltos muito altos - se pretende ser igual em credibilidade. (p. 43)

É profissionalmente interessante para as mulheres darem apertos de mão mais firmes, especialmente com homens. (p. 43)

Quando um adepto de jogos de poder se apresentar a você estendendo o braço com a mão espalmada para baixo, responda com a mão espalmada para cima, mas ponha sua mão esquerda sobre a direita dele, de modo a lhe dar um aperto com as duas mãos, e finalmente endireite a posição das mãos.
Esse modo muito mais simples de lidar com a situação transfere para você o poder do seu oponente. (p. 47)

Quando dois líderes políticos se pões lado a lado, em pé, aquele que fica à esquerda da foto é percebido pelo público como detentor de uma postura dominante em relação ao outro. (p. 47)

O primeiro encontro entre um homem e uma mulher pode ser prejudicado por um aperto de mão inadequado.
Se isto acontecer um dia com você, pegue conscientemente a mão direita da outra pessoa com a sua mão esquerda, coloque-a corretamente em sua mão direita e diga com um sorriso: "Vamos tentar outra vez"! (p. 49)

Favorito dos empresários pelo mundo afora, o aperto com as duas mãos é feito com contato visual direto, um sorriso franco e confiante, enquanto é dito alta e claramente o primeiro nome do recebedor, e eventualmente são feitas perguntas sinceras sobre o seu estado de saúde. (p. 49)

Tal como o aperto de mão com a palma coltada para baixo, o cumprimento com o braço esticado tende a ser usado por tipos agressivos. Sua principal finalidade é manter a outra pessoa à distância e fora do espaço pessoal de quem toma a iniciativa. (p. 52)

Embora em geral sejam acetáveis até sete subidas e descidas, alguns bombeadores continuam o movimento incontrolavelmente como se estivessem querendo tirar água do recebedor. Às vezes ele até pára de bombear mas continua a segurar a mão do outro como se quisesse impedi-lo de escapar. (p. 53)

Manter a palma da mão na vertical com uma pressão equivalente à de outra pessoa é geralmente percebido como um aperto de mão 10/10. (p. 53)

Boulogne descobriu que os sorrisos são controlados por dois conjuntos de músculos: os zigomáticos maiores, que percorrem todo o lado do rosto e se conectam com os cantos da boca, e os orbiculares ópticos, que puxam os olhos para trás. (p. 54)

Portanto, a primeira coisa a procurar para se checar a sinceridade de um sorriso são as ruguinhas ao redor dos olhos. (p. 55)

Quando você sente prazer, alguns sinais circulam pela parte do seu cérebro que processa a emoção, fazendo com que os músculos da sua boca se movam, suas bochechas se ergam, seus olhos de estreitem e suas sobrancelhas se abaixem ligeiramente. (p. 55)

Entre os humanos, o sorriso serve ao mesmíssimo propósito que entre os demais primatas: dizer à outra pessoa que você não constitui ameaça e pedir que o aceite. Isso explica por que muitos indivíduos como Clint Eastwood, Margaret Thatcher e Charles Bronson sempre apresentam um olhar irritado ou agressivo e raramente são vistos sorrindo - eles não querem parecer, de forma alguma, submissos. (p. 57)

Como o sorriso é extremamente sedutor, muitos supõem erradamente que ele é o gesto favorito dos mentirosos. Pesquisas mostram, porém, que as pessoas que mentem deliberadamente, os homens em especial, sorriem menos do que o normal. (p. 58)

Quando um mentiroso mente, o lado esquerdo do seu sorriso é quase sempre mais pronunciado do que o direito. (p. 59)

O sorriso de lábios cerrados: A mensagem enviada é de que a pessoa que sorri tem uma opinião ou atitude secreta, contida, que não quer compartilhar com você. (p. 59)

O sorriso torto é característico do mundo ocidental e só pode ser feito deliberadamente, o que quer dizer que contém uma única mensagem - o sarcasmo. (p. 60)

Está provado que o sorriso de lado olhando para cima, quando usado por uma mulher, é um dos favoritos dos homens de todas as partes do mundo, por suscitar neles sentimentos de proteção e cuidado. É um dos sorrisos que a princesa Diana costumava usar para cativar os corações das pessoas. (p. 60)

Sorria constantemente. Todo mundo vai ficar pensando no que você estará tramando. (p. 61)

O neurologista Henri Rubenstein descobriu que um minuto de boas gargalhadas proporciona até 45 minutos de relaxamento subsequente. (p. 62)

Quanto mais velhos, mais sérios nos tornamos a respeito da vida. Um adulto ri, em média, 15 vezes por dia; uma criança em idade pré-escolar, 400 vezes. (p. 62)

As pessoas que têm dificuldade em rir, nos momentos difíceis da vida costumam recorrer às drogas e ao álcool para obter a mesma sensação produzida pelas endorfinas liberadas pelo riso. (p. 64)

O choro é muitas vezes a extensão de um acesso de riso. É por isso que nos momentos de crise emocional, como quando se recebe a notícia da perda de um ente querido, a pessoa que não consegue aceitar mentalmente aquela morte pode começar a rir. Quando a realidade vem à tona, o riso se transforma em choro. (p. 64)

A lição a ser tirada é de que as mulheres devem sorrir menos quando lidam com homens dominantes em situações profissionais, ou sorrir com intensidade igual à deles. E, por sua vez, os homens que desejam ser mais persuasivos com as mulheres devem sorrir mais em todos os contextos. (p. 67)

Estudos mostram que as mulheres riem para os homens por quem se sentem atraídas, e que os homens se sentem atraídos pelas mulheres que riem para eles. (p. 68)

As evidências mostram que o sorriso e o riso reforçam o sistema imunológico, protegem o corpo de males e doenças, vendem ideias, ensinam melhor, atraem mais amigos e prolongam a vida. O humor cura. (p. 69)

Quando os homens se sentem ameaçados, eles ficam mais seguros colocando as mãos sobre os órgãos genitais. (p. 70)

Num momento de atitude negativa, defensiva ou nervosa, cruzar os braços fará você se sentir confortável. Mas, se você estiver se divertindo, cruzar os braços o fará sentir-se estranho. (p. 72)

Uma maneira simples, porém eficaz, de quebrar a postura dos braços cruzados é dar ao interlocutor um objeto para segurar ou alguma coisa para fazer. (p. 74)

É bem provável que, depois de um aperto de mão dominante, o jovem executivo adotasse a postura dos braços cruzados com os polegares virados para cima.
Essa postura é um gesto que mostra que o sujeito está "na dele" e no controle da situação. Ao falar, ele gesticula com os polegares para enfatizar as questões que está expondo. Os polegares virados para cima indicam que mostramos aos outros a nossa atitude autoconfiante, embora os braços cruzados, por sua vez, transmitam um sentimento de proteção. (p. 77)

Barreiras parciais com os braços costumam ser usadas por pessoas que se sentem deslocadas no grupo em uma reunião e por pessoas inseguras ou com baixa autoestima. (p. 79)

Homens que usam abotoaduras costumam ajustá-las quando cruzam uma sala ou um salão de dança à vista de todos. (p. 80)

É comum vermos homens ansiosos ou inibidos ajustando a pulseira do relógio, checando o conteúdo da carteira, batendo ou esfregando as mãos, brincando com o botão do punho da camisa ou fazendo outros movimentos que deixem o braço atravessado na frente do corpo. (p. 81)

Sentar-se com os cotovelos apoiados no braço da cadeira é um gesto de poder que transmite uma imagem forte e direta. Pessoas submissas e derrotadas costumam deixar os braços caídos ao lado da cadeira. Preste atenção para evitar essa posição, a menos que seu objetivo seja dar a impressão de derrota. (p. 82)

Hábeis toques no cotovelo triplicam as suas chances de obter o resultado desejado. (p. 83)

Este resultado mostra que o toque no cotovelo funciona melhor nos lugares onde o toque frequente não é a norma cultural. (p. 83)

Da próxima vez que você for apertar a mão de uma pessoa a quem estiver sendo apresentado, estenda o braço esquerdo, dê um leve toque em sua mão ou cotovelo durante o cumprimento, repita o nome dela para confirmar que você o entendeu corretamente e observe a sua reação. Isto não apenas faz com que a pessoa se sinta importante como o ajuda a lembrar o nome dela por causa da repetição. (p. 84)

Como saber então se uma pessoa está mentindo, se está sendo evasiva, ou apenas refletindo sobre uma questão? O reconhecimento dos gestos de fraude, adiamento, tédio e avaliação é uma das habilidades mais importantes que você pode aprender. neste capítulo, vamos ensinar-lhe os sinais da linguagem corporal que traem a pessoa. A primeira parte do capítulo tratará da mentira e da fraude. (p. 88)

Quando vemos, falamos ou ouvimos mentiras, tendemos a tapar a boca, os olhos e os ouvidos com as mãos. (p. 88)

Esses gestos são também associados à dúvida, incerteza ou exagero. (p. 88)

Observou-se que as enfermeiras que mentiam levavam a mão ao rosto com mais frequência do que as que diziam a verdade aos pacientes. Além disso, constatou-se que tanto os homens quanto as mulheres engolem mais em seco quando mentem, o que é muito mais perceptível nos homens por causa do pomo-de-adão. (p. 89)

Um gesto de levar a mão ao rosto nem sempre significa que a pessoa está mentindo, mas indica que ela pode estar sonegando alguma informação; a observação de outros grupos gestuais pode confirmar ou afastar as suas suspeitas. Evite interpretar gestos de levar a mão ao rosto isolando-os dos demais e do contexto. (p. 89)

Lançamos mão de sorrisos, assentimentos com a cabeça e piscares de olhos para tentar nos esconder, mas, infelizmente para nós, os sinais faciais incoerentes com nossos gestos corporais revelarão a verdade. (p. 89)

A tentativa de disfarçar uma mentira, ou a passagem de um certo pensamento pela cabeça, fica patente durante uma fração de segundo no rosto das pessoas. (p. 90)

Se ela cobrir a boca enquanto você fala, é sinal de que ela talvez ache que você está escondendo algo. (p. 92)

Cientistas da Fundação para a Pesquisa e Tratamento do Olfato e do Paladar de Chicago descobriram que, ao mentir, os indivíduos liberam substâncias causadoras do intumescimento do tecido interno do nariz. O exame do fluxo sanguíneo por meio de câmeras especiais revelou que a mentira intencional causa um aumento da pressão arterial e que o nariz humano se expande com o afluxo de sangue durante o ato de mentir, fenômeno conhecido como "Efeito Pinóquio". A pressão sanguínea elevada intumesce e faz formigar as terminações nervosas do nariz, provocando o ato de esfregá-lo rapidamente com a mão para aliviar a "coceira".
Embora não possa ser visto a olho nu, o intumescimento do nariz é o que parece causar o gesto de tocar o nariz. O mesmo fenômeno ocorre quando a pessoa está transtornada, ansiosa ou irada. (p. 93)

Esfregar os olhos é a ação com que o cérebro tenta bloquear as coisas enganosas, duvidosas ou desagradáveis que a pessoa vê ou evitar olhar para o rosto da pessoa para quem se está mentindo. (p. 94)

Pegar na orelha: Esta é a versão adulta do gesto de tapar os ouvidos feito pelas crianças quando querem se esquivar dos pitos dos pais. (p. 95)

Pegar na orelha pode também ser um sinal de que a pessoa já ouviu o suficiente ou de que não quer falar. (p. 95)

Coçar o pescoço: Este é um sinal de dúvida ou incerteza, característico da pessoa que diz "Eu não sei se estou de acordo". (p. 96)

Desmond Morris foi um dos primeiros a descobrir que a mentira causa um prurido nos delicados tecidos do rosto e do pescoço, cujo alívio exige uma esfregadela ou uma boa coçada. Isto não apenas explica por que as pessoas que se sentem em dúvida coçam o pescoço como dá uma boa razão para o fato de alguns indivíduos afrouxarem o colarinho quando suspeitam ter sido apanhados numa mentira. A elevação da pressão arterial faz com que o sujeito sue no pescoço. (p. 96)

O dedo na boca: Esta tentativa inconsciente de voltar à segurança do bebê que mama no peito da mãe ocorre quando a pessoa está sob pressão. (p. 96)

Proporcionar a si mesmo segurança é um movimento positivo. (p. 97)

Quando o ouvinte usa a mão para apoiar a cabeça, é sinal de que o tédio se estabeleceu. Apoiar a cabeça na mão é o recurso usado pelo ouvinte para não dormir. (p. 97)

Tamborilar com os dedos na mesa e bater continuamente com os pés no chão são gestos muitas vezes interpretados por oradores profissionais como indicadores de tédio, quando na verdade são sinais de impaciência. (p. 97)

Quando o polegar apóia o queixo e o dedo indicador repousa verticalmente sobre a face, o ouvinte está tendo pensamentos críticos ou negativos a respeito do orador ou do seu tema. A continuação dos pensamentos negativos pode fazer com que a pessoa esfregue ou leve repetidamente as mãos aos olhos. (p. 99)

Levar um objeto à boca ajuda a pessoa a resistir à premência de dar uma resposta imediata e, portanto, a adiar sua decisão. (p. 101)

A sensação de ameaça ou de raiva provoca em nós uma espécie de comichão na parte de trás do pescoço. Para aplacar a comichão, geralmente esfregamos a mão sobre a área. (p. 101)

Ao bater na testa, ela está sinalizando que não se sente intimidada pelo fato de você mencionar o esquecimento. Ao bater na parte de trás do pescoço para aplacar a comichão, ela está se castigando pela falta e acusando você pelo sentimento de culpa que desperta nela. (p. 101)

É razoável supor que, quando uma pessoa faz algum dos gestos de levar a mão ao rosto mencionados neste capítulo, um pensamento negativo tenha passado em sua cabeça. A questão é: que tipo de pensamento negativo? Pode se tratar de uma dúvida, desconfiança, incerteza, exagero, apreensão ou de uma mentira deslavada. (p. 102)

Aplicando essa pesquisa ao mundo dos negócios, concluímos que as pessoas classificam modelos fotográficos como mais atraentes quando a foto é alterada para aumentar a área da pupila. Este é um método eficaz de incrementar as vendas de qualquer produto cuja publicidade faça uso de closes de rosto, como cosméticos femininos, produtos para o cabelo e roupas. (p. 104)

Quando um homem se excita diante de uma mulher, que parte do seu corpo pode crescer até quase três vezes o seu tamanho original? (p. 105)

Erguer a sobrancelha: Este gesto, que equivale a um "olá" à distância, é universalmente usado desde tempos imemoriais. É também comum entre os macacos como forma de saudação, o que confirma a sua condição de gesto inato. (p. 107)

Pessoas que não erguem a sobrancelha ao encontrar as outras são consideradas como potencialmente agressivas. (p. 108)

A regra de ouro é: só erga a sobrancelha para pessoas de quem você gosta ou que você quer que gostem de você. (p. 108)

Abaixar as sobrancelhas é a maneira de os humanos mostrarem dominação ou agressividade diante dos outros, ao passo que erguê-las é sinal de submissão. (p. 108)

Conversando com algumas pessoas nós nos sentimos à vontade, com outras nos sentimos incomodados e com mais outras nos sentimos desconfiados. Tudo isso, a princípio, tem relação com o tempo que as pessoas ficam nos olhando ou sustentando nosso olhar enquanto falam. (p. 110)

Michael Argyle, pioneiro da psicologia social e das técnicas de comunicação não-verbal, descobriu que, na maioria das culturas, para que você estabeleça um bom entendimento com alguém é preciso que seus olhares permaneçam em contato de 60 a 70% do tempo. (p. 110)

Quando duas pessoas se conhecem e se olham olho no olho pela primeira vez, geralmente é a subordinada que desvia o olhar primeiro. Isto significa que não desviar o olhar é uma maneira sutil de contestar ou mostrar discordância quando uma pessoa expõe suas ideias ou pontos de vista. (p. 111)

A maioria dos primatas desvia o olhar para mostrar submissão. O chimpanzé, quando agressivo ou prestes a atacar, fixa o olhar na sua vítima. Esta, para não ser atacada, desvia o olhar e tenta parecer menor do que é. (p. 113)

Piscar mais do que o normal é uma tentativa inconsciente da pessoa para eliminar o interlocutor da sua vista por motivo de tédio, desinteresse ou por se sentir superior a ele. (p. 114)

Pessoas que se consideram superiores costumam ainda inclinar a cabeça para trás para dar um "longo olhar", conhecido também como "olhar por cima do nariz". (p. 114)

Olhos irrequietos dão a impressão de que a pessoa está examinando tudo em volta quando na verdade o seu cérebro está buscando rotas de fuga (como acontece com os chimpanzés e macacos). Eles revelam a insegurança da pessoa em relação ao que está acontecendo. (p. 115)

Experiências revelam que, nos contatos sociais, o olhar permanece 90% do tempo concentrado numa área triangular do rosto situada entre os olhos e a boca da outra pessoa. (p. 116)

À distância, as pessoas olham rapidamente para o rosto e as partes baixas do corpo do outro para estabelecer imediatamente o seu gênero e, em seguida, determinar seu nível de interesse por ele. Este olhar parte da linha dos olhos e vai por baixo do queixo até as partes baixas do corpo. Nos contatos próximos, ele se fixa na área triangular entre os olhos e o peito, e nos olhares à distância vai dos olhos à virilha ou mais abaixo. (p. 116)

Imagine que a pessoa a sua frente tem um terceiro olho no centro da testa então fixe seu olhar na área triangular situada entre os "três" olhos dela. O efeito que esse olhar exerce sobre o outro é inacreditável.
Ele consegue não apenas tornar sério o clima da conversa como paralisar instantaneamente qualquer chato. O olhar dirigido para essa área mantém a pessoa sob intensa pressão. (p. 117)

Passar os olhos de uma pessoa para outra sem piscar exerce um efeito intimidativo sobre quem presencia esse gesto. (p. 118)

Os casais passaram todo o tempo dos encontros olhando nos olhos uns dos outros, procurando me vão pelo "problema no olho". O resultado foi um alto índice de intimidade e romance e uma probabilidade de os casais se encontrarem outra vez 200% maior do que a média da agência. (p. 119)

Pode-se também separar casais dizendo a cada parceiro que o outro tem problemas de audição e que por isso ele precisa falar 10% mais alto para ser ouvido. A consequência é os parceiros falarem quase aos fritos, o que provoca grande rejeição. (p. 119)

Gostemos ou não, todo homem olha com o rabo do olho para o traseiro de uma mulher quando ela sai da sala, ainda que não tenha gostado da visão de frente. (p. 120)

As pesquisas mostram que 83% da informação que entra no cérebro das pessoas em apresentações visuais chegam pelos olhos, 11% pelos ouvidos e 6% pelos demais órgãos dos sentidos. (p. 123)

Assim como a maioria dos animais , todo ser humano carrega consigo a sua própria "bolha de ar" portátil, cujo tamanho depende da densidade da população no lugar onde foi criado. O espaço pessoal é, portanto, culturalmente determinado. Enquanto algumas culturas, como a japonesa, estão acostumadas com a superlotação, outras gostam dos "amplos espaços abertos" e preferem que você mantenha distância. (p. 126)

A zona íntima, de 14cm a 46cm de distância do nosso corpo. De todas as zonas de distância, esta é de longe a mais importante, aquela que a pessoa protege como se fosse sua propriedade pessoal. Só os entes afetivamente próximos, como amantes, pais, cônjuges, filhos, amigos íntimos, parentes e mascotes, têm permissão para entrar nela. (p. 127)

Abraçar amigavelmente uma pessoa que você acaba de conhecer pode produzir nela um sentimento negativo em relação a você, embora, para não ofender, ela lhe dê a impressão de estar gostando. (p. 128)

As regras usuais do elevador lotado são:
1- Não fale com ninguém, inclusive conhecidos seus.
2- Não fique olhando nos olhos das pessoas.
3- Mantenha uma expressão impassível.
4- Caso tenha um livro ou jornal, finja estar profundamente concentrado nele.
5- Em elevador lotado é proibido se mexer.
6- Fique o tempo todo acompanhando a mudança dos números dos andares. (p. 130)

O que o observador vê, na verdade, é um grupo de pessoas mascaradas aderindo a regras que se acomodem à inevitável invasão de suas zonas íntimas num ambiente público cheio de gente. (p. 130)

Seja num elevador, num cinema ou num ônibus lotado, as pessoas ao nosso redor se tornam não-pessoas - isto é, elas não existem no que nos diz respeito, e por esta razão não reagimos como se estivéssemos sendo atacados quando alguém inadvertidamente invade o nosso território. (p. 131)

À medida que cresce a densidade da concentração, o espaço pessoal diminui e a hostilidade da pessoa aumenta. Com isso, a multidão se torna mais irada e ameaçadora, e começam a acontecer brigas. A polícia dispersa a multidão para que, ao recuperar seu espaço pessoal, as pessoas se acalmem. (p. 131)

É esta uma das razões de as áreas de altos índices de densidade populacional serem também aquelas onde se registram altos índices de criminalidade e violência. (p. 132)

Para muitas pessoas o carro constitui um casulo protetor. Elas se sentem invisíveis dentro do carro, e é por isso que enfiam o dedo no nariz. (p. 136)

Quanto mais longe do cérebro está qualquer parte do nosso corpo, menos consciência temos do que ela está fazendo. (p. 137)

Sacudir os pés é como se o cérebro estivesse tentando fugir do que está acontecendo. (p. 138)

Descobrimos que, independentemente do sexo, a quantidade de movimentos inconscientes com os pés aumentava sensivelmente quando eles mentiam. (p. 138)

Como o cérebro humano está programado para esses dois objetivos - ir em direção ao desejado e se afastar do indesejado -, a forma como uma pessoa usa seus pés e pernas é reveladora de aonde ela deseja ir. Em outras palavras, mostra seu interesse em permanecer ou se retirar de uma conversa. (p. 139)

A pessoa que cruza as pernas e os braços provavelmente se retira emocionalmente da conversa. (p. 143)

Quando a mente se fecha, o corpo a acompanha. (p. 144)

Quando a pessoa, no "4 americano", segura a perna de cima com uma ou ambas as mãos para travá-la, saiba que provavelmente você está diante de um indivíduo teimoso e obstinado que rejeitará qualquer opinião diferente da própria. (p. 145)

Em três décadas de trabalho com entrevistas e vendas, observamos que quando o entrevistado trança os tornozelos, está reprimindo uma emoção negativa de dúvida ou medo. (p. 146)

Em nosso trabalho junto a órgãos públicos como polícia, alfândega e receita, a maioria dos entrevistados trançava os tornozelos no começo da entrevista, por medo ou culpa, em igual proporção. (p. 146)

A verdade sobre os tapinhas nas costas é que sua finalidade é dizer à outra pessoa para concluir o abraço e se soltar. Se você não está a fim de abraçar uma determinada pessoa, mas se sente obrigado porque as pessoas à sua frente o fizeram, o mais provável é que comece a bater nas costas dela ainda antes do abraço começar. O beijo no ar - com o som que o acompanha - é um substituto do beijo real que não queremos dar. (p. 152)

A linguagem corporal é um reflexo exterior inconsciente dos sentimentos interiores, de maneira que quando a pessoa se sente positiva ou afirmativa sua cabeça começa a assentir enquanto ela fala. Inversamente, a pessoa que faz gestos deliberados de assentimento com a cabeça começa a experimentar sentimentos positivos. (p. 154)

A pessoa que discorda das opiniões ou atitudes de outra, mas não quer se manifestar, tende a fazer deslocamentos gestuais, isto é, usar signos de linguagem corporal aparentemente inocentes que revelam a existência de uma opinião não expressa. Catar fiapos imaginários da própria roupa é um deles. O catador de fiapos geralmente olha para baixo ou para o lado enquanto executa a sua ação aparentemente menor e irrelevante, que é em geral um sinal de discordância e insatisfação com o que está sendo dito, ainda que dê a impressão de estar concordando com tudo. (p. 158)

Tudo isso são reações mecânicas do corpo a circunstâncias em que nos convém parecer maiores. Os músculos eretos do pêlo, situados sob a pele, tentam arrepiar a pelagem que já não possuímos. Para compensar esta falta, os humanos modernos aumentam a sua presença física colocando as mãos nos quadris. (p. 159)

É vital fazer com que o sujeito mude de posição porque, quanto mais tempo ele permanecer assim, por mais tempo se manterá a sua atitude indiferente ou agressiva. Use sua imaginação e criatividade para fazê-lo mudar de postura. (p. 162)

Esta é a versão sentada do gesto de colocar as mãos nos quadris, exceto pelo fato de que as mãos ficam atrás da cabeça e os cotovelos ameaçadoramente apontados para fora. Uma vez mais, é um gesto inteiramente masculino usado para intimidar ou indicar uma atitude descontraída que visa dar uma falsa sensação de segurança. (p. 164)

A catapulta geralmente aparece combinada com o "4 americano" e com a exposição da genitália, o que mostra que a pessoa não apenas se sente superior como gosta de discutir e procura dominar. Há várias maneiras de se lidar com esse tipo, dependendo das circunstâncias. Uma delas é você se inclinar para a frente com as mãos espalmadas para cima e dizer: "Eu vejo que você conhece o assunto. Gostaria de fazer algum comentário?" (p. 165)

Você pode também colocar um objeto fora do alcance da pessoa e perguntar: "Você já viu isto?", forçando-a a se inclinar para a frente. Se você é homem, imitar o gesto pode ser uma forma simples de lidar com a catapulta, porque a imitação cria igualdade. Mas imitar não funciona para as mulheres, porque os seis expostos as deixam em desvantagem. Mulheres de seios pequenos que tentam fazer a catapulta são vistas como agressivas tanto por homens como por mulheres. (p. 165)

Toda vez que conhecemos uma pessoa nova, procedemos a uma rápida avaliação de sua atitude para conosco, se positiva ou negativa. Todos os animais fazem o mesmo por motivos de sobrevivência. (p. 168)

Nunca fale mais rápido do que seu interlocutor. Estudos revelam que as pessoas dizem se sentir "pressionadas" quando seus interlocutores falam mais depressa do que elas. (p. 174)

Por outro lado, o espelhamento é eficaz quando se quer intimidar ou "desarmar" tipos superiores que tentam assumir o controle da situação. Financistas, advogados e gerentes são conhecidos por usar grupos gestuais de superioridade perto de pessoas que vêem como inferiores. Espelhando-os, você pode desconcertá-los e forçá-los a mudar de posição. Mas nunca faça isso com o seu chefe. (p. 176)

Da próxima vez que for encontrar com uma pessoa, espelhe a sua maneira de se sentar, a sua postura e o ângulo do seu corpo, assim como seus gestos, expressões e tom de voz. Em pouco tempo, ela começará a sentir que há em você algo que lhe agrada - ela o descreverá como um indivíduo de "fácil convívio" -, por se ver refletida em você. (p. 177)

Enquanto o fumante encobre sua ansiedade saindo furtivamente para fumar, os não-fumantes se dedicam a rituais como mascar chiclete, roer as unhas, tamborilar com os dedos, bater com o pé no chão, coçar a cabeça e outros gestos que nos informam que eles precisam de segurança. (p. 178)

O fumante que apaga o cigarro de repente, antes do que faria normalmente, está sinalizando sua decisão de concluir a conversa. (p. 183)

Esse "ar inteligente" é eliminado, no entanto, quando a pessoa usa óculos com lentes grandes demais, óculos de grife com inscrições ou armações coloridas. (p. 184)

Armações opacas podem lhe dar uma aparência mais sincera e inteligente; armações exageradas, não. (p. 184)

A maquiagem dá à mulher uma imagem mais inteligente, confiante e sensual, e a combinação de maquiagem e óculos exerce, no contexto profissional, um efeito altamente positivo e memorável sobre os observadores. Usar óculos não-corretivos pode ser, portanto, uma excelente estratégia em encontros de negócios. (p. 187)

O tamanho da pasta influencia na percepção do status do seu possuidor. Quem carrega pastas grandes e gordas é tido como pessoa que trabalha sem parar e provavelmente leva trabalho para casa porque não sabe administrar seu tempo. (p. 188)

A técnica de Graham era bastante simples. Consistia em identificar as mulheres cuja linguagem corporal indicasse disponibilidade e em seguida responder com seus próprios gestos masculinos de sedução. Aquelas que se interessavam retribuíam com sinais femininos apropriados, dando-lhe o sinal verde não-verbal para passar à próxima fase. (p. 196)

O cérebro masculino está programado para sentir atração por mulheres que lhe parecem mais saudáveis em termos de capacidade reprodutiva e disponibilidade sexual. (p. 206)

Em geral, damos preferência a encontrar parceiros que sejam tão atraentes quanto nós - nem muito mais nem muito menos -, porque estes são mais propensos a ficar conosco do que a procurar uma oferta melhor. (p. 207)

Existem técnicas mais sutis de intimidação, como por exemplo encostra-se no umbral da porta do seu escritório ou sentar-se em sua cadeira. (p. 214)

Historicamente, diminuir ou aumentar a própria estatura na frente de outra pessoa são maneiras de estabelecer relações de superioridade ou subordinação. Nós nos dirigimos aos membros da família real como "Alteza" e nos referimos às pessoas que cometem atos moralmente ofensivos como "baixas" e aos seus atos como "baixaria". (p. 214)

Quanto mais um indivíduo se sente humilde ou subordinado a outro, mais baixo se curva. (p. 215)

Quanto mais baixa a mulher, maior a probabilidade de ser interrompida pelos homens. (p. 215)

Todo indivíduo é superior e protetor em seu próprio território, especialmente em sua própria casa. Portanto, praticar gestos e comportamentos submissos na casa dos outros é uma forma de conquistar o seu apoio. (p. 218)

Em geral os eleitores não se interessam profundamente e sequer se lembram do que os políticos dizem nos debates eleitorais. Eles decidem seu voto com base na crença de que o vencedor é o mais apto para governar. (p. 219)

Se uma pessoa o oprime, falando em pé ao seu lado quando você está sentado, levante-se, vá até uma janela e olhe para fora enquanto discute o problema: assim você dará a impressão de estar pensando profundamente no assunto. A pessoa mais alta não pode tirar vantagem da altura quando você não olha para ela. (p. 221)

Lembre-se: ficar ereto, em pé ou sentado, e manter a cabeça erguida são posturas que não apenas dão ao indivíduo um ar confiante como o tornam realmente mais confiante, por força da lei da causa e efeito. (p. 221)

Escolher corretamente um lugar para sentar é uma forma eficaz de obter a cooperação das outras pessoas. Da mesma forma, o lugar que outras pessoas escolhem para se sentar na sua presença é bastante revelador da atitude delas para com você. (p. 222)

Uma pesquisa feita por A. G. White em consultórios médicos mostrou que a presença ou ausência de uma mesa exerce um efeito significativo sobre o conforto psicológico do paciente. Apenas 10% dos pacientes pareciam estar à vontade quando o médico se sentava atrás de sua mesa, proporção que subiu para 55% quando não havia nenhuma mesa no consultório. (p. 227)

Mesas quadradas são ideais para diálogos curtos e objetivos, assim como para criar relações de superioridade e subordinação. As pessoas sentadas ao seu lado serão as mais cooperativas, a da direita provavelmente mais do que a da esquerda.
Historicamente, a pessoa sentada à direita tem menos chance de conseguir apunhalar o outro com a mão esquerda. Por essa razão se diz que o auxiliar de maior confiança é o "braço-direito" e se atribui subconscientemente à pessoa sentada à direita mais poder que a que está à esquerda. (p. 228)

A mesa redonda cria uma atmosfera de informalidade e descontração. Como cada um pode reclamar a mesma quantidade de território, ela é ideal para se promover a discussão entre pessoas de mesmo status. (p. 229)

Famílias "abertas" adotam mesas redondas, famílias "fechadas" preferem mesas quadradas e indivíduos "autoritários" escolhes mesas retangulares. (p. 233)

The Book of List (O livro das listas) - uma publicação que anualmente relaciona todo tipo de informação sobre o comportamento humano - revela que falar em público é o nosso medo número um, e o medo da morte, o sétimo colocado. Parece até que num funeral você se sentiria melhor deitado no caixão do que lendo o elogio fúnebre. (p. 233)

Use gestos de segurança ao falar, por mais apavorado que esteja. Use a mão espalmada, deixe eventualmente o polegar à mostra e mantenha os braços descruzados. (p. 233)

Conscientes de que o aumento do contato olho no olho entre assistentes e palestrantes produz mais participação e retenção de informação, alguns palestrantes e instrutores abandonaram, em atividades de treinamento com pequenos grupos, a disposição de cadeiras estilo "sala de aula" em favor do modelo "ferradura" ou "quadrado aberto". (p. 236)

A melhor estratégia para quem pretende fazer negócios num jantar é terminar a conversa antes que a comida chegue. Depois que as pessoas começam a comer, a tendência da conversa é estacionar. (p. 236)

Em primeiro lugar, independentemente de se o jantar é na sua casa ou num restaurante, faça o seu interlocutor se sentar com as costas viradas para uma parede ou um biombo. As pesquisas mostram que tanto a respiração como os batimentos cardíacos, a frequência das ondas cerebrais e a pressão arterial aumentam rapidamente quando a pessoa se senta com as costas viradas para o espaço aberto, principalmente em lugares onde há gente circulando. (p. 237)

Tenha sempre em mente que as outras pessoas formam até 90% de sua opinião sobre você nos primeiros minutos de contato e que 60 a 80% do impacto causado é não-verbal. (p. 241)

Na hipótese de o entrevistador deixá-lo de pé, ignorando sua presença de forma humilhante, aguarde alguns segundos e diga com firmeza e sem agressividade: "Vejo que o senhor está ocupado. Vou aguardá-lo na recepção". (p. 242)

Como já dissemos, estudos revelam que ficar de costas para um espaço aberto nos deixa estressados: a pressão arterial aumenta, os batimentos cardíacos e a respiração de aceleram porque o nosso corpo se "prepara" para o ataque. Esta é, portanto, uma excelente posição para colocar seus adversários. (p. 244)

Um estudo da Universidade da Califórnia mostrou que as palavras mais persuasivas da linguagem falada são: descoberta, garantia, amor, comprovado, resultados, economizar, fácil, saúde, dinheiro, novo, segurança e você. Pratique usá-las. Os resultados que você obterá da descoberta dessas comprovadas palavras lhe garantirão mais amor e saúde e lhe servirão para economizar dinheiro. E elas são absolutamente seguras e fáceis de usar. (p. 245)

A altura do espaldar aumenta ou diminui o status do usuário da cadeira. Quanto mais alto o espaldar, maior o status aparente da pessoa. Reis, rainhas, papas e outras figuras de status elevadíssimo sempre têm cadeiras e tronos oficiais com espaldar de 2,5 m ou mais. (p. 246)


domingo, 19 de março de 2017

Como identificar um mentiroso: torne-se um verdadeiro detector de mentiras humano em menos de 60 minutos - David Craig (2013)

Existem muitos estudos independentes sobre a frequência da mentira na sociedade. Alguns deles revelaram que mentimos apenas duas vezes por dia (só 730 vezes por ano!), enquanto pesquisas mais recentes mostram que uma pessoa normal mente três vezes a cada dez minutos de conversa. Um estudo realizado por Robert Feldman na Universidade de Massachusetts chegou a um meio-termo, ao constatar que 60% dos entrevistados mentiram pelo menos uma vez a cada dez minutos de conversa. (p. 14)

O primeiro passo para detectar uma mentira é compreender o que está por trás dela. Quando alguém está lhe transmitindo informações, você deveria ser capaz de avaliar rapidamente se, de fato, essa pessoa tem algum motivo para mentir. Se houver, então você precisa ligar o seu "radar antimentira" e começar a procurar sinais verbais (o que a pessoa fala e como ela fala) e sinais não verbais (o que a pessoa faz, como ela age). (p. 23)

Devido ao relacionamento próximo com o parceiro ou amigo íntimo, as pessoas acham que conseguirão identificar suas mentiras. Elas partem do pressuposto de que ninguém conhece mais o parceiro do que elas e, portanto, serão capazes de perceber sinais reveladores de mentira. Essa pressuposição é bastante enfraquecida pelo fato de que, por sua própria natureza, os seres humanos querem acreditar em seus entes queridos. (p. 26)

Seria sensato presumir que, como valorizamos tanto a honestidade, deveríamos conseguir identificá-la (ou a falta dela), e que a nossa capacidade de mentir deveria ser compatível com a nossa capacidade de detectar mentiras como parte do processo evolutivo. Porém, não é isso o que acontece.
Então, por que somos melhores em mentir do que em detectar mentiras? O professor Paul Ekman, que inspirou o personagem do dr. Cal Lightman em Lie to Me, série de ficção da televisão americana, apresenta algumas interessantes explicações evolutivas para isso. Em poucas palavras, o professor Ekman afirma que nosso ambiente ancestral, formado por pequenos grupos que viviam próximos uns dos outros e desfrutavam de pouquíssima privacidade, não nos preparou para fazer uma avaliação psicológica e descobrir se alguém estava dizendo a verdade. Por exemplo, se acontecesse um caso de adultério num grupo, devido à falta de privacidade esse ato seria fisicamente "descoberto" ou testemunhado por acaso por outros membros, e não pela avaliação psicológica. O professor Ekman acredita também que as consequências de ser pego numa mentira naqueles tempos primitivos eram graves, possivelmente culminando em morte. Em tal ambiente, as pessoas não mentiam com muita frequência por causa das graves consequências que poderiam advir. (p. 30)

A capacidade de avaliar o comportamento não verbal pode aumentar sobremaneira a exatidão da detecção de mentira. (p. 34)

Existem inúmeros livros sobre linguagem corporal, alguns escritos por professores universitários e profissionais altamente qualificados e outros, por profissionais menos qualificados. Apesar disso, um ponto em comum nesses livros é que todos eles acreditam que o comportamento não verbal (o que é feito) exerce mais influência sobre a comunicação do que o comportamento verbal (o que é dito). Foram realizados diversos estudos para determinar a porcentagem de comportamento verbal e não verbal na comunicação humana. Em alguns desses estudos, a porcentagem de comunicação não verbal chegou a 80%, embora eu ache esse resultado questionável. Um resultado mais realista, que posteriormente foi corroborado por outros estudos foi encontrado por Albert Mehrabian em uma extensa pesquisa sobre linguagem corporal. Mehrabian descobriu que 55% da comunicação era não verbal (como o corpo se movimentava); 38% era vocal (como as palavras eram ditas) e apenas 7% era puramente verbal (o que era dito). Com base nessa e em outras pesquisas, parece claro que, numa comunicação, nós nos baseamos mais no comportamento não verbal (55%) do que no comportamento verbal (45%). Será que o mesmo se aplica à detecção da mentira? (p. 35)

Depois que alguém cota uma mentira, ocorre uma série de respostas. Algumas dessas respostas são nervosas e automáticas, enquanto outras são iniciadas conscientemente pela pessoa que mente para encobrir a farsa. (p. 49)

De maneira geral, após uma mentira existem três fases de resposta:
- Fase 1: Resposta emocional.
- Fase 2: Resposta do Sistema Nervoso Simpático.
- Fase 3: Resposta cognitiva - uma contramedida. (p. 49)

Quando percebe o que acabou de fazer e as possíveis consequências desse ato, ela manifesta sentimento de culpa, medo, estresse e, às vezes, agitação. (p. 50)

Se o mentiroso estiver sentindo culpa, medo, estresse ou nervosismo em consequência da mentira que acabou de contar, seu sistema nervoso reagirá de acordo com seu instinto natural de "luta ou fuga". Instintivamente, o organismo dele libera adrenalina, que se manifestará de algumas maneiras, às vezes chamadas de "dicas de mentira" ou "sinais de mentira", que podem ser observadas pelo "Detector de Mentiras Humano". Alguns exemplos claros são tamborilamento dos dedos, inquietação, fala muito rápida e movimentos rápidos dos olhos. (p. 50)

Resposta cognitiva é o reconhecimento, pelo mentiroso, da Resposta do Sistema Nervoso Simpático. Trata-se de uma contramedida mental e física destinada a disfarçar os sinais que ele acha que vão denunciá-lo. Por exemplo, quando percebe que está irrequieto ou com as mãos trêmulas, o mentiroso tenta exercer algum controle sobre esses sinais, disfarçando-os. Ele pode fazer isso segurando uma caneta ou escondendo as mãos nos bolsos ou sob a mesa. (p. 51)

Como um "Detector de Mentiras Humano", você não deve menosprezar os sinais de canais altamente condutores como os dedos, as mãos e a velocidade e qualidade da fala, mas deve se concentrar principalmente nas áreas de menor condutividade, como os membros inferiores do corpo, os movimentos oculares e as microexpressões. (p. 52)

Quanto mais alguém mente (ao responder a várias perguntas), mais tem de se concentrar no que está dizendo - e menos capacidade tem de se monitorar e se controlar. (p. 54)

Quando você quiser descobrir se uma pessoa está mentindo, faça várias perguntas a ela e tente provocar uma "falência mental"! Se conseguir, as informações verbais dela serão ilógicas, sem sentido algum, ou ela exibirá sinais claros de mentira, como ficar inquieta, mudar repentinamente de assunto ou fazer uma pausa prolongada antes de responder. (p. 55)

Avalie se a pessoa tem motivação para mentir. Como já vimos, as motivações são: evitar constrangimento; causar boa impressão; obter vantagem; e evitar punição. (p. 62)

Quando você liga o seu "radar antimentira" para ver se alguém está mentindo, a primeira coisa que tem de fazer é estabelecer um padrão de comportamento. Para isso, precisa observar as respostas verbais e não verbais às perguntas que a pessoa responde com sinceridade. Em outras palavras, precisa fazer perguntas cujas respostas você já sabe ou sabe que serão respondidas com a verdade. Essas são Perguntas de Controle. (p. 63)

Quando questionar alguém, saiba que, mesmo que essa pessoa seja inocente, ela apresentará uma mudança de comportamento diante da sua atitude, e que talvez isso não seja indicação de culpa. Ela só está sendo defensiva ou hostil porque sua integridade está sendo questionada. (p. 67)

Alguns sinais de mentira: movimentar os dedos, as mãos, as pernas e os pés, ou ausência de movimento; alterar o padrão da fala; errar mais a pronúncia das palavras; limpar a garganta; engolir em seco oi gaguejar exageradamente; movimentar os olhos de maneira que revele que a pessoa está inventando, e não se lembrando; fazer menos contato visual ou aumentar muito esse contato; coçar o nariz; assumir uma postura fechada, inclinando o corpo para trás e cruzando os braços para criar uma barreira; pôr a mão sobre a boca ou sobre os olhos; piscar com mais frequência e, em seguida, colocar a mão no rosto; mostrar contradição entre "o que é dito" e "o que é transmitido pelos gestos" (fazer que "sim" com a cabeça, mas dizer "não"); fingir cansaço, como, por exemplo, simular bocejo. Dar respostas mais rebuscadas e excessivamente detalhadas, e exibir microexpressões conflitantes. (p. 79)

Os mentirosos patológicos sentem pouca emoção quando mentem, ou não sentem nenhuma emoção. E eles mentes o tempo todo. Como mentem com tanta frequência, é praticamente impossível estabelecer um padrão confiável de comportamento, pois o próprio padrão se baseará em mentiras. Além disso, devido à ausência de emoção, eles não demonstram os sinais de mentira usuais. E, como não têm um motivo particular para mentir, é difícil saber quando se trata de uma mentira banal, sem importância, ou de uma mentira séria. Felizmente, não existem muitos mentirosos patológicos na sociedade; mas, se você encontrar um (e você o reconhecerá facilmente), ainda assim recomendo a adoção do Modelo de Detecção de Mentira em cinco etapas. (p. 83)

Outro grupo traiçoeiro é o dos que já contaram a mesma mentira muitas vezes - os mentirosos ensaiados. Como eles praticaram e ensaiaram a mentira em várias ocasiões, a resposta parece mais natural. (p. 83)

Minha área preferida, e a que considero mais eficaz, para descobrir se alguém está mentindo é a dos olhos. (p. 85)

Os três principais aspectos que devemos nos concentrar são: contato visual (olho no olho), frequência do piscar e movimentos oculares. (p. 85)

Frequência do piscar: Em geral, nós piscamos cerca de 26 vezes por minuto durante uma conversa, embora esse número possa aumentar significativamente em períodos de estresse. Não importa se a pessoa está estressada ou não, se você notar uma mudança significativa na maneira com que ela pisca (mais lenta ou mais rápida) quando fizer suas Perguntas Capciosas, em relação à observada durante as Perguntas de Controle, esse é um bom indicador de mentira. (p. 87)

As pessoas podem piscar mais demoradamente, piscar com mais frequência ou desviar o olhar porque não querem responder à pergunta. Talvez simplesmente por estarem incomodadas com a informação solicitada. Elas também podem piscar mais quando estão pensando seriamente sobre algo, que talvez seja a verdade. Portanto, a frequência do piscar, por si só, não é um sinal de mentira e precisa ser levado em conta junto com outros sinais. (p. 87)

Como estou escrevendo este livro para você - todas as referências a esquerda e direita levam em consideração a sua posição - que está de frente para a outra pessoa. Se eu disser que ela olhará para a direita, significa a sua direita (esquerda dela). (p. 89)

Quando fazem uma pergunta a um indivíduo destro, os olhos dele devem:
- Mover-se horizontalmente ou diagonalmente para cima - para a direita (a sua direita) se ele estiver lembrando de algo que realmente aconteceu. Isso indica que ele de fato vivenciou aquilo que está lhe contando; ou
- Mover-se horizontalmente ou diagonalmente para cima - para a esquerda (a sua esquerda), se ele estiver inventando algo que nunca viu ou sobre o qual nunca ouviu falar. Isso indica que ele está criando/inventando. (p. 89)

A direita dos olhos do canhoto será oposta à direção dos olhos do destro. (p. 90)

Os mentirosos desviam brevemente o olhar quando mente, para interromper o contato visual, mas também podem disfarçar sua culpa retomando o contato visual rapidamente. A interrupção do contato visual é um sinal de culpa, e eles voltam a olhar nos olhos do interlocutor para ver se conseguiram se safar. Nesse ponto, permaneça impassível (não revele nenhuma dica) e faça uma pausa na conversa. Os mentirosos têm muita dificuldade de lidar com essa estratégia, pois não recebem nenhuma informação, verbal ou facial, de que a mentira "colou". Muitas vezes isso faz com que eles comecem a falar, e é exatamente isso que os denuncia; eles falam rápido demais, fornecem detalhes demais, não têm um raciocínio lógico e/ou movimentam os olhos de um lado para o outro enquanto analisam a situação e repassam a resposta na cabeça, avaliando se a mentora "colou" ou não. Os mentirosos odeiam silêncio! (p. 94)

As pessoas tocam o nariz de vez em quando - isso é normal. Entretanto, alguns mentirosos fazem isso com maior frequência. Quando fizer as Perguntas de Controle, observe a frequência com que a pessoa toca o nariz; talvez ela nem toque. Quando fizer as Perguntas Capciosas, se a pessoa começar a tocar o nariz, eu recomendo que faça uma reavaliação, pois esse pode ser um sinal de mentira. (p. 102)

Os mentirosos tocam o nariz para esconder momentaneamente a boca com a mão (criando uma barreira cômoda/protetora) ou porque a mucosa nasal fica repleta de sangue, provocando uma sensação de coceira. O mentiroso, então, toca o nariz para aliviar o comichão. (p. 102)

Existem duas técnicas comuns usadas pelas pessoas que mentem - elas tentam esconder a boca ou juntam os lábios com a mão. É como se, inconscientemente, o mentiroso quisesse esconder a própria fonte da mentira. (p. 104)

Os adultos mentirosos tentam esconder a boca quando mentem virando-se um pouco para o lado, segurando uma caneta nos lábios enquanto falam ou, como mencionei na seção anterior, cobrindo a boca com a mão ao tocar o nariz. (p. 104)

Outra maneira pela qual a boca pode ser cúmplice de uma mentira é criando um sorriso falso. (p. 105)

Outra maneira pela qual a boca pode tentar mentir para você é simulando um bocejo. Se você conversar muito tempo com alguém que está mentindo, de vez em quando ele boceja. (p. 106)

Microexpressões são expressões de emoção estampadas no rosto da pessoa. São extremamente breves (1/25 de segundo) e geralmente não são percebidas pelo observador casual. (p. 114)

Se uma pessoa estiver usando óculos escuros, tiver feito uma cirurgia plástica ou acabado de fazer uma aplicação de Botox, nem pense em ler o rosto dela - ele lhe contará uma história bastante confusa! (p. 126)

Se os movimentos aumentarem a Resposta do Sistema Nervoso Simpático (adrenalina) está fazendo com que ela se mexa mais. Uma redução indica que ela está deliberadamente reduzindo os movimentos corporais para disfarçar a culpa. (p. 129)

Muitas vezes, quando uma pessoa mente há um conflito entre o que ela fala e o que o corpo dela demonstra. Se você observar o movimento da cabeça do mentiroso e ouvir o que ele está falando, perceberá claramente esse conflito. Ele pode dizer que concorda com o que você disse, enquanto diz "não" com a cabeça. Da mesma forma, já vi mentirosos dizerem "não" verbalmente, enquanto dizem "sim" com a cabeça. Esse conflito é um bom sinal de mentira. (p. 137)

Os mentirosos inteligentes preferem ocultar suas mentiras dentro da verdade, em vez de inventar uma história inteira. Uma maneira pela qual eles fazem isso é por um processo chamado "omissão de informação". Nesse caso, a pessoa simplesmente "pul" partes de uma história que, se fosse contada em maiores detalhes, exporia uma mentira. (p. 145)

Deflexão: Trata-se de uma maneira de desviar a atenção de alguém para outra coisa com o intuito de evitar ser questionado ou responder a uma pergunta. Os mentirosos às vezes fazem isso de maneira sutil, em geral na forma de uma resposta excessivamente detalhada. Coincidentemente, os políticos são muito bons nessa técnica! (p. 146)


sábado, 18 de março de 2017

A viagem do descobrimento : a verdadeira história da expedição de Carbral - Eduardo Bueno (2006)

Em primeiro lugar, se já não era conhecida, a existência desta "nova" terra era, quando menos, previsível. Muitos anos antes de Vasco da Gama ter avistado aves voando "muito rijas" em meio ao oceano, os portugueses estavam convictos de que outras ilhas deveriam existir a oeste dos Açores e da Madeira - onde os ventos, por vezes, faziam aportar a pena explorá-las. A Índia - com suas especiarias e suas sedas - com certeza ficava na direção oposta. (p. 12)

O nome "Brazil" provém do celta bress verbo ingês to bless (abençoar). Hy Brazil, portanto, significa " Terra Abençoada". Desde 1351 até pelo menos 1721 o nome Hy Brazil podia ser visto em mapas e globos europeus, sempre indicando uma ilha localizada no oceano Atlântico. Até 1624, expedições ainda eram enviadas à sua procura. (p. 13)

Após o sermão, pronunciado à luz de tochas, D. Diogo benzeu uma bandeira da Ordem de Cristo - ordem militar originária dos cavaleiros Templários da Idade Média - e, retirando-a do centro do altar, a entregou a el-Rei. D, Manoel passou-a então a Pedro Álvares Cabral, o nobre cavaleiro que se escalara para chefiar aquela missão e que havia convidado para sentar junto a si, sob a cortina franjada do dossel. (p. 15)

Em segundo lugar, D. Manoel ficara preocupado com a guerra que rebentara entre Vasco da Gama e o Samorim ("senhor do mar") de Calicute. Ao apresentar-se diante daquele orgulhoso soberano hindu, em maio de 1498, Gama dissera ser o representante de um rei "muito rico e poderoso", mas chegara à Índia navegando em navios pequenos e mal aparelhados. O Samorin desprezou os presentes simplórios que Gama lhe ofereceu e virtualmente o ignorou. Ofendido, o capitão português retornou ao navio e fez soar seus canhões. Informado desses incidentes pelo próprio Vasco, D. Manoel decidiu enviar o mais rapidamente possível uma frota "muito poderosa em armas e em gente luzidia" - não só pronta para a guerra como repleta de presentes caros e capitães de linhagem nobre. (p. 17)

Todos esses capitães - assim como os principais pilotos e mestres - eram homens muito bem pagos. Num livro clássico (embora controverso) chamado Lendas da Índia, escrito em 1561, o cronista Gaspar Correia listou os salários dos integrantes da armada de Cabral. A maior remuneração cabia, evidentemente, ao comandante-chefe: sabe-se que Pedro Álvares Cabral recebeu 10 mil cruzados pela viagem. Cada cruzado valia o equivalente a 3,5 gramas de ouro. Além dessa pequena fortuna, Cabral embolsaria ainda o lucro referente a 500 quintais de pimenta - ou inacreditáveis 30 toneladas - que ele tinha o direito de comprar, às próprias custas, e transportar gratuitamente no navio. A Coroa se comprometia a adquirir essa pimenta pelo valor correspondente em Lisboa - cerca de sete vezes o preço na Índia. O capitão-mor podia trazer ainda dez caixas forras (ou livres de impostos) de qualquer outra especiaria.
Os capitães das demais naus receberiam mil cruzados sobre cada cem tonéis de arqueação de seus navios (a maioria, portanto, embolsou cerca de 1,8 mil cruzados), acrescidos de seis caixas forras e da possibilidade de adquirir cinquenta quintais (ou 300 kg) de pimenta para revenda em Lisboa. Mestres e pilotos ganharam 500 cruzados, quatro caixas forras e 30 quintais de pimenta cada. Os marinheiros recebiam 10 cruzados por mês, uma caixa forra e 10 quintais de pimenta, cabendo aos grumetes a metade disso. Ainda segundo Gaspar Correia, os bombardeiros tinham a mesma remuneração que os marinheiros. Os demais soldados - chamados de "gente de armas", em contraposição a "gente do mar" - ganhavam 5 cruzados por mês e podiam transportar 3 quintais de pimenta.
Todos os integrantes da armada ainda teriam direito aos bens saqueados aos povos que entrassem em luta com os portugueses. A divisão destas "presas de guerra" era feita da seguinte forma: primeiro, o capitão-mor tirava sua parte (chamada "jóia"), cujo valor não poderia exceder 500 cruzados. Depois, era separado o quinto do rei. A seguir, o butim era dividido em três partes iguais - duas para o próprio rei, "pela armação, mantimentos e artilharia do navio", e a parte restante dividida na proporção de quinze partes para o capitão-mor, dez partes para cada capitão, quatro partes para os pilotos, três partes para os mestres, duas partes para as "gentes do mar" e duas para as "gentes de armas".
Assim sendo, qualquer tripulante que retornasse daquela viagem com certeza ascenderia economicamente na escala social. Além do mais, a "gente casada" recebera um ano de salário adiantado, "para proteção de suas famílias". (p. 25)

A vida a bordo tornava-se então mais monótona do que o habitual. Quase todas as atividades de lazer eram proibidas. Ainda assim, sempre que possível, os marujos dedicavam-se ao carteado. Quando os padres os pegavam em flagrante, "tomavam os naipes e os atiravam ao mar". Os romances de cavalaria, tidos como "uma armadilha do demônio que causava grandes danos à alma", também eram vetados. Havia teatro a bordo, mas sempre de teor religioso. Enfadonho e repetitivo, cada novo dia era anunciado pelo canto dos galos e pelo balido das ovelhas, que os capitães tinham direito de levar para bordo. (p. 39)

De fato, no início de julho de 1415, o papa Gregório XII publicara uma bula concedendo "absolvição plenária" a todos que viessem a morrer naquela tentativa de "lavar as mãos no sangue dos infiéis". Mas apenas oito portugueses iriam tombar ao longo de um combate desigual. (p. 45)

Embora um de seus objetivos fosse o de "conquistar almas", D. Henrique se revelaria um herdeiro genuíno do fanatismo dos templários, pois, além de virar o padrinho das explorações ultramarinas, tornou-se também o padroeiro da saga escravocrata dos europeus. De fato, apesar dos recursos da Ordem de Cristo serem imensos, as viagens patrocinadas por D. Henrique eram caras e deficitárias. Só depois que seus navios começaram a trazer os primeiros escravos a Portugal, em 1444, o Infante obteve lucro com a aventura exploratória que ele iniciara em 1419. (p. 53)

De acordo com o historiador Jaime Cortesão, houve, porém, uma diferença fundamental entre os dois episódios: ao contrário do que Gama fizera - e, antes dele, todos os navegantes lusos que percorriam a costa da África -, Cabral e seus homens não mostraram especiaria alguma para os índios do Brasil. Para Cortesão, esse indício é forte o bastante para comprovar que os lusos, naquele instante, já sabiam que estavam numa terra sem qualquer relação com a África ou com a Ásia. (p. 83)

Alguns historiadores vêem nessa "temeridade" de Cabral um sinal claro de que ele tinha "deliberado propósito de fazer escalas em terras ocidentais". (p. 84)

A carta de Mestre João se tornaria ainda mais famosa e polêmica porque, em determinado trecho dela, o médico-astrônomo diz: "Mande Vossa Alteza trazer o mapa-múndi que tem Pero Vaz Bisagudo e poderá ver Vossa Alteza o sítio onde se localiza essa terra". (p. 88)

Embora tenham passado dez dias junto a esse belo regato - e já estivessem em viagem havia quase dois meses -, não havia notícia de que qualquer dos homens de Cabral tenha tomado banho. (p. 89)

Após a cerimônia, frei Henrique subiu em uma cadeira, pregou o Evangelho e falou da missão "tão santa e virtuosa" que aqueles homens estavam desempenhando. Em menos de vinte dias, quase metade deles estaria morta, engolida por um naufrágio no Cabo da Boa Esperança. Dali a oito meses, mortos também estariam quase todos aqueles freis - que, agora que a missa acabara, distribuíam aos índios os crucifixos de estanho que Nicolau Coelho levara para a Índia em sua primeira viagem. (p. 91)

Na segunda metade do século XVI, quando o rei D. Manoel, o capitão-mor Pedro Álvares Cabral e o escrivão Pero Vaz de Caminha já estavam mortos havia mais de duas décadas, começaria a surgir em Lisboa a tese de que o Brasil fora descoberto por acaso. Tal teoria foi obra dos cronistas e historiadores oficiais da corte. Fernão Lopes de Castanheda, em História do Descobrimento e Conquista da Índia (publicado em 1541), João de Barros, autor de Décadas da Ásia (de 1552), Damião de Góes, que escreveu a Crônica do Felicíssimo Rei D. Manoel (em 1558), e Gaspar Correia, em Lendas da Índia (de 1561), afirmaram, todos, que a descoberta de Cabral fora fortuita e involuntária. A tese, tão de acordo com o desprezo que a Coroa reservava ao Brasil, logo se tornou verdade histórica. (p. 105)

Na verdade, a leitura atenta da carta de Caminha e da Relação do Piloto Anônimo parece revelar que tudo na viagem de Cabral decorreu na mais absoluta normalidade e que a abertura de seu rumo para oeste foi proposital. (106)


domingo, 5 de março de 2017

A teia da vida - Uma nova compreensão científica dos sistemas vivos - Fritjof Capra (2006)

Isto sabemos, todas as coisas estão ligadas como o sangue que une uma família...
Tudo o que acontece com a Terra, acontece com os filhos e filhas da Terra.
O homem não tece a teia da vida; ele é apenas um fio.
Tudo o que faz à teia, ele faz a si mesmo. (p. 9)

O problema era de percepção. Exatamente a questão central trabalhada por Capra. Os executivos em questão - por mais boa vontade que pudessem ter e por mais esforço que viessem a fazer - não estavam com seus respectivos "modelos mentais" adequadamente preparados para enxergar as conexões entre a vida empresarial e os conceitos da "Nova Ciência". (p. 14)

Em conversas recentes com Capra, uma de suas colocações que mais me impactou foi sobre como nossas percepções são interrompidas pelo "reconhecimento". Muitas vezes, quando estamos tentando perceber algo à nossa frente, o processo é interrompido por um atual arcabouço mental. Nesse momento, nosso processo "neutro" de percepção é interrompido e "rotulamos" a coisa como algo já conhecido, poupando-nos o trabalho de desvendar o inédito. (p. 14)

A Teia da Vida é um livro de excepcional relevância para todos nós - independentemente de nossa atual atividade. Sua maior contribuição no desafio que ele nos coloca na busca de uma compreensão maior da realidade em que vicemos. É um livro provocativo que nos desancora do fragmentário e do "mecânico". É um livro que nos impele adiante, em busca de novos níveis de consciência, e assim nos ajuda a enxergar com mais clareza, o extraordinário potencial e o propósito da vida. E também a admitir a inexorabilidade de certos processos da vida, convivendo lado a lado com as infinitas possibilidades disponíveis, as quais encontram-se sempre à mercê de nossa competência em acessá-las.
Minha própria experiência é que quanto mais entendemos a grande realidade na qual vivemos, mais humildes nos tornamos. Adquirimos um respeito excepcional por todos os seres vivos - sem qualquer exclusão. Passamos a ter um relacionamento melhor com todos. Desenvolvemos uma nova ética, não nos deixando levar por falsos valores. Conseguimos viver sem ansiedade, com mais flexibilidade e tolerância. (p. 16)

A tradição intelectual do pensamento sistêmico, e os modelos e teorias sobre os sistemas vivos desenvolvidos nas primeiras décadas deste século, formam as raízes conceituais e históricas do arcabouço científico discutido neste livro. De fato, a síntese das teorias e dos modelos atuis que proponho aqui pode ser vista como um esboço de uma teoria emergente sobre os sistemas vivos, que oferece uma visão unificada de mente, matéria e vida. (p. 20)

Nossos líderes não só deixam de reconhecer como diferentes problemas estão interrelacionados; eles também se recusam a reconhecer como as suas assim chamadas soluções afetam as gerações futuras. A partir do ponto de vista sistêmico, as únicas soluções viáveis são as soluções "sustentáveis". O conceito de sustentabilidade adquiriu importância-chave no movimento ecológico e é realmente fundamental. Lester Brown, do Worldwatch Institute, deu uma definição simples, clara e bela: "Uma sociedade sustentável é aquela que satisfaz suas necessidades sem diminuir as perspectivas das gerações futuras". Este, em resumo, é o grande desafio do nosso tempo: criar comunidades sustentáveis - isto é, ambientes sociais e culturais onde podemos satisfazer as nossas necessidades e aspirações sem diminuir as chances de gerações futuras. (p. 24)

Uma visão holística, digamos, de uma bicicleta significa der a bicicleta como um todo funcional e compreender, em conformidade com isso, as interdependências da suas partes. Uma visão ecológica da bicicleta inclui isso, mas acrescenta-lhe a percepção de como a bicicleta está encaixada no seu ambiente natural e social - de onde vêm as matérias-primas que entram nela, como foi fabricada, como seu uso afeta o meio ambiente natural e a comunidade pela qual ela é usada, e assim por diante. (p. 25)

É interessante notar aqui a notável conexão nas mudanças entre pensamento e valores. Ambas podem ser vistas como mudanças da auto-afirmação para a integração. Essas duas tendências - a auto-afirmativa e a integrativa - são, ambas, aspectos essenciais de todos os sistemas vivos. Nenhuma delas é, intrinsecamente, boa ou má. O que é bom, ou saudável, é um equilíbrio dinâmico; o que é mau, ou insalubre, é o desequilíbrio - a ênfase excessiva em uma das tendências em detrimento da outra. (p. 27)

Uma das coisas que notamos quando examinamos esta tabela é que os valores auto-afirmativos - competição, expansão, dominação - estão geralmente associados com homens. De fato, na sociedade patriarcal, eles não apenas são favorecidos como também recebem recompensas econômicas e pode político. (p. 27)

O poder, no sentido de dominação sobre os outros, é auto-afirmação excessiva. A estrutura social na qual é exercida de maneira mais efetiva é a hierarquia. De fato, nossas estruturas políticas, militares e corporativas são hierarquicamente ordenadas, com os homens geralmente ocupando os níveis superiores, e as mulheres, os níveis inferiores. A maioria desses homens, e algumas mulheres, chegaram a considerar sua posição na hierarquia como parte de sua identidade, e, desse modo, a mudança para um diferente sistema de valores gera neles medo existencial. (p. 28)

Durante a revolução científica no século XVII, os valores eram separados dos fatos, e desde essa época tendemos s acreditar que os fatos científicos são independentes daquilo que fazemos, e são, portanto, independentes dos nossos valores. (p. 28)

O vínculo entre ecologia e psicologia, que é estabelecido pela concepção de eu ecológico, tem sido recentemente explorado por vários autores. A ecologista profunda Joanna Macy escreve a respeito do "reverdecimento do eu", o filósofo Warwick Fox cunhou o termo "ecologia transpessoal", e o historiador cultural Theodore Roszak utiliza o termo "ecopsicologia" para expressar a conexão profunda entre esses dois campos, os quais, até muito recentemente, eram completamente separados. (p. 29)

A tensão básica é a tensão entre as partes e o todo. A ênfase nas partes tem sido chamada de mecanicista, reducionista ou atomística; a ênfase no todo, de holística, organísmica ou ecológica. Na ciência do século XX, a perspectiva holística tornou-se conhecida como "sistêmica", e a maneira de pensar que ela implica passou a ser conhecida como "pensamento sistêmico". Neste livro, usarei "ecológico" e "sistêmico" como sinônimo, sendo que "sistêmico" é apenas o termo científico mais técnico. (p. 33)

Ao contrário de Platão, Aristóteles acredita que a forma não tinha existência separada, mas era imanente à matéria. Nem poderia a matéria existir separadamente da forma. A matéria, de acordo com Aristóteles, contém a natureza essencial de todas as coisas, mas apenas como potencialidade. Por meio da forma, essa essência torna-se real, ou efetiva. O processo de auto-realização da essência nos fenômenos efetivos é chamado por Aristóteles de enteléquia ("autocompletude"). É um processo de desenvolvimento, um impulso em direção à auto-realização plena. Matéria e forma são os dois lados desse processo, apenas separáveis por meio da abstração. (p. 34)

Galileu Galilei expulsou a qualidade da ciência, restringindo esta última ao estudo dos fenômenos que podiam ser medidos e quantificados. (p. 34)

René Descartes criou o método do pensamento analítico, que consiste em quebrar fenômenos complexos em pedaços a fim de compreender o comportamento do todo a partir das propriedades das suas partes. (p. 34)

O entendimento da forma orgânica também desempenhou um importante papel na filosofia de Immanuel Kant, que é frequentemente considerado o maior dos filósofos modernos. Idealista, Kant separava o mundo fenomênico de um mundo de "coisas-em-si". Ele acreditava que a ciência só poderia oferecer explicações mecênicas, mas afirmava que em áreas onde tais explicações eram inadequadas, o conhecimento científico precisava ser suplementado considerando-se a natureza como sendo dotada de propósito. A mais importante dessas áreas, de acordo com Kant, é a compreensão da vida. (p. 36)

Essa visão da Terra como estando viva tinha, naturalmente, uma longa tradição. Imagens míticas da Terra Mãe estão entre as mais antigas da história religiosa humana. Gaia, a Deusa Terra, era cultuada como a divindade suprema na Grécia antiga, pré-helênica. Em épocas ainda mais remotas, desde o neolítico e passando pela Idade de Bronze, as sociedades da "velha Europa" adoravam numerosas divindades femininas como encarnações da Mãe Terra. (p. 36)

As descobertas de Pasteur levaram a uma "teoria microbiana das doenças", na qual as bactérias eram vistas como a única causa da doença. essa visão reducionista eclipsou uma teoria alternativa, que fora professada alguns anos antes por Claude Bernard, o fundador da moderna medicina experimental, Bernard insistiu na estreita e íntima relação entre um organismo e o seu meio ambiente interno, e foi o primeiro a assinalar que cada organismo também tem um meio ambiente interno, no qual vivem seus órgãos e tecidos. Bernard observou que, num organismo saudável, esse meio ambiente interno permanece essencialmente constante, mesmo quando o meio ambiente externo flutua consideravelmente. Seu conceito de constância do meio ambiente interno antecipou a importante noção de homeostase, desenvolvida por Walter Cannon na década de 20. (p. 37)

Como os teóricos sistêmicos enunciariam várias décadas mais tarde, o todo é mais do que a soma de suas partes.
Os vitalistas e os biólogos organísmicos diferem nitidamente em suas respostas à pergunta: "Em que sentido exatamente o todo é mais que a soma de suas partes"? Os vitalistas afirmam que alguma entidade, força ou campo não-físico deve ser acrescentada às leis da física e da química para se entender a vida. Os biólogos organísmicos afirmam que o ingrediente adicional é o entendimento da "organização", ou das "relações organizadoras". (p. 38)

A ideia vitalista foi revivida recentemente, sob uma forma muito mais sofisticada, por Rupert Sheldrake, que postula a existência de campos morfogenéticos ("geradores de forma") não-físicos como os agentes causais do desenvolvimento e da manutenção da forma biológica. (p. 39)

O bioquímico Lawrence Henderson foi influente no seu uso pioneiro do termo "sistema" para denotar tanto organismos vivos como sistemas sociais. Dessa época em diante, um sistema passou a significar um todo integrado cujas propriedades essenciais surgem das relações entre suas partes, e "pensamento sistêmico", a compreensão de um fenômeno dentro do contexto de um todo maior. Esse é, de fato, o significado raiz da palavra "sistema", que deriva do grego synhistanai ("colocar junto"). Entender as coisas sistematicamente significa, literalmente, colocá-las dentro de um contexto, estabelecer a natureza de suas relações. (p. 39)

Desde os primeiros dias da biologia organísmica, essas estruturas multiniveladas foram denominadas hierarquias. Entretanto, esse termo pode ser enganador, uma vez que deriva das hierarquias humanas, que são estruturas de dominação e de controle absolutamente rígidas, muito diferentes da ordem multinivelada que encontramos na natureza. Veremos que a importante concepção de rede - a teia da vida - fornece uma nova perspectiva sobre as chamadas hierarquias da natureza. (p. 40)

O grande impacto que adveio com a ciência do século XX foi a percepção de que os sistemas não podem ser entendidos pela análise. As propriedades das partes não são propriedades intrínsecas, mas só podem ser entendidas dentro do contexto do todo mais amplo. Desse modo, a relação entre as partes e o todo foi revertida. Na abordagem sistêmica, as propriedades das partes podem ser entendidas apenas a partir da organização do todo. Em consequência disso, o pensamento sistêmico concentra-se não em blocos de construção básicos, mas em princípios de organização básicos. O pensamento sistêmico é "contextual", o que é o oposto do pensamento analítico. A análise significa isolar alguma coisa a fim de entendê-la; o pensamento sistêmico significa colocá-la no contexto de um todo mais amplo. (p. 41)

No formalismo da teoria quântica, essas relações são expressas em termos de probabilidades, e as probabilidades são determinadas pela dinâmica do sistema todo. Enquanto que na mecânica clássica as propriedades e o comportamento das partes determinam as do todo, a situação é invertida na mecânica quântica: é o todo que determina o comportamento das partes. (p. 42)

Na virada do século, o filósofo Christian von Ehrenfels caracterizou uma Gestalt afirmando que o todo é mais do que a soma de suas partes, reconhecimento que se tornaria, mais tarde, a fórmula-chave dos pensadores sistêmicos. (p. 42)

Em última análise - como a física quântica mostrou de maneira tão dramática - não há partes, em absoluto. Aquilo que denominamos parte é apenas um padrão numa teia inseparável de relações. (p. 47)

O objetivo de Bogdanov foi o de formular uma "ciência universal da organização". Ele definiu forma organizacional como "a totalidade de conexões entre elementos sistêmicos", que é praticamente idêntica à nossa definição contemporânea de padrão de organização. Utilizando os termos "complexo" e "sistema" de maneira intercambiável, Bogdanov distinguiu três tipos de sistemas: complexos organizados, nos quais o todo é maior que a soma de suas partes; complexos desorganizados, nos quais o todo é menor que a soma de suas partes; e complexos neutros, nos quais as atividades organizadora e desorganizadora se cancelam mutuamente. (p. 52)

"Somos apenas redemoinhos num rio de águas em fluxo incessante", escreveu Wiener em 1950. "Não somos matéria-prima que permanece, mas padrões que se perpetuam". (p. 56)

Seus diálogos com Wiener e com outros ciberneticistas exerceram um duradouro impacto sobre o trabalho subsequente de Bateson. Foi um pioneiro na aplicação do pensamento sistêmico à terapia da família, desenvolveu um modelo cibernético do alcoolismo e é autor da teoria da dupla ligação da esquizofrenia, que exerceu um dos maiores impactos sobre os trabalhos de R. D. Laing e de muitos outros psiquiatras. No entanto, a contribuição mais importante de Bateson à ciência e à filosofia talvez tenha sido sua concepção de mente, baseada em princípios cibernéticos, que ele desenvolveu na década de 60. Esse trabalho revolucionário abriu as portas para a compreensão da natureza da mente como um fenômeno sistêmico, e se tornou a primeira tentativa bem-sucedida feita na ciência para superar a divisão cartesiana entre mente e corpo. (p. 59)

Tomando uma postura essencialmente behaviorista, eles argumentaram que o comportamento de qualquer máquina ou organismo que envolva auto-regulação por meio de realimentação poderia ser chamado de "propositado", pois é comportamento direcionado para um objetivo. Eles ilustraram seu modelo desse comportamento dirigido para uma meta com numerosos exemplos - um gato apanhando um rato, um cão seguindo um rastro, uma pessoa levando um copo em uma mesa, e assim por diante - e os analisaram com base nos padrões de realimentação circulares subjacentes.
Wiener e seus colegas também reconheceram a realimentação como o mecanismo essencial da homeostase, a auto-regulação que permite aos organismos vivos se manterem num estado de equilíbrio dinâmico. (p. 61)

Se o padrão lógico circular da realimentação de auto-equilibração não foi reconhecido antes da cibernética, o da realimentação de auto-reforço já era conhecido desde centenas de anos atrás, na linguagem coloquial, como um "círculo vicioso". (p. 64)

Há outras metáforas comuns para se descrever fenômenos de realimentação de auto-reforço. A "profecia que se auto-realiza", na qual temores originalmente infundados levam a ações que fazem os temores se tornarem verdadeiros, e o "efeito popularidade" - a tendência de uma causa para ganhar apoio simplesmente devido ao número crescente dos que aderem a ela - são dois exemplos bem-conhecidos. (p. 64)

Nas décadas de 50 e de 60, Ross Ashby tornou-se o principal teórico do movimento cibernético. Assim como McCulloch, Ashby era um neurologista por formação profissional, mas foi muito mais longe do que McCulloch, investigando o sistema nervoso e construindo modelos cibernéticos para os processos neurais. Em seu livro Design for a Brain, Ashley tentou explicar, de forma puramente mecanicista e determinista, o comportamento adaptativo singular do cérebro, sua capacidade para a memória e outros padrões de funcionamento do cérebro. "Será presumido", escreveu ele, "que uma máquina ou um animal se comportaram de certa maneira num certo momento porque sua natureza física e química nesse momento não lhes permitia outra ação". (p. 66)

Essa previsão é hoje tão absurda quanto o era há trinta e oito anos, e no entanto ainda se acredita amplamente nela. (p. 67)

Recentes desenvolvimentos da ciência cognitiva tornaram claro o fato de que a inteligência humana é totalmente diferente da inteligência da máquina, ou "inteligência artificial". O sistema nervoso humano não processa nenhuma informação (no sentido de elementos separados que existem já prontos no mundo exterior, a serem apreendidos pelo sistema cognitivo), mas interage com o meio ambiente modulando continuamente sua estrutura. Além disso, os neurocientistas descobriram fortes evidências de que a inteligência humana, a memória humana e as decisões humanas nunca são completamente racionais, mas sempre se manifestam coloridas por emoções, como todos sabemos a partir da experiência. Nosso pensamento é sempre acompanhado por sensações e por processos somáticos. Mesmo que, com frequência, tendamos a suprimir estes últimos, sempre pensamos também com o nosso corpo; e uma vez que os computadores não têm um tal corpo, problemas verdadeiramente humanos sempre serão estrangeiros à inteligência deles.
Essas condições implicam no fato de que certas tarefas nunca deveriam ser deixadas para os computadores, como Joseph Weizenbaum afirmou enfaticamente em seu livro clássico Computer Power and Human Reason. Essas tarefas incluem todas aquelas que exigem qualidades humanas genuínas, tais como sabedoria, compaixão, respeito, compreensão e amor. Decisões e comunicações que exigem essas qualidades desumanizarão nossas vidas se forem feitas por computadores. Citando Weizenbaum:
"Deve-se traçar uma linha divisória entre inteligência humana e inteligência de máquina. Se não houver essa linha, então os defensores da psicoterapia computadorizada poderão ser apenas os arautos de uma era na qual o homem, finalmente, seria reconhecido como nada mais que um mecanismo de relojoaria. ... A própria formulação da pergunta: 'O que um juiz (ou um psiquiatra) sabe que não podemos dizer a um computado?' é uma monstruosa obscenidade." (p. 68)

Vamos nos lembrar de que a máquina automática é o equivalente econômico preciso da mão-de-obra escrava. Qualquer mão-de-obra que compete com a mão-de-obra escrava deve aceitar as condições econômicas da mão-de-obra escrava. Está perfeitamente claro que isso produzirá uma situação de desemprego em comparação com a qual a atual recessão, e até mesmo a depressão da década de 30, parecerão uma divertida piada. (p. 69)

O empobrecimento espiritual e a perda da diversidade cultural por efeito do uso excessivo de computadores é especialmente sério no campo da educação. Como Neil Postman comentou de maneira sucinta: "Quando um computador é utilizado para a aprendizagem, o significado de 'aprendizagem' muda". O uso de computadores na educação é, com frequência, saudado como uma revolução que transformará praticamente todas as facetas do processo educacional. Essa visão é vigorosamente promovida pela poderosa indústria dos computadores, que encoraja os professores a utilizarem computadores como ferramentas educacionais em todos os níveis - até mesmo no jardim-de-infância e no período pré-escolar! - sem sequer mencionar os muitos efeitos nocivos que podem resultar dessas práticas irresponsáveis.
O uso de computadores nas escolas baseia-se na visão, hoje obsoleta, dos seres humanos como processadores de informações, o que reforça continuamente concepções mecanicistas errôneas sobre o pensamento, o conhecimento e a comunicação. A informação é apresentada como a base do pensamento, enquanto que, na realidade, a mente humana pensa com ideias e não com informações. Como Theodore Roszak mostra detalhadamente em The Cult of Information, as informações não criam ideias; as ideias criam informações. Ideias são padrões integrativos que não derivam da informação, mas sim, da experiência.
No modelo do computador para a cognição, o conhecimento é visto como livre de contexto e de valor, baseado em dados abstratos. Porém, todo conhecimento significativo é conhecimento contextual, e grande parte dele é tácita e vivencial. De maneira semelhante, a linguagem é vista como um conduto ao longo do qual são comunicadas informações "objetivas". Na realidade, como C. A. Bowers argumentou eloquentemente, a linguagem é metafórica, transmitindo entendimentos tácitos compartilhados no âmbito de uma cultura. Com relação a isso, também é importante notar que a linguagem utilizada por cientistas do computador e por engenheiros está cheia de metáforas derivadas dos militares - "comando", "evasão", "segurança contra falhas", "piloto", "alvo", e assim por diante - que introduzem tendências culturais, reforçam estereótipos e inibem certos grupos, inclusive jovens meninas em idade escolar, de participar plenamente da experiência  de aprendizagem. Um motivo semelhante de preocupação é a ligação entre computadores e violência, e a natureza militarista da maioria dos videogames para computadores.
Depois de dominar por trinta anos as pesquisas sobre o cérebro e a ciência cognitiva, e de criar um paradigma para a tecnologia que ainda está amplamente difundido nos dias atuais, o dogma do processamento de informações foi finalmente questionado de maneira séria. Argumentos críticos foram apresentados até mesmo durante a fase pioneira da cibernética. Por exemplo, argumentou-se que nos cérebros reais não existem regras: não há processador lógico central, e as informações não estão armazenadas localmente. Os cérebros parecem operar com base numa conexidade generalizada, armazenando distributivamente as informações e manifestando uma capacidade de auto-organização que jamais é encontrada nos computadores. No entanto, essas ideias alternativas foram eclipsadas em favor da visão computacional dominante, até que reemergiram trinta anos mais tarde, na década de 70, quando os pensadores sistêmicos ficaram fascinados por um novo fenômeno de nome evocativo: auto-organização. (p. 70)

Manfred Eigen, prêmio Nobel de química e diretor do Instituto Max Plack de Física-Química, em Göttingen, propôs, no começo da década de 70, que a origem da vida na Terra pode ter sido o resultado de um processo de organização progressiva em sistemas químicos afastados do equilíbrio, envolvendo "hiperciclos" de laços de realimentação múltiplos. Eigen, com efeito, postulou uma fase pré-biológica de evolução, na qual processos de seleção ocorrem no domínio molecular "como uma propriedade material inerente em sistemas de reações especiais", e introduziu o termo "auto-organização molecular" para descrever esses processos evolutivos pré-biológicos. (p. 85)

Assim, esses hiperciclos químicos são sistemas suto-organizadores que não podem ser adequadamente chamados de "vivos" porque carecem de algumas características básicas da vida. No entanto, devem ser entendidos como precursores dos sistemas vivos. Parece que a lição a ser aprendida aqui é a de que as raízes da vida atingem o domínio da matéria não-viva.
Uma das mais notáveis propriedades dos hiperciclos, que os torna semelhantes à vida, é a de que eles podem evoluir passando por instabilidades e criando níveis de organização sucessivamente mais elevados, que se caracterizam por diversidade crescente e pela riqueza de componentes e de estruturas. Eigen assinala que os novos hiperciclos criados dessa maneira podem competir por seleção natural, e se refere explicitamente à teoria de Prigogine para descrever o processo todo: "A ocorrência de uma mutação com vantagem seletiva corresponde a uma instabilidade, que pode ser explicada com a ajuda da [teoria] ... de Prigogine e Glansdorff". (p. 86)

A partir dessas pesquisas, duas questões principais cristalizaram-se na mente de Maturana. Como ele lembrou mais tarde: "Entrei numa situação na qual minha vida acadêmica ficou dividida, e me orientei para a procura das respostas a duas perguntas que pareciam seguir em sentidos opostos, a saber: 'Qual é a organização da vida?' e 'O que ocorre no fenômeno da percepção?'" (p. 87)

A segunda conclusão que Maturana extraiu do fechamento circular do sistema nervoso corresponde a uma compreensão radicalmente nova da cognição. Ele postulou que o sistema nervoso é não somente auto-organizador mas também continuamente auto-referente, de modo que a percepção não pode ser vista como a representação de uma realidade externa, mas deve ser entendida como a criação contínua de novas relações dentro da rede neural: "As atividades das células nervosas não refletem um meio ambiente independente do organismo vivo e, consequentemente, não levam em consideração a construção de um mundo exterior absolutamente existente".
De acordo com Maturana, a percepção e, mais geralmente, a cognição não representam uma realidade exterior, mas, em vez disso, especificam uma por meio do processo de organização circular do sistema nervoso. Com base nessa premissa, Maturana deu o passo radical de postular que o próprio processo de organização circular - com ou sem um sistema nervoso - é idêntico ao processo de cognição: "Sistemas vivos são sistemas cognitivos, e a vida como um processo é um processo de cognição. Essa afirmação vale para todos os organismos, com ou sem um sistema nervoso". (p. 88)

A organização de um sistema vivo, eles explicam, é o conjunto de relações entre os seus componentes que caracteriza o sistema como pertencendo a uma determinada classe (tal como uma bactéria, um girassol, um gato ou um cérebro humano). A descrição dessa organização é uma descrição abstrata de relações e não identifica os componentes. Os autores supões que a autopoiese é um padrão geral de organização comum a todos os sistemas vivos, qualquer que seja a natureza dos seus componentes. (p. 89)

Ao mesmo tempo, o químico especializado na química da atmosfera, James Lovelock, fez uma descoberta iluminadora que o levou a formular um modelo que é, talvez, a mais surpreendente e mais bela expressão da auto-organização - a ideia de que o planeta Terra como um todo é um sistema vivo, auto-organizador. (p. 90)

Eles descobriram que as composições químicas das duas atmosferas são notavelmente semelhantes. Embora haja muito pouco oxigênio, uma porção de dióxido de carbono (CO²) e nenhum metano na atmosfera de Marte, a atmosfera da Terra contém grande quantidade de oxigênio, quase nenhum CO² e uma porção de metano.
Lovelock compreendeu que a razão para esse perfil atmosférico particular em Marte é que, num planeta sem vida todas as reações químicas possíveis entre os gases na atmosfera foram completadas muito tempo atrás. Hoje, não há mais reações químicas possíveis em Marte; há um total equilíbrio químico na atmosfera marciana. (p. 91)

Será que a vida na Terra não somente criou a atmosfera, mas também a regula - mantendo-a com uma composição constante, e num nível favorável aos organismos? (p. 92)

Margulis lembra-se de que continuava perguntando: "Por que todos concordam com o fato de que o oxigênio atmosférico ... provém da vida, mas ninguém fala sobre os outros gases atmosféricos que provêm da vida?" Logo depois, vários colegas dela recomendaram que conversasse com James Lovelock, o que levou a uma longa e proveitosa colaboração, a qual resultou na hipótese de Gaia plenamente científica. (p. 93)

Nas palavras de Lynn Margulis: "Enunciada de maneira simples, a hipótese [de Gaia] afirma que a superfície da Terra, que sempre temos considerado o meio ambiente da vida, é na verdade parte da vida. A manta de ar - a troposfera - deveria ser considerada um sistema circulatório, produzido e sustentado pela vida. ... Quando os cientistas nos dizem que a vida se adapta a um meio ambiente essencialmente passivo de química, física e rochas, eles perpetuam uma visão seriamente distorcida. A vida, efetivamente, fabrica e modela e muda o meio ambiente ao qual se adapta. Em seguida, esse !meio ambiente" realimenta a vida que está mudando e atuando e crescendo nele. Há interações cíclicas constantes." (p. 94)

De fato, a imagem de Gaia como um ser sensível foi o principal argumento implícito para a rejeição da hipótese de Gaia depois de sua publicação. Os cientistas expressaram essa rejeição alegando que a hipótese era não-científica porque era teleológica - isto é, implicava a ideia de processos naturais sendo modelados por um propósito. "Nem Lynn Margulis nem eu jamais propusemos que a auto-regulação planetária é propositada", protesta Lovelock. "Não obstante, temos encontrado críticas persistentes, quase dogmáticas, afirmando que nossa hipótese é teleológica". (p. 95)

A teoria dos sistemas vivos que está emergindo nos dias atuais finalmente superou a discussão entre mecanicismo e teleologia. Como veremos, ela concebe a natureza viva como consciente (mindful) e inteligente sem a necessidade de supor qualquer plano ou propósito global. (p. 95)

Galileu herdou essa visão dos filósofos da antiga Grécia, que tendiam a geometrizar todos os problemas matemáticos e a procurar respostas em termos de figuras geométricas. Dizia-se que a Academia de Platão, em Atenas, a principal escola grega de ciência e de filosofia durante nove séculos, ostentava uma tabuleta acima de sua porta de entrada com os dizeres: "Não entre aqui se não estiver familiarizado com a geometria". (p. 100)

A exploração dos sistemas não-lineares ao longo das últimas décadas tem exercido um profundo impacto sobre a ciência como um todo, pois está nos obrigando a reavaliar algumas noções muito básicas sobre as relações entre um modelo matemático e os fenômenos que ele descreve. Uma dessas noções refere-se à nossa compreensão da simplicidade e da complexidade.
No mundo das equações lineares, nós pensávamos que sabíamos que sistemas descritos por equações simples se comportavam de maneira simples, ao passo que aqueles descritos por equações complicadas se comportavam de maneiras complicadas. No mundo não-linear - que inclui a maior parte do mundo real, como começamos a descobrir - equações deterministas simples podem produzir uma riqueza e uma variedade de comportamentos insuspeitadas. Por outro lado, comportamentos complexos e aparentemente caóticos podem dar origem a estruturas ordenadas, a padrões belos e sutis. De fato, na teoria do caos, o termo "caos" adquiriu um novo significado técnico. O comportamento de sistemas caóticos não é meramente aleatório, mas exibe um nível mais profundo de ordem padronizada. Como veremos adiante, as novas técnicas matemáticas nos permitem tornar esses padrões subjacentes visíveis sob formas distintas. (p. 107)

Em sistemas não-lineares, ao contrário, pequenas mudanças podem ter efeitos dramáticos, pois podem ser amplificadas repetidamente por meio de realimentação de auto-reforço. Esses processos de realimentação não-lineares constituem a base das instabilidades e da súbita emergência de novas formas de ordem, tão típicas da auto-organização. (p. 107)

Até mesmo os computadores mais poderosos arredondam os seus cálculos após um certo número de casas decimais, e, depois de um certo número de iterações, até mesmo os mais diminutos erros arredondados terão se acumulado a ponto de produzirem uma incerteza suficiente para tornar impossível as previsões. A transformação do padeiro é um protótipo dos processos não-lineares, altamente complexos e imprevisíveis, conhecidos tecnicamente como caos. (p 109)

Assim, a nova matemática representa uma mudança da quantidade para a qualidade, o que é característico do pensamento sistêmico em geral. Enquanto a matemática convencional lida com quantidades e com fórmulas, a teoria dos sistemas dinâmicos lida com qualidades e com padrões. (p. 116)

Como nos lembra Mandelbrot: "A maior parte da natureza é muito, muito complicada. Como se poderia descrever uma nuvem? Uma nuvem não é uma esfera. ... É como uma bola, porém muito irregular. Uma montanha? Uma montanha não é um cone. ... Se você quer falar de nuvens, de montanhas, de rios, de relâmpagos, a linguagem geométrica aprendida na escola é inadequada". (p. 118)

A propriedade mais notável dessas formas "fractais" é que seus padrões característicos são repetidamente encontrados em escala descendente, de modo que suas partes, em qualquer escala, são, na forma, semelhantes ao todo. Mandelbrot ilustra essa propriedade da "auto-similaridade" arrancando um pedaço de uma couve-flor e indicando que, por si mesmo, esse pedaço se parece exatamente com uma pequena couve-flor. (p. 118)

Descartes chamava de "imaginária" a raiz quadrada de um número negativo, e acreditava que a ocorrência desses números "imaginários" em um cálculo significava que o problema não tinha solução. Outros matemáticos utilizavam termos tais como "fictícias", "sofisticadas" ou "impossíveis" para rotular essas quantidades que hoje, seguindo Descartes, ainda chamamos de "números imaginários". (p. 122)

O grande Leibniz, inventot do cálculo diferencial, atribuía uma qualidade mística à raiz quadrada de -1, vendo-a como uma manifestação do "Espírito Divino" e chamando-a de "aquele anfíbio entre o ser e o não-ser". (p. 122)

Para cada constante e será obtido um conjunto diferente; portanto, há um número infinito desses conjuntos. Alguns deles são peças (ou pedaços) isoladas ou conexas; outros estão quebrados em várias peças desconexas; outras ainda parecem ter explodido em poeira. Todos têm a aparência dentada característica das fractais, e é impossível descrever a maior parte deles na linguagem da geometria clássica. "Você consegue uma variedade incrível de conjuntos de Julia", maravilha-se o matemático francês Adrien Douady. "Alguns são nuvens gordas, outros são macilentos arbustos cheios de espinhos, alguns se parecem com faíscas que flutuam no ar depois que um fogo de artifício se desfez. Um tem a forma de um coelho, muitos deles têm caudas de cavalo-marinho". (p. 125)

Para descobrir se um determinado conjunto de Julia é conexo ou desconexo, tudo o que se tem a fazer é iterar o ponto de partida z=0. Se esse ponto permanecer finito sob iterações repetidas, o conjunto de Julia é sempre conexo, por mais enrugado que possa ser; se não permanecer finito ele é sempre desconexo. (p. 125)

Em cada escala dessa viagem fantástica - para a qual a potência dos computadores atuais pode produzir ampliações de até cem milhões de vezes! - a figura assemelha-se a um litoral ricamente fragmentado, mas delineia formas que parecem orgânicas em sua complexidade sem fim. E, de vez em quando, fazemos uma descoberta estranha e misteriosa - uma réplica minúscula de todo o conjunto de Mandelbrot enterrada nas profundezas da estrutura do seu contorno. (p. 127)

O termo psicodélico ("que manifesta a mente") foi inventado porque pesquisas detalhadas demonstraram que essas drogas atuam como amplificadores, ou como catalisadores, de processos mentais inerentes. Pareceria, portanto, que os padrões fractais que constituem uma característica tão notável da experiência com o LSD devem, de alguma maneira, estar incorporados no cérebro humano. O fato de a geometria fractal e o LSD surgirem em cena aproximadamente na mesma época é uma dessas notáveis coincidências - ou seriam sincronicidades? - que têm ocorrido com tanta frequência na história das ideias. (p. 128)

Porém essa estrutura cuja riqueza desafia a imaginação humana é gerada por algumas regras muito simples. Por isso, a geometria fractal, assim como a teoria do caos, forçou os cientistas e os matemáticos a reexaminar a própria concepção de complexidade. (p. 128)

O teórico do caos Ralph Abraham se lembra: "Quando comecei meu trabalho profissional em matemática, em 1960, o que não faz muito tempo, a matemática moderna, na sua totalidade - na sua totalidade -, foi rejeitada pelos físicos, inclusive pelos teóricos mais vanguardistas. ... Tudo o que estivesse apenas um ano ou dois além do que Einstein utilizara era totalmente rejeitado. ... Os físicos matemáticos recusavam aos seus alunos de graduação permissão para seguir cursos de matemática ministrados por matemáticos: 'Façam matemática conosco. Nós lhes ensinaremos tudo o que vocês precisam saber. ...' Isto foi em 1960. Por volta de 1968, a situação se inverteu totalmente". (p. 129)

Podemos agora voltar à questão central deste livro: "O que é a vida?" Minha tese é a de que uma teoria dos sistemas vivos consistente com o arcabouço filosófico da ecologia profunda, incluindo uma linguagem matemática apropriada e implicando uma compreensão não-mecanicista e pós-cartesiana da vida, está emergindo nos dias de hoje. (p. 133)

Vim a acreditar que a chave para uma teoria abrangente dos sistemas vivos reside na síntese dessas duas abordagens - o estudo do padrão (ou forma, ordem, qualidade) e o estudo da estrutura (ou substância, matéria, quantidade). (p. 133)

O padrão de organização de qualquer sistema, vivo ou não-vivo, é a configuração de relações entre os componentes do sistema que determinam as características essenciais desse sistema. (p. 134)

Em resumo, proponho entender a autopoiese, tal como é definida por Maturana e Varela, como o padrão da vida (isto é, o padrão de organização dos sistemas vivos); a estrutura dissipativa, tal como é definida por Prigogine, como a estrutura dos sistemas vivos; e a cognição, tal como foi definida inicialmente por Gregory Bateson e mais plenamente por Maturana e Varela, como o processo da vida. (p. 135)

O padrão de organização determina as características essenciais de um sistema. Em particular, determina se o sistema é vivo ou não-vivo. A autopoiese - o padrão de organização dos sistemas vivos - é, pois, a característica que define a vida na nova teoria. Para descobrir se um determinado sistema - um cristal, um vírus, uma célula ou o planeta Terra - é vivo, tudo o que precisamos fazer é descobrir se o seu padrão de organização é o de uma rede autopoiética. Se for, estamos lidando com um sistema vivo; se não for, o sistema é não-vivo. (p. 135)

Na nova teoria, todos os sistemas vivos são sistemas cognitivos, e a cognição sempre implica a existência de uma rede autopoiética. (p. 136)

Então, a autopoiese é vista como o padrão subjacente ao fenômeno da auto-organização, ou autonomia, que é tão característico de todos os sistemas vivos. (p. 140)

Além disso, a contínua autocriação também inclui a capacidade de formar novas estruturas e novos padrões de comportamento. (p. 141)

Um ponto sutil mas importante na definição de autopoiese é o fato de que uma rede autopoiética não é um conjunto de relações entre componentes estáticos (como, por exemplo, o padrão de organização de um cristal), mas, sim, um conjunto de relações entre também pára. Em outras palavras, redes autopoiéticas devem, continuamente, regenerar a si mesmas para manter sua organização. Esta, naturalmente, é uma característica bem-conhecida da vida. (p. 141)

A propriedade fundamental desses ciclos é a sua capacidade para atuar como laços de realimentação não somente de auto-equilibração, mas também de auto-amplificação, os quais podem afastar o sistema, cada vez mais, para longe do equilíbrio, até que seja alcançado um limiar de estabilidade. Esse limiar é denominado "ponto de bifurcação". Trata-se de um ponto de instabilidade, do qual novas formas de ordem podem emergir espontaneamente, resultando em desenvolvimento e em evolução. (p. 143)

De acordo com a teoria dos sistemas vivos, a mente não é uma coisa mas sim um processo - o próprio processo da vida. Em outras palavras, a atividade organizadora dos sistemas vivos, em todos os níveis da vida, é a atividade mental. As interações de um organismo vivo - planta, animal ou ser humano - com seu meio ambiente são interações cognitivas, ou mentais. Desse modo, a vida e a cognição se tornam inseparavelmente ligadas. A mente - ou, de maneira mais precisa, o processo mental - é imanente na matéria em todos os níveis da vida. (p. 144)

Bateson discriminou um conjunto de critérios aos quais os sistemas precisam satisfazer para que a mente ocorra. Qualquer sistema que satisfaça esses critérios será capaz de desenvolver os processos que associamos com a mente - aprendizagem, memória, tomada de decisões, e assim por diante. Na visão de Bateson, esses processos mentais são uma consequência necessária e inevitável de uma certa complexidade que começa muito antes de os organismos desenvolverem cérebros e sistemas nervosos superiores. Ele também enfatizou o fato de que a mente se manifesta não apenas em organismos individuais, mas também em sistemas sociais e em ecossistemas. (p. 144)

Era claro para ele que o fenômeno da mente estava inseparavelmente ligado com o fenômeno da vida. Quando olhava para o mundo vivo, reconhecia sua atividade organizadora como sendo, essencialmente, uma atividade mental. Em suas próprias palavras, "a mente é a essência do estar vivo". (p. 145)

Por coincidência - ou seria talvez por intuição? - Maturana se debateu, simultaneamente, com duas questões que, para ele, pareciam levar a sentidos opostos: "Qual é a natureza da vida?" e "O que é cognição?" Finalmente, ele acabou descobrindo que a resposta à primeira questão - a autopoiese - lhe fornecia o arcabouço teórico para responder à segunda. O resultado é um teoria sistêmica da cognição, desenvolvida por Maturana e Varela, que às vezes é chamada de teoria de Santiago. (p. 145)

De acordo com a teoria de Santiago, o cérebro não é necessário para que a mente exista. Uma bactéria, ou uma planta, não tem cérebro mas tem mente. Os organismos mais simples são capazes de percepção, e portanto de cognição. Eles não Vêem, mas não obstante, percebem mudanças em seu meio ambiente - diferenças entre luz e sombra, entre quente e frio, concentrações mais altas e mais baixas de alguma substância química, e coisas semelhantes.
A nova concepção de cognição, o processo de conhecer, é, pois, muito mais ampla que a concepção do pensar. Ela envolve percepção, emoção e ação - todo o processo da vida. No domínio humano, a cognição também inclui a linguagem, o pensamento conceitual e todos os outros atributos da consciência humana. (p. 145)

Até mesmo recentemente, em 1994, os editores de uma antologia intitulada Consciousness in Philisophy and Cognitive Neuroscience afirmaram sinceramente em sua introdução: "Mesmo que todos concordem com o fato de que a mente tem algo a ver com o cérebro, ainda não existe um acordo geral quanto à natureza exata da relação entre ambos".
Na Na teoria de Santiago, a relação entre mente e cérebro é simples e clara. A caracterização, feita por Descartes, da mente como sendo "a coisa pensante" (res cogitans) finalmente é abandonada. A mente não é uma coisa, mas um processo - o processo de cognição, que é identificado com o processo da vida. O cérebro é uma estrutura específica por meio da qual esse processo opera. Portanto, a relação entre mente e cérebro é uma relação entre processo e estrutura.
O cérebro não é, naturalmente, a única estrutura por meio da qual o processo de cognição opera. Toda a estrutura dissipativa do organismo participa do processo da cognição, quer o organismo tenha ou não um cérebro e um sistema nervoso superior. Além disso, pesquisas recentes indicam fortemente que, no organismo humano, o sistema nervoso, o sistema imunológico e o sistema endócrino, os quais, tradicionalmente, têm sido concebidos como três sistemas separados, formam na verdade uma única rede cognitiva. (p. 146)

A Figura 8-1 mostra uma representação de uma cadeia (ou ciclo) alimentar típica. À medida que as plantas são comidas por animais, que por sua vez são comidos por outros animais, os nutrientes das plantas passam pela teia alimentar, enquanto a energia é dissipada como calor por meio da respiração e como resíduos por meio da excreção. Os resíduos, bem como os animais e as plantas mortas, são decompostos pelos assim chamados organismos decompositores (insetos e bactérias), que os quebram em nutrientes básicos, para serem mais uma vez assimilados pelas plantas verdes. Dessa maneira, nutrientes e outros elementos básicos circulam continuamente através do ecossistema, embora a energia seja dissipada em cada estágio. Daí a máxima de Eugene Odum: "A matéria circula, a energia se dissipa". O único resíduo gerado pelo ecossistema como um todo é a energia térmica da respiração, que é irradiada pela atmosfera e reabastecida continuamente pelo Sol graças à fotossíntese. (p. 148)

Um organismo vivo é caracterizado por um fluxo de uma mudança contínuos no seu metabolismo, envolvendo milhares de reações químicas. O equilíbrio químico e térmico ocorre quando todos esses processos param. Em outras palavras, um organismo em equilíbrio é um organismo morto. Organismos vivos se mantêm continuamente num estado afastado do equilíbrio, que é o estado da vida. Embora muito diferente do equilíbrio, esse estado é, não obstante, estável ao longo de extensos períodos de tempo., e isso significa que, como acontece num redemoinho de água, a mesma estrutura global é mantida a despeito do fluxo em andamento e da mudança dos componentes. (p. 150)

Na nova ciência da complexidade, que tira sua inspiração da teia da vida, aprendemos que o não-equilíbrio é uma fonte de ordem. (p. 156)

Em vez de ser uma máquina, a natureza como um todo se revela, em última análise, mais parecida com a natureza humana - imprevisível, sensível ao mundo circunvizinho, influenciada por pequenas flutuações. Consequentemente, a maneira apropriada de nos aproximarmos da natureza para aprender acerca da sua complexidade e da sua beleza não é por meio da dominação e do controle, mas sim, por meio do respeito, da cooperação e do diálogo. (p. 158)

Os atratores periódicos, cada um deles embutido em sua própria bacia de atração, constituem as mais importantes características das redes binárias. Extensas pesquisa têm mostrado que uma ampla variedade de sistemas vivos - inclusive redes genéticas, sistemas imunológicos, redes neurais, sistemas de órgãos e ecossistemas - podem ser representados por redes binárias que exibem vários atratores alternativos. (p. 165)

Desse modo, redes binárias complexas exibem três amplos regimes de comportamento: um regime ordenado com componentes congelados, um regime caótico sem componentes congelados e uma região fronteiriça entre ordem e caos, onde componentes congelados apenas começam a se "liquefazer". A hipótese central de Kauffman é a de que os sistema vivos existem nessa região limítrofe perto da "margem do caos". Ele afirma que, nas profundezas do regime ordenado, as ilhas de atividade seriam pequenas demais para que o comportamento complexo se propagasse através do sistema. Por outro lado, nas profundezas do regime caótico, o sistema seria demasiadamente sensível a pequenas perturbações para conseguir manter sua organização. Desse modo, na visão de Kauffman, a seleção natural pode favorecer e sustentar os sistemas vivos na "margem do caos", pois esses sistemas podem ter maior capacidade para coordenar um comportamento complexo e flexível, maior capacidade para se adaptar e evoluir. (p. 166)

O conjunto completo de genes de um organismo, o assim chamado genoma, forma uma imensa rede interconectada, rica em laços de realimentação, na qual os genes, direta ou indiretamente, regulam as atividades uns dos outros. (p. 166)

Depois desse primeiro exemplo de química autopoiética, os pesquisadores na ETH foram bem-sucedidos em criar outro tipo de estrutura química, que é ainda mais relevante para os processos celulares, pois, conforme se pensa, seus principais ingredientes - os assim chamados ácidos graxos - constituem o material para as paredes celulares primordiais. Os experimentos consistem em produzir gotículas de água esféricas circundadas por conchas dessas substâncias graxas, que têm a estrutura semipermeável típica das membranas biológicas (mas sem os seus componentes de proteínas) e geram laços catalíticos que resultam num sistema autopoiético. (p. 170)

Desse modo, nas palavras de Maturana e Varela: "O organismo restringe a criatividade individual de suas unidades componentes, visto que essas unidades existem para esse organismo. O sistema social humano amplifica a criatividade individual de seus componentes, pois esse sistemas existe para esses componentes".
Organismos e sociedades humanas são, portanto, tipos muito diferentes de sistemas vivos. Regimes políticos totalitários têm, com frequência, restringindo gravemente a autonomia de seus membros e, ao fazê-lo, despersonalizou-os e desumanizou-os. Desse modo, as sociedades fascistas funcionam mais como organismos, e não é uma coincidência o fato de as ditaduras, muitas vezes, gostarem de usar a metáfora da sociedade como um organismo vivo. (p. 171)

O ponto central de Luhmann consiste em identificar os processos sociais da rede autopoiética como processos de comunicação: "Os sistemas sociais usam a comunicação como seu modo particular de reprodução autopoiética. Seus elementos são comunicações que são ... produzidas e reproduzidas por uma rede de comunicações e que não podem existir fora dessa rede". (p. 172)

O sistema planetário opera numa escala muito grande no espaço e também envolve longas escalas de tempo. Desse modo, não é tão fácil pensar em Gaia como sendo viva de uma maneira concreta. O planeta todo é vivo ou apenas certas partes dele são vivas? E, nesse último caso, que partes? Para nos ajudar a conceber Gaia como um sistema vivo, Lovelock sugeriu a analogia com uma árvore. Numa árvore crescida, há somente uma fina camada de células vivas ao redor do seu perímetro, logo abaixo da casca. Toda a madeira interna, mais de 97 por cento da árvore, está morta. De maneira semelhante, a Terra está coberta por uma fina camada de organismos vivos - a biosfera - que se aprofunda no oceano por cerca de 8 quilômetros até pouco mais de 9,5 quilômetros, e se ergue na atmosfera numa distância equivalente. Portanto, a parte viva de Gaia é apenas uma delgada película ao redor do globo. Se o planeta for representado por uma esfera do tamanho de uma bola de basquete, com os oceanos e os países pintados em sua superfície, a espessura da biosfera terá justamente a espessura aproximada dessa camada de tinta! (p. 173)

O sistema de Gaia é também claramente autogerador. O metabolismo planetário converte substâncias inorgânicas em matéria orgânica viva, e novamente em solos, oceanos e ar. Todos os componentes da rede de Gaia, incluindo aqueles de sua fronteira atmosférica, são produzidos por processos internos à rede. (p. 174)

Até mesmo hoje os organismos vivos visíveis funcionam somente devido às suas conexões bem-desenvolvidas com a teia bacteriana da vida. "Longe de deixar os microorganismos para trás numa 'escada' evolutiva", escreve Margulis, "somos tanto rodeados como compostos por eles. ... [Temos de] pensar a respeito de nós mesmos e do nosso meio ambiente como um mosaico evolutivo de vida microcósmica". (p. 174)

Muitas dessas mudanças cíclicas ocorrem muito mais depressa do que se poderia imaginar. Por exemplo, nosso pâncreas repõe a maior parte de suas células a cada vinte e quatro horas, as células que revestem o nosso estômago são reproduzidas a cada três dias, os glóbulos brancos do nosso sangue são renovados em dez dias, e 98 por cento das proteínas de nosso cérebro dão uma rodada completa em menos de um mês. Ainda mais surpreendente é o fato de que nossa pele substitui suas células a uma taxa de cem mil células por minuto. De fato, a maior parte da poeira de nossas casas consiste em células mortas da nossa pele. (p. 176)

Agora, uma vez que a estrutura de um organismo, em qualquer ponto de seu desenvolvimento, é um registro de suas mudanças estruturais anteriores, e uma vez que cada mudança estrutural influencia o comportamento futuro do organismo, isso implica que o comportamento do organismo vivo é determinado pela sua estrutura. Desse modo, um sistema vivo é determinado de diferentes maneiras pelo seu padrão de organização e pela sua estrutura. O padrão de organização determina a identidade do sistema (suas características essenciais); a estrutura, formada por uma sequência de mudanças estruturais, determina o comportamento do sistema. Na terminologia de Maturana, o comportamento dos sistemas vivos é "determinado pela estrutura" (structure-determined). (p. 177)

Darwin baseou sua teoria em duas ideias fundamentais - variação casual, que seria posteriormente denominada mutação aleatória, e seleção natural. No centro do pensamento darwinista está a introvisão segundo a qual todos os organismos vivos são apresentados com ancestrais comuns. Todas as formas de vida emergiram desses ancestrais por meio de um processo contínuo de variações ao longo de todos os bilhões de anos de história geológica. Nesse processo evolutivo, são produzidas muito mais variações do que as que podem sobreviver, e, dessa maneira, muitos indivíduos são eliminados por seleção natural, conforme algumas variantes apresentam crescimento excessivo e sufocam a produção de outras. (p. 180)

A combinação da ideia de Darwin de mudanças evolutivas graduais com a descoberta de Mendel da estabilidade genética resultou na síntese conhecida como neodarwinismo, que é hoje ensinada, como a teoria da evolução estabelecida, nos departamentos de biologia em todo o mundo. De acordo com a teoria neodarwiniana, toda variação evolutiva resulta de mutação aleatória - isto é, de mudanças genéticas aleatórias - seguida por seleção natural. Por exemplo, se uma espécie animal precisa de uma pele espessa para sobreviver num clima frio, ela não responderá a essa necessidade fazendo com que ocorra o crescimento do pelo, mas, em vez disso, desenvolverá todo o tipo de mudanças genéticas aleatórias, e os animais cujas mudanças resultem em pele espessa sobreviverão para produzir mais prole. Desse modo, nas palavras do geneticista Jacques Monod: "Apenas o acaso está na fonte de toda inovação, de toda criação na biosfera". (p. 180)

O problema conceitual de importância central do neodarwinismo é, pelo que parece, sua concepção reducionista do genoma, a coleção dos genes de um organismo. As grandes realizações da biologia molecular, com frequência descritas como "a quebra do código genético", resultaram na tendência para representar o genoma como um arranjo linear de genes independentes, cada um deles correspondendo a uma característica biológica.
No entanto, pesquisas têm mostrado que um único gene pode afetar um amplo espectro de características, e que, inversamente, muitos genes separados comunicam-se com frequência para produzir uma única característica. Portanto, é muito misterioso o processo pelo qual estruturas complexas, como um olho ou uma flor, poderiam ter evoluído por meio de mutações sucessivas de genes individuais. Evidentemente, o estudo das atividades coordenadoras e integradoras de todo o genoma é de importância suprema, mas esta tem sido seriamente dificultada pela perspectiva mecanicista da biologia convencional. Apenas muto recentemente os biólogos começaram a entender o genoma de um organismo como uma rede intensamente entrelaçada e a estudar suas atividades a partir de uma perspectiva sistêmica. (p. 181)

O registro fóssil mostra claramente que, ao longo de toda a história da evolução, tem havido extensos períodos de estabilidade, ou "estase", sem nenhuma variação genética, pontuados por súbitas e dramáticas transições. Períodos estáveis de centenas de milhares de anos são a norma. (p. 181)

Um aspecto importante da teoria clássica da evolução é a ideia de que, no decurso da mudança evolutiva e sob a pressão da seleção natural, os organismos, gradualmente, se adaptam ao seu meio até atingir um ajuste que seja com o bastante para a sobrevivência e a reprodução. Na nova visão sistêmica, ao contrário, a mudança evolutiva é vista como o resultado da tendência inerente da vida para criar novidade, a qual pode ou não ser acompanhada de adaptação às condições ambientais em mudança. (p. 182)

"Devemos repensar a biologia evolutiva", escreve Stuart Kauffman. "Grande parte da ordem que vemos nos organismos pode ser o resultado direto não da seleção natural, mas da ordem natural sobre a qual a seleção foi privilegiada para atuar. ... A evolução não é um mero remendo. ... É ordem emergente honrada e afiada pela seleção". (p. 182)

A teoria de Prigogine das estruturas dissipativas mostra como sistemas bioquímicos complexos, operando afastados do equilíbrio, geram laços catalíticos que levam a instabilidades e podem produzir novas estruturas de ordem superior. Manfred Eigen sugeriu que ciclos catalíticos semelhantes podem ter se formado antes da emergência da vida na Terra, iniciando assim uma fase pré-biológica da evolução. Stuart Kauffman utilizou redes binárias como modelos matemáticos das redes genéticas de organismos vivos, e foi capaz de deduzir, com base nesses modelos, várias características conhecidas de diferenciação e de evolução celular. Humberto Maturana e Francisco Varela descreveram o processo da evolução em termos de sua teoria da autopoiese, vendo a história da evolução de uma espécie como a história do seu acoplamento estrutural. E James Lovelock e Lynn Margulis, em sua teoria de Gaia, exploram as dimensões planetárias do desdobramento da vida.
A teoria de Gaia, assim como o trabalho anterior de Lynn Margulis em microbiologia, expuseram o erro da estreita concepção darwiniana de adaptação. Ao longo de todo o mundo vivo, a evolução não pode ser limitada à adaptação de organismos ao seu meio ambiente, pois o próprio meio ambiente é modelado por uma rede de sistemas vivos capazes de adaptação e de criatividade. Portanto, o que se adapta ao quê? Cada qual se adapta aos outros - eles co-evoluem. Nas palavras de James Lovelock: "A evolução dos organismos vivos está estreitamente acoplada com a evolução do seu meio ambiente que, juntas, elas constituem um único processo evolutivo". (p. 182)

Durante esses dois bilhões de anos, as bactérias transformaram continuamente a superfície da Terra e a sua atmosfera, e, ao fazê-lo, inventaram todas as biotecnologias essenciais da vida, inclusive a fermentação, a fotossíntese, a fixação do nitrogênio, a respiração e os dispositivos motores para movimento rápido.
Nas três últimas décadas, extensas pesquisas em microbiologia têm revelado três dos principais caminhos da evolução. O primeiro, porém menos importante, é a mutação aleatória dos genes, a peça central da teoria neodarwiniana. A mutação dos genes é causada por um erro casual na auto-replicação do ADN, quando as duas cadeias da dupla hélice do ADN se separam, e cada uma delas serve como molde, ou gabarito, para a construção de uma cadeia complementar. (p. 183)

A velocidade com que a resistência às drogas se espalha entre as comunidades de bactérias é uma prova dramática de que a eficiência de sua rede de comunicações é imensamente superior à da adaptação por meio de mutações. (p. 184)

O constante intercâmbio de genes entre as bactérias resulta numa espantosa variedade de estruturas genéticas além do seu cordão principal de ADN. Essas incluem a formação de vírus, que não são sistemas autopoiéticos completos, mas consistem apenas num pedaço de ADN ou de ARN sob um revestimento de proteína. (p. 184)

"Uma bactéria não é um organismo unicelular", escreve Sonea; "é uma célula incompleta ... pertencente a diferentes quimeras de acordo com as circunstâncias". Em outras palavras, todas as bactérias são parte de uma única teia microcósmica de vida. (p. 184)

Em seus estudos de genética, Margulis ficou intrigada com o fato de que nem todos os genes numa célula nucleada se encontram dentro do núcleo celular. "Fomos todos ensinados que os genes se encontravam no núcleo e que o núcleo é o controle central da célula. No começo dos meus estudos de genética, tronei-me ciente de que existe outros sistemas genéticos, com diferentes padrões de herança. Desde o princípio, fiquei curiosa a respeito desses genes indisciplinados que não estavam nos núcleos". (p. 184)

A evidência mais notável para a evolução por meio de simbiose é apresentada pelas assim chamadas mitocôndrias, as "casas de força" dentro da maioria das células nucleadas. Essas partes vitais das células animais e vegetais, que realizam a respiração celular, contêm seus próprios materiais genéticos e se reproduzem de maneira independente e em tempos diferentes, com relação ao restante da célula. Margulis especula que as mitocôndrias foram, originalmente, bactérias que flutuariam livremente e que, em antigos tempos, teriam invadido outros microorganismos e estabelecido resistência permanente dentro deles. "Os organismos mesclados iriam se desenvolver em formas de vida mais complexas, que respiram oxigênio", explica Margulis. "Aqui, portanto, havia um mecanismo evolutivo mais inesperado do que a mutação: uma aliança simbiótica que se tornou permanente". (p. 185)

Margulis especula que muitos diferentes tipos de sistemas químicos replicantes encerrados por membranas podem ter surgido, podem ter evoluído por um momento e então desaparecido novamente antes que as primeiras células emergissem: "Muitas estruturas dissipativas, longas cadeias de diferentes reações químicas, devem ter evoluído, reagido e desmoronado antes que a elegante hélice dupla do nosso ancestral básico passasse a ser e a replicar com alta fidelidade". Nesse momento, há cerca de 3,5 bilhões de anos, nasceram as primeiras células bacterianas autopoiéticas, e a evolução da vida começou. (p. 188)

Tendemos a associar bactérias com doenças, mas elas também são vitais para a nossa sobrevivência, como também o são para a sobrevivência de todos os animais e plantas. "Sob nossas diferenças superficiais, somos todos comunidades ambulantes de bactérias", escrevem Margulis e Sagan. "O mundo brilha com uma luz trêmula, uma paisagem pontilhista feita de minúsculos seres vivos". (p. 191)

Muitos dispositivos protetores e estratégias adaptativas se desenvolveram, e finalmente a crise do oxigênio levou a uma das maiores e mais bem-sucedidas inovações de toda a história da vida: "Em um dos maiores estratagemas de todos os tempos, as bactérias [azuis-verdes] inventaram um sistema metabólico que exigia a própria substância que tinha sido um veneno mortal. ... A respiração de oxigênio é uma maneira engenhosamente eficiente de canalisar e de explorar a realidade do oxigênio. É essencialmente a combustão controlada que quebra as moléculas orgânicas e produz dióxido de carbono, água e, na barganha, uma grande quantidade de energia. ... O microcosmo fez mais do que se adaptar: ele desenvolveu um dínamo que utiliza o oxigênio e que mudou para sempre a vida e a morada terrestre da vida. (p. 192)

Embora suas novas relações simbióticas dessem às células nucleadas acesso ao uso eficiente da luz do Sol e do oxigênio, deram-lhes também uma grande vantagem evolutiva - a capacidade de movimento. Enquanto os componentes de uma célula bacteriana flutuam lenta e passivamente no fluido celular, os de uma célula nucleada parecem mover-se decididamente; o fluido celular se estende, e a célula toda pode se expandir e se contrair de maneira rítmica ou se mover rapidamente como um todo, como, por exemplo, no caso das células do sangue. (p. 194)

As descrições desses seres híbridos são, com frequência, assustadoras, mas muitos deles, curiosamente, são vistos como portadores de boa sorte. Por exemplo, o deus Ganesha, que tem corpo humano e cabeça de elefante, é uma das entidades mais reverenciadas na Índia, adorado como um símbolo de boa sorte e que ajuda a superar obstáculos. De alguma maneira, o inconsciente coletivo humano parece ter sabido desde os antigos tempos que simbioses de longo prazo são profundamente benéficas para toda a vida. (p. 194)

Um aspecto importante da especialização celular é a invenção da reprodução sexual, que ocorreu cerca de um bilhão de anos atrás. Tendemos a pensar que o sexo e a reprodução estão estreitamente associados, mas Margulis assinala que a complexa dança da reprodução sexual consiste em vários componentes distintos que evoluíram independentemente e só a pouco se tornaram interligados e unificados. (p. 195)

A fusão de material genético proveniente de duas células diferentes está difundida entre as bactérias, onde ocorre como um contínuo intercâmbio de genes que não está ligado à reprodução. Nas plantas e nos animais primitivos, a reprodução e a fusão de genes se ligaram e, subsequentemente, evoluíram em processos elaborados e em rituais de fertilização. (p. 195)

À medida que a especialização das células prosseguiu em formas de vida maiores e mais complexas, a capacidade de auto-restauração e de regeneração diminuiu progressivamente. Os platelmintos, os pólipos e as estrelas-do-mar podem regenerar quase todo o seu corpo a partir de pequenas frações; lagartos, salamandras, caranguejos, lagostas e muitos insetos ainda são capazes de fazer voltar a crescer órgãos ou membros perdidos; porém, nos animais superiores, a regeneração está limitada à renovação de tecidos na cura de lesões. Como consequência dessa perda de capacidade de regeneração, todos os organismos grandes envelhecem e finalmente morrem. No entanto, com a reprodução sexual, a vida inventou um novo tipo de processo de regeneração, no qual organismos inteiros são formados de novo repetidas vezes, retornando, em cada "geração", a uma única célula nucleada. (p. 195)

Um exemplo espetacular dessas agregações é o mixomiceto, um organismo macroscópico mas que, tecnicamente, é um protista. O mixomiceto tem um ciclo de vida complexo envolvendo uma fase móvel (zoomórfica) e uma imóvel (fitomórfica). Na fase zoomórfica, ele começa como uma multidão de células isoladas, comumente encontradas em florestas sob troncos apodrecidos e folhas úmidas, onde de alimentam de outros microorganismos e de vegetais em decomposição. As células, com frequência, comem tanto e se dividem tão depressa que esgotam todo o suprimento alimentício de seu meio ambiente. Quando isso acontece, elas se agregam numa massa coesa de milhares de células que se assemelha a uma lesma e é capaz de se arrastar pelo chão da floresta em movimentos parecidos com os de uma ameba. Ao encontrar uma nova fonte de alimentos, o mixomiceto entra em sua fase fitomórfica, desenvolvendo um caule com um corpo de frutificação que se parece muito com um cogumelo. Finalmente, a cápsula do fruto explode, projetando milhares de esporos secos dos quais nascem novas células individuais, que se movem independentemente pelas imediações à procura de alimentos, iniciando um novo ciclo de vida. (p. 196)

Sua coordenação e seu controle mútuos foram grandemente aumentados pela criação, muito antiga, dos sistemas nervosos, e por volta de 620 milhões de anos atrás, ocorreu a evolução de minúsculos cérebros animais. (p. 196)

Como observam Margulis e Sagan: "As plantas, de fato, parecem muito competentes em seduzir a nós, animais, persuadindo-nos a fazer para elas uma das poucas coisas que podemos fazer e que elas não podem: mover-se". (P. 198)

A fim de facilitar a transição para essas vizinhanças totalmente diferentes, os animais inventaram um estratagema bastante engenhoso. Eles levaram consigo, para os seus filhos, o seu antigo ambiente. Até hoje, o útero animal simula a umidade, a flutuabilidade e a salinidade do velho meio ambiente marinho. Além disso, as concentrações salinas no sangue dos mamíferos e em outros de seus fluidos corporais são notavelmente semelhantes às dos oceanos. Saímos dos oceanos há mais de 400 milhões de anos, mas nunca deixamos completamente para trás a água do mar. Ainda a encontramos no nosso sangue, no nosso suor e nas nossas lágrimas. (p. 198)

Para esses processos metabólicos funcionarem, a quantidade de cálcio tem de ser mantida em níveis precisos, que são muito inferiores aos níveis de cálcio na água do mar. Portanto, os animais marinhos, desde o princípio, tinham de remover continuamente todo o excesso de cálcio. Os primeiros animais menores simplesmente excretavam seus resíduos de cálcio, às vezes amontoando-os em enormes recifes de coral. À medida que os animais maiores evoluíam, eles começaram a armazenar o cálcio em excesso ao seu redor e dentro deles, e esses depósitos finalmente se converteram em conchas e em esqueletos. (p. 199)

As primeiras criaturas vertebradas com espinhas dorsais e um escudo craniano para proteger o sistema nervoso evoluíram, provavelmente, por volta de 500 milhões de anos atrás. Entre elas estava uma linhagem de peixes pulmonados, com barbatanas espessas, maxilares e uma cabeça semelhante à dos sapos, que rastejava ao longo das praias e acabou evoluindo nos primeiros anfíbios. Estes - rãs, sapos, salamandras e outros anfíbios aparentados às salamandras - constituem o elo evolutivo entre animais aquáticos e terrestres. São os primeiros vertebrados terrestres, mas ainda hoje começam seu ciclo vital como girinos, que respiram na água. (p. 199)

Como os mamíferos fariam com seus úteros mais tarde, os répteis encapsularam o antigo ambiente marinho em grandes ovos, nos quais sua prole poderia se preparar plenamente para passar todo o seu ciclo de vida em terra. (p. 199)

Como os outros répteis, os dinossauros eram animais que punham ovos. Muitos construíam ninhos, e alguns até mesmo desenvolveram asas e, finalmente, por volta de 150 milhões de anos atrás, evoluíram em pássaros. (p. 201)

A explosão catastrófica gerou uma enorme nuvem de poeira, que bloqueou a luz do Sol durante um prolongado período e, drasticamente, mudou os padrões meteorológicos em todo o mundo, e por isso os enormes dinossauros não puderam sobreviver. (p. 201)

As fêmeas desses animais de sangue quente não encerravam mais seus embriões em ovos mas, em vez disso, os nutriam dentro de seus próprios corpos. Depois de nascerem, os bebês ficavam relativamente desamparados e eram alimentados por suas mães. Devido a esse comportamento característico, que inclui a nutrição com leite secretado pelas glândulas mamárias, essa classe de animais é conhecida como "mamífero". Por volta de 50 milhões de anos mais tarde, outra linhagem recém-evoluída de vertebrados de sangue quente, os pássaros, começou igualmente a alimentar e a ensinar sua prole vulnerável. (p. 201)

Diferentemente de outros animais, os prossímios não eram anatomicamente especializados e, portanto, sempre foram ameaçados por inimigos. No entanto, compensaram sua falta de especialização desenvolvendo maior destreza e inteligência. Seu medo de inimigos, constantemente fugindo e se escondendo, e sua vida noturna ativa encorajaram a cooperação e levaram ao comportamento social que é característico de todos os primatas superiores. Além disso, o hábito de se proteger fazendo barulhos frequentes em voz alta evoluiu gradualmente para a comunicação vocal. (p. 202)

Ansiosamente atentos à presença de inimigos por sobre as altas gramíneas, assumiram uma postura ereta por breves momentos antes de retornar a uma posição agachada, assim como os babuínos ainda o fazem. Essa capacidade para permanecer eretos, mesmo por breves momentos, representou uma forte vantagem seletiva, pois permitiu aos primatas usar as mãos para coletar alimentos, brandir varas e atirar pedras a fim de se defender. Gradualmente, seus pés se tornaram mais achatados, sua destreza manual aumentou, e o uso de ferramentas e de armas primitivas estimulou o crescimento do cérebro; e, desse modo, alguns dos prossímios evoluíram em macacos, chimpanzés e gorilas. (p. 202)

Os cérebros dos grandes símios antropóides são muito mais complexos que os dos macacos e, desse modo, sua inteligência é muito superior. A capacidade de usar e, até um certo ponto, até mesmo de fazer ferramentas é característica dos grandes símios antropóides.
Por volta de 4 milhões de anos atrás, uma espécie de chimpanzé do trópico africano evoluiu num símio antropóide que caminhava ereto. Essa espécie de primata, que se extinguiu um milhão de anos mais tarde, era muito semelhante aos outros grandes símios antropóides, mas, devido ao porte ereto, foi classificado como "hominídeo", o que, de acordo com Lynn Margulis, é injustificado em termos puramente biológicos. (p. 203)

À medida que aprendemos como os répteis evoluíram em vertebrados de sangue quente, que cuidavam de seus filhos, como os primeiros primatas desenvolveram unhas achatadas, polegares opostos aos outros dedos e o começo de uma comunicação vocal, e como os símios antropóides desenvolveram caixas torácicas e braços semelhantes aos humanos, cérebros complexos e capacidade de fazer ferramentas, podemos rastrear a emergência gradual de nossas características humanas. E quando atingimos o estágio dos símios antropóides de caminhar ereto com as mãos livres, sentimos que agora a aventura da evolução humana começa efetivamente. Para segui-la de perto, temos de mudar mais uma vez nossa escala de tempo, dessa vez de milhões para milhares de anos. (p. 203)

A mais antiga espécie desses símios meridionais é conhecida como Australopithecus afarensis, nome dado em homenagem às descobertas de fósseis na região de Afar, na Etiópia, que incluíam o famoso esqueleto denominado "Lucy". Eram primatas de constituição leve, talvez com cerca de 137 cm de altura e, provavelmente, tão inteligentes quanto os atuais chimpanzés. (p. 203)

Uma importante diferença entre os seres humanos e os outros primatas está no fato de que as crianças humanas precisam de muito mais tempo para passar na infância; elas demoram mais tempo para atingir a puberdade e a vida adulta do que qualquer um dos símios antropóides. (p. 203)

Devido a mudança genética no timing do desenvolvimento os símios antropóides nascidos prematuramente podem ter retido seus traços juvenis por mais tempo que os outros. (p. 204)

De acordo com essa hipótese, o desamparo dos filhotes nascidos prematuramente desempenhou um papel de importância crucial na transição dos símios antropóides para os seres humanos. Esses recém-nascidos exigiam famílias capazes de lhes dar sustentação, as quais podem ter formado as comunidades, as tribos nômades e as aldeias que se tornaram os fundamentos da civilização humana. As fêmeas selecionavam machos que tomariam conta delas enquanto estivessem cuidando de seus filhos e que lhes dariam proteção. (p. 204)

Como descrevem Margulis e Sagan: "Atirando pedras e espantando ou matando pequenos animais de presa, os primeiros seres humanos foram projetados num novo nicho evolutivo. As habilidades necessárias para planejar as trajetórias de projéteis, para matar a uma distância, dependiam de um aumento de tamanho do hemisfério esquerdo do cérebro. As habilidades de linguagem (que têm sido associadas com o lado esquerdo do cérebro...) podem ter acompanhado fortuitamente esse aumento de tamanho do cérebro". (p. 205)

Por volta de 1,6 milhão de anos atrás, o Homo habilis evoluiu numa espécie de indivíduos maiores e mais robustos, cujo cérebro expandiu-se ainda mais. Conhecida como Homo erectus ("ser humano ereto"), essa espécie persistiu por mais de um milhão de anos e se tornou muito mais versátil que suas predecessoras, adaptando suas tecnologias e modos de vida a uma ampla faixa de condições ambientais. Há indicações de que esses primeiros seres humanos podem ter conquistado o controle do fogo por volta de 1,4 milhão de anos atrás. (p. 205)

Toda a história evolutiva da espécie humana, desde a emergência do Homo habilis até a revolução agrícola, quase 2 milhões de anos mais tarde, coincidiu com as famosas eras glaciais. (p. 205)

Muitas espécies animais de origem tropical se extinguiram, e foram substituídas por espécies mais robustas e mais peludas - bois, mamutes, bisões e animais semelhantes - que podiam suportar às severas condições das eras glaciais. (p. 205)

Caçando juntos, também partilhavam seus alimentos, e essa partilha dos alimentos tornou-se outro catalisador para a civilização e a cultura humanas, originando finalmente as dimensões míticas, espirituais e artísticas da consciência humana. (p. 205)

David Brower concebeu uma narrativa engenhosa, comprimindo a idade da Terra nos seis dias da história bíblica da criação. (p. 206)

Pouco antes das 22 horas, alguns mamíferos tropicais que habitavam árvores evoluem nos primeiros primatas; uma hora depois, alguns destes evoluem em macacos; e por volta das 23:40 aparecem os grandes símios antropóides. Oito minutos antes da meia-noite, os primeiros símios antropóides do sul se erguem e caminham sobre duas pernas. Cinco minutos mais tarde, desaparecem novamente. A primeira espécie humana, o Homo habilis, surge quatro minutos antes da meia-noite, evolui no Homo erectus meio minuto mais tarde e, nas formas arcaicas do Homo sapiens, trinta segundos antes da meia-noite. Finalmente, a espécie humana moderna aparece na África e na Ásia onze segundos antes da meia-noite, e na Europa, cinco segundos antes da meia-noite. A história humana escrita começa por volta de dois terços de segundo antes da meia-noite. (p. 207)

Embora a diferenciação entre alma e espírito fosse fluida, e flutuasse ao longo do tempo, ambos originalmente unificavam em si mesmos duas concepções - a da força da vida e a da atividade da consciência. (p. 209)

A cibernética proporcionou à ciência cognitiva o primeiro modelo de cognição. Sua premissa era a de que a inteligência humana assemelha-se à "inteligência" do computador em tal medida que a cognição pode ser definida como processamento de informações - isto é, como uma manipulação de símbolos baseada num conjunto de regras. (p. 209)

Quando um animal é estudado enquanto está desperto e exercendo seu comportamento em circunvizinhanças mais normais, suas respostas neurais tornam-se sensíveis a todo o contexto dos estímulos visuais, e não podem mais ser interpretadas em termos de processamento de informações realizado etapa por etapa. (p. 210)

A cognição, de acordo com Maturana, é a atividade envolvida na autogeração e na autoperpetuação de redes autopoiéticas. Em outras palavras, a cognição é o próprio processo da vida. "Sistemas vivos são sistemas cognitivos", escreve Maturana, "e a vida como processo é um processo de cognição". (p. 210)

O sistema vivo não só especifica essas mudanças estruturais mas também especifica quais as perturbações que, vindas do meio ambiente, as desencadeiam. Esta é a chave da teoria da cognição de Santiago. As mudanças estruturais no sistema constituem atos de cognição. (p. 211)

Nessa nova visão, a cognição envolve todo o processo da vida - incluindo a percepção, a emoção e o comportamento - e não requer necessariamente um cérebro e um sistema nervosos. Até mesmo as bactérias percebem certas características do seu meio ambiente. (p. 211)

Os organismos vivos respondem a apenas uma pequena fração dos estímulos que se imprimem sobre eles. Todos nós sabemos que podemos ver ou ouvir fenômenos somente no âmbito de uma faixa de frequências; em geral, no nosso ambiente, não percebemos coisas nem eventos que não nos dizem respeito, e também sabemos que aquilo que percebemos é, em grande medida, condicionado pelo nosso arcabouço conceitual e pelo nosso contexto cultural. (p. 212)

A interação cognitiva do organismo com seu meio ambiente é interação inteligente. (p. 212)

Num certo nível de complexidade, um organismo vivo acopla-se estruturalmente não apenas ao seu meio ambiente mas também a si mesmo, e, desse modo, cria não apenas um mundo exterior, mas um mundo interior. Nos seres humanos, a criação desse mundo interior está intimamente ligada com a linguagem, com o pensamento e com a consciência. (p. 213)

O modelo do computador para a cognição como processamento de informações foi apenas uma formulação específica, baseada numa anologia errônea, da ideia mais geral de que o mundo é pré-dado e independente do observador, e que a cognição envolve representações mentais de suas características objetivas no âmbito do sistema cognitivo. A imagem principal, de acordo com Varela, é a de "um agente cognitivo que desceu de pára-quedas num mundo pré-dado" e que extrai suas características essenciais por intermédio de um processo de representação. (p. 213)

Nós, seres humanos, partilhamos um mundo abstrato de linguagem e de pensamento por meio do qual criamos juntos o nosso mundo. (p. 213)

Sabemos que gatos ou pássaros vêem árvores de maneira diferente daquela como nós vemos, pois eles percebem a luz em diferentes faixas de frequências. Dessa maneira, as formas e as texturas das "árvores" que eles criam serão diferentes das nossas. Quando vemos uma árvore, não estamos inventando a realidade. Mas as maneiras pelas quais delineamos objetos e identificamos padrões a partir da multidão de entradas (inputs) sensoriais que recebemos depende de nossa constituição física. (p. 213)

No entanto, esse pedaço de informação é uma quantidade, um nome ou uma breve afirmação que nós abstraímos de toda uma rede de relações, de um contexto no qual ela está encaixada e que lhe dá significado. (p. 214)

A mente não é uma coisa, mas um processo - o processo da cognição, que é identificado com o processo da vida. O cérebro é uma estrutura específica por cujo intermédio esse processo opera. Desse modo, a relação entre mente e cérebro é uma relação entre processo e estrutura. (p. 218)

Em vez de simplesmente reagir contra agentes estranhos, o sistema imunológico desempenha a importante função de regular o repertório celular e molecular do organismo. (p. 220)

A partir da perspectiva da teoria de Santiago, a atividade cognitiva do sistema imunológico resulta de seu acoplamento estrutural com seu meio ambiental. (p. 220)

O sistema imunológico não distingue, e não precisa distinguir, entre células do corpo e agentes estranhos, pois ambos estão sujeitos aos mesmos processos reguladores. No entanto, quando os agentes estranhos invasores são tão generalizados que não podem ser incorporados à rede reguladora, como por exemplo no caso de infecções, eles desencadearão no sistema imunológico mecanismos específicos que equivalem a uma resposta definitiva. (p. 220)

Na opinião de Varela, uma concepção psicossomática ("mente-corpo") sofisticada da saúde não será desenvolvida até que entendamos o sistema nervoso e o sistema imunológico como dois sistemas cognitivos em interação, dois "cérebros" em conversas contínuas. (p. 221)

De fato, Pert e seus colaboradores descobriram que esses mensageiros interligam três sistemas distintos - o sistema nervoso, o sistema imunológico e o sistema endócrino - numa única rede. (p. 221)

Os peptídios, uma família de sessenta a setenta macromoléculas, foram originalmente estudados em outros contextos e receberam outros nomes - hormônios, neurotransmissores, endorfinas, fatores de crescimento, e assim por diante. (p. 221)

Interligando células imunológicas, glândulas e células do cérebro, os peptídios formam uma rede psicossomática que se estende por todo o organismo. Eles constituem a manifestação bioquímica das emoções, desempenham um papel de importância crucial nas atividades coordenadoras do sistema imunológico e interligam e integram atividades mentais, emocionais e biológicas. (p. 221)

Outro aspecto fascinante da recém-reconhecida rede psicossomática é a descoberta de que os peptídios são a manifestação bioquímica das emoções. A maior parte dos peptídios, talvez todos eles, altera o comportamento e os estados de humor, e atualmente os cientistas têm por hipótese que cada peptídio pode evocar um "tom" emocional único. Todo o grupo de sessenta a setenta peptídios pode constituir uma linguagem bioquímica universal das emoções.
Tradicionalmente, os neurocientistas têm associado emoções com áreas específicas no cérebro, principalmente com o sistema límbico. Isso, de fato, está correto. O sistema límbico evidencia-se extremamente rico em peptídios. No entanto, esta não é a única parte do corpo onde se concentram os receptores de peptídios. Por exemplo, todo o intestino está revestido com receptores de peptídios. É por isso que temos "sensações na barriga". Nós, literalmente falando, sentimos nossas emoções na barriga.
Se é verdade que cada peptídio é mediador de um determinado estado emocional, isso significaria que todas as percepções sensoriais, todos os pensamentos e, na verdade, todas as funções corporais estão coloridas emocionalmente, pois todas elas envolvem peptídios. (p. 222)

Como se expressa Candace Pert: "Células brancas do sangue são pedacinhos do cérebro flutuando pelo corpo". (p. 223)

É a essa faculdade especial de autopercepção que me refiro quando utilizo o termo "consciência". (p. 224)

A comunicação, de acordo com Maturana, não é uma transmissão de informações mas, em vez disso, é uma coordenação de comportamento entre os organismos vivos por meio de um acoplamento estrutural mútuo. (p. 224)

No entanto, de acordo com Maturana, essas descrições semânticas são projeções feitas pelo observador humano. Na realidade, a coordenação de comportamento é determinada não pelo significado mas pela dinâmica do acoplamento estrutural. (p. 225)

Suponha que a cada manhã minha gata mia e corre até a geladeira. Eu a sigo, apanho um pouco de leite e o derramo na tigela, e a gata começa a bebê-lo. Isto é comunicação - uma coordenação de comportamento por meio de interações mútuas recorrentes, ou de acoplamento estrutural mútuo. (p. 226)

Ser humano é existir na linguagem. Na linguagem, coordenamos nosso comportamento, e juntos, na linguagem, criamos o nosso mundo. "O mundo que todos vêem", escrevem Maturana e Varela, "não é o mundo, mas um mundo, que nós criamos com os outros". (p. 227)

Numa conversa humana, nosso mundo interior de conceitos e de ideias, nossas emoções e nossos movimentos corporais tornam-se estreitamente ligados numa complexa coreografia de coordenação comportamental. (p. 227)

Dentre todas as espécies, somos a única que mata seus semelhantes em nome da religião, do mercado livre, do patriotismo e de outras ideias abstratas. (p. 229)

O sofrimento humano existencial surge, na visão budista, quando nos apegamos a formas e a categorias fixas criadas pela mente, em vez de aceitar a natureza impermanente e transitória de todas as coisas. (p. 229)

Tentando nos apegar às nossas rígidas categorias em vez de compreender a fluidez da vida, estamos fadados a experimentar frustração após frustração. (p. 229)

De acordo com a teoria de Santiago, criamos o eu assim como criamos objetos. Nosso eu, ou ego, não tem nenhuma existência independente, mas é o resultado do nosso acoplamento estrutural interno. (p. 230)

Somos indivíduos autônomos, modelados pela nossa própria história de mudanças estruturais. Somos autoconscientes, cientes da nossa identidade individual - e, não obstante, quando procuramos por um eu independente no âmbito de nosso mundo de experiências, não conseguimos encontrar nenhuma entidade desse tipo.
A origem de nosso dilema reside na nossa tendência para criar as abstrações de objetos separados, inclusive de um eu separado, e em seguida acreditar que elas pertencem a uma realidade objetiva, que existe independentemente de nós. (p. 230)

A identidade, a individualidade e a autonomia não implicam separatividade e independência. (p. 230)

Os economistas corporativos tratam como bens gratuitos não somente o ar, a água e o solo mas também a delicada teia das relações sociais, que é seriamente afetada pela expansão econômica contínua. (p. 233)

A economia enfatiza a competição, a expansão e a dominação; ecologia enfatiza a cooperação, a conservação e a parceria. (p. 234)

Todas as flutuações ecológicas ocorrem entre limites de tolerância. Há sempre o perigo de que todo o sistema entre em colapso quando uma flutuação ultrapassar esses limites e o sistema não consiga mais compensá-la. O mesmo é verdadeiro para as comunidades humanas. A falta de flexibilidade se manifesta como tensão. Em particular, haverá tensão quando uma ou mais variáveis do sistema forem empurradas até seus valores extremos, o que induzirá uma rigidez intensificada em todo o sistema. A tensão temporária é um aspecto essencial da vida, mas a tensão prolongada é nociva e destrutiva para o sistema. Essas considerações levam à importante compreensão de que administrar um sistema social - uma empresa, uma cidade ou uma economia - significa encontrar os valores ideais em vez de otimizá-la, isso levará, invariavelmente, à destruição do sistema como um todo. (p. 234)