Apenas as crianças enxergam a verdade e se fiam naquilo que veem: elas distinguem os gestos de aceitação dos de recusa, os de abertura dos de fechamento. (p. 8)
"A palavra foi dada ao homem para ocultar o seu pensamento", escreveu Mirabeau. (p. 8)
Se o nosso gato sacode a cauda nervosamente, logo compreendemos que ele prefere ser deixado em paz, mas se um amigo, balançando nervosamente o pé, nos diz "está tudo bem", acreditamos em suas palavras. (p. 8)
Uma das leis psicológicas de Roberto Assagioli, fundador da psicossíntese, afirma: "as posturas, os movimentos e as ações tendem a evocar as imagens e ideias correspondentes. Isso quer dizer que se falamos com voz áspera e nos comportamos como se estivéssemos enfurecidos, terminamos por assim nos tornar, de fato. Sabe quando crianças brincam de guerra e fingem ser inimigos e, num certo momento, acabam por lutar de verdade? (p. 10)
Estudos muito aprofundados calcularam que, numa comunicação interpessoal, a mensagem é transmitida em apenas 7% pelas palavras, em 38 % pela voz e, em exatamente 55%, é propagada por meio da linguagem corporal (p. 11)
Também a dimensão "tempo" é parte de nosso território pessoal: se alguém nos faz perder tempo inutilmente, nos sentimos invadidos, porque entendemos que aquela pessoa está ocupando um espaço/tempo que não lhe pertence. (p. 13)
Os europeus têm um senso de espaço vital mais amplo em relação a outras populações. para eles é desagradável ser tocado quando estão em meio às pessoas, e, nas conversações, sempre mantém uma determinada distância. (p. 15)
Também a diferença de classe social pode gerar distinções. "Espaço significa poder"; assim, quanto mais espaço possuo em torno de mim, mais poderoso eu sou. (p. 16)
Hall pode ser considerado um dos primeiros estudiosos a descobrir que o espaço em torno do homem não é vazio, mas dividido em zonas precisas, ou bolhas, invisíveis e concêntricas, entre as quais o homem se move e nas quais faz os outros entrar, com uma precisa conexão: quanto mais a intimidade aumenta, mais diminui a superfície da zona ocupada. (p. 16)
A zona íntima se estende, aproximada mente, de 20 a 50 cm, distância que podemos alcançar com as mãos, tendo os cotovelos perto do corpo. É a distância que se mantém com as pessoas em quem se confia, os amigos mais caros, nossos familiares. (p. 17)
Qual é a relação entre duas pessoas que se aproximam para trocar um beijo? Se seus corpos permanecem relativamente longe e só as bochechas se aproximam, o beijo é formal, nada mais que uma saudação ou um cumprimento; em vez disso, quanto mais seus quadris se aproximam, tanto mais estreita é a sua ligação afetiva. (p. 19)
Também o perfume, efetivamente, pode ser usado como meio para invadir a zona alheia mesmo que, formalmente, nos mantenha a uma distância correta. (p. 19)
Para a mãe, pode ser o território da cozinha. Já se perguntou alguma vez o porquê de as sogras ou as avós, quando assumem a condição de hóspedes, acabarem gerando, em pouco tempo, descontentamento e desconforto?
Um dos motivos pode ser encontrado, também, no fato de que inevitavelmente essas senhoras, no desejo de se tornar úteis, mudam os objetos de seu lugar habitual e ocupam um espaço que, por uma regra tácita, pertence à dona da casa. (p. 34)
Quando nos inclinamos para uma pessoa ou objeto, na linguagem do corpo indicamos abertamente que nos pertencem, que são de nossa exclusiva propriedade ou, ainda, que temos orgulho deles. (p. 34)
No filme de Chaplin, O ditador, há uma sequência que leva ao paradoxo esse mecanismo. No barbeiro se encontram, sentados lado a lado, Hitler e Mussolini: com o rosto ensaboado e sem poder escapar das respectivas cadeirinhas, ele têm uma única possibilidade de tentar afirmar a sua recíproca superioridade, a saber, procurar elevar a cadeira sobre a qual se acham sentados. Assim, por sua vez, de modo muito humorístico, acionam a alavanca que faz levantar o assento, chegando por fim a tocar o teto. (p. 40)
Pelo modo como nos comportamos entrando numa sala que não é nossa se pode estabelecer, por conseguinte, o nosso grau de autoridade. Porque podemos:
- bater e esperar pacientemente para ser convidados a entrar, o que equivale a dizer "o chefe não sou eu e a minha autoridade é praticamente nula";
- não bater e entrar diretamente: autoridade máxima e também grande falta de sensibilidade e de tato. Com tal ação é como se, pela linguagem corporal, estivéssemos afirmando: "aqui comando eu; aqui tudo é meu, então entro onde e quando quero". Desse modo, além disso, quem está na sala é tratado como não pessoa, como simples executor de uma função específica, pouco mais que uma fotocopiadora. (p. 43)
Se os pais se sentam cada um numa cabeceira, isto indica que entre eles existe um conflito, talvez inconsciente, sobre quem deve usar as alças em casa: pode ser o caso da mãe que pede formalmente aos filhos para respeitar o pai "porque é ele quem comanda" mas, na realidade, é ela quem dirige, com o seu humos, o quotidiano. (p. 54)
Um desconhecido marca um encontro para falar conosco. Vemo-lo entrar pelo portão principal e perguntar como se faz para nos alcançar. Segue, enfim, ao longo do corredor, ao fundo do qual o estamos esperando. Nos poucos instantes que transcorrem entre o momento da sua chefada e aquele em que nos apertará a mão, podemos observá-lo atentamente e já captar muitas coisas: o seu caráter, as suas pretensões, o seu etilo de vida, o seu humor, e, por que não, se podemos ou não confiar nele. (p. 57)
Tudo o que foi dito até aqui pode ser considerado como uma brincadeira, porque a natureza humana é muito mais complexa e seria equivocado querer encaixar as pessoas em categorias demasiado definidas. Estes modelos tipológicos na realidade não existem, porque cada corpo, assim como cada rosto, é um conjunto de várias características. (p. 66)
Os cinco desenhos que se seguem ilustram as mesmas posições típicas estudadas por Lowen: tente imitá-las, procurando contrair os glúteos e retrair a bacia, ou curvar a cabeça ou os ombros. Ponha-se em contato com as suas sensações mais profundas; procure entender como se sente uma pessoa que habitualmente mantém aquela determinada postura. Para entendê-la, é necessário imitá-la, de modo a perceber como nos sentimos na sua pele; de modo a ater, assim, um alcance do significado daquele tipo de expressão corporal. E se, talvez, imitando uma pessoa de peito estufado e ombros erguidos, ao prender a respiração você experimenta um sentimento de medo, pode acontecer de ficar assombrado ao perceber que verbalmente ela se revela, em vez disso, corajosa e prepotente. Isto significa que aquela pessoa não está em contato com a expressão de medo transmitida inconscientemente pelo seu corpo e que, para compensar, se esforça para demonstrar o contrário. (p. 69)
Este controle teve origem na infância, quando se sentiu traída porque os pais recusavam o seu amor. Desde então, tornou-se encouraçada e aprendeu a não exprimir tão abertamente este amor, por medo de não ser apreciada. A frustração por essa impossibilidade de exprimi-lo gera uma profunda tristeza, que é sufocada pelo peito estufado. (p. 73)
A dimensão dos pés varia de pessoa para pessoa e, em geral, é proporcionada pela própria compleição do corpo. Pés maiores que o normal indicam que os órgãos da parte central do corpo, e representados nos pés pelos relativos meridianos, são mais saudáveis e ativos. (p. 82)
Procuremos entender um pouco mais porque também os sapatos podem revelar particularidades da vida de uma pessoa, sobretudo o estado de saúde, o caráter e a condição econômica. As solas dos sapatos estão geralmente ocultas, mas são exatamente as coisas mais escondidas aquelas mais reveladoras. Além disso, a vestimenta, isto é, o que nós escolhemos para nos cobrir, indica aquilo que queremos ser ou aparecer; os sapatos, ao invés disso, mostram como somos na realidade. (p. 83)
E então: quem tem os sapatos sempre bem limpos é uma pessoa que com o mesmo cuidado se ocupa de todos os detalhes de sua vida, prestando muita atenção nos particulares. (p. 83)
Quem usa habitualmente sapatos caros é, ou aparenta ser, uma pessoa abastada. (p. 84)
Se uma pessoa não se move, mas permanece firme com os pés em uma posição, também estável se encontra o seu ponto de vista. Se você deseja fazê-la aceitar a sua ideia e quer tentar dissuadi-la, deve conseguir que se desloque fisicamente. Dizemos metaforicamente "por que não experimenta ver as coisas sob um outro ponto de vista?" (88)
Os pés indicam sempre o sentido em direção ao qual nossa cabeça está voltada e em direção a qual rumo queremos andar. (p. 89)
Quando, numa negociação, um dos dois vira os pés em direção à porta, significa que para ele a discussão acabou, e deseja ir embora. As pontas dos pés, como reais e peculiares setas, indicam também o interesse que uma pessoa sente pela outra. (p. 89)
A maneira como apoiamos, mais ou menos pesadamente, o pé no solo, indica a nossa relação com a realidade. Então uma pessoa que se apoia somente nas pontas dos pés e caminha como que saltitando, leve, também fisicamente parece não ter muito desejo de estar em contato com a realidade. (p. 101)
Uma pessoa que está à vontade e sabe, ou presunçosamente acredita saber mais que os outros, pode assumir com frequência essa posição relaxada durante uma conversação.
Torne agora a sentar-se normalmente no centro da cadeira, não mais sobre a borda, e mantenha as costas retas e as pernas apoiadas no chão, mas não sobrepostas. Nesta posição, nos sentimos mais atentos e interessados em tudo o que possa ser dito e em tudo o que nos circunda. (p. 108)
Se não quer perder nem mesmo uma palavra do que está sendo dito, curva-se para a frente; se, ao contrário, quer manter distância, deixa as costas apoiadas no espaldar. Ocupa toda a cadeira para manifestar a sua intenção de estar ali completamente, ou se senta sobre a borda porque se sente "provisória",porque tem pouco tempo e quer ir embora rápido ou, talvez, porque aguarde que lhe mandem se levantar. (p. 109)
Imitar a mesma posição é, de fato, um sinal de aprovação, indica que se está de acordo e em sintonia com a pessoa que se copia. (p. 109)
Ao crescer, compreendemos que este sistema não é mais praticável; então aprendemos aos poucos a dissimular o nosso desejo de refúgio, antes de mais nada cruzando os braços.
Visto que este também é um gesto evidente, mais ou menos durante a adolescência o mascaramos e nos limitamos a cruzar as pernas para nos proteger. Com os braços cruzados, instintivamente se protege o coração; com as pernas cruzadas, ao contrário, defende-se os genitais. (p. 111)
O bloqueio pode ser acentuado se com uma ou ambas as mãos procura manter congelado o calcanhar, quase de modo a impedi-lo de desferir um pontapé. A pessoa assim sentada se apresenta, dessa forma, obstinada e irremovível. (p. 112)
Cruzar os calcanhares também sinaliza a existência de um comportamento negativo ou defensivo. (p. 113)
O homem que se senta com as pernas abertas, inconscientemente exibe os genitais, a sua virilidade. E esse gesto, como o é para os animais, indica desejo de domínio sobre os outros. (p. 114)
Quem se senta a cavalo, virando a cadeira e apoiando-se com os braços sobre o espaldar, quer parecer relaxado e amigável, e nessa posição se sente corajoso e, ao mesmo tempo, protegido. (p. 114)
Este movimento inconsciente, na realidade, é realizado quando somos tomados por uma sensação incômoda, e então é como se não quiséssemos mais ficar ali, a escutar. (p. 117)
Uma mulher que se senta com as pontas dos pés viradas para fora demonstra possuir um caráter bastante instintivo e espontâneo.
Muito ativa e dinâmica, pode até mesmo deixar de lado as boas maneiras para alcançar o seu objetivo. (p. 118)
Também quem dorme com os pés para fora da cama demonstra amar a liberdade e não suportar as obrigações, mas se trata talvez de uma pessoa demasiado impetuosa e desordenada, que mascara os seus complexos com uma grane carga de simpatia e vivacidade. (p. 123)
Pode-se, neste caso, procurar estabelecer uma escala de prioridades: em linhas gerais, devemos considerar mais verdadeiros os gestos executados pela parte do corpo mais longe de nossa cabeça, por exemplo, os pés e pernas. (p. 129)
Para resumir, portanto, esta poderia ser a sequência dos aspectos a serem examinados:
-contexto da situação;
- sinais automáticos da pele;
- gestualidade dos pés e das pernas;
- posições das costas, tronco e ombros;
- gestos dos braços e das mãos;
- expressões e mímicas do rosto;
- tom de voz;
- enfim, aquilo que a pessoa diz. (p. 130)
O gesto comum de entrelaçar os braços, também chamado braços cruzados, é executado com frequência quando se está sozinho entre estranhos, no caso de se querer fechar ou defender, quando não se está de acordo e se toma distância de quem nos fala. (p. 132)
Este movimento dos braços que descem do alto, com as palmas para baixo, revela, na verdade, uma mal-disfarçada tentativa de dominar quem está ouvindo ou um desejo de enganar. (p. 135)
Todas as roupas mantidas abotoadas são, portanto, barreiras disfarçadas que tendem, talvez sem que o saibamos, a manter os outros à distância: uma pessoa aberta abre também o casaco, descobre o peito; uma pessoa "abotoada" se tranca também nas suas roupas. E, depois, ainda temos os óculos de sol, ou os óculos de grau escuros usados fora do contexto normal de um dia ensolarado ao ar livre.
Extremamente insuperável como barreira é a maquiagem demasiado acentuada no rosto de uma mulher, que cria como que uma máscara. A máscara esconde, protege, assim como a barba esconde parcialmente o rosto de um homem e as suas inseguranças. (p. 138)
Quem aperta as mãos atrás das costas se sente relaxado e seguro de si e está consciente de sua autoridade. (p. 139)
Este é um claro gesto de frustração: a pessoa procura se controlar, como se em nível inconsciente procurasse se conter para não desferir um soco. (p. 139)
Se uma pessoa com a qual você está falando, a uma certa altura eleva os braços, como que para lhe dizer: "pobre coitado, eu já entendi tudo", tente imitá-la. (p. 141)
As mãos estão estreitamente ligadas ao cérebro: Aristóteles dizia que são uma ramificação.
Com as mãos realizamos aquilo que imaginamos com a mente. Por isso, cérebro e mãos são considerados complementares. (p. 143)
Alguns estudos recentes descobriram que o balanço não só acalma como também se revelou um ótimo substituto para muitos medicamentos contra as dores, porque a oscilação prolongada estimula o cérebro a produzir endorfinas, supressores naturais da dor. (p. 144)
Há pessoas que têm o desagradável hábito de tocar constantemente os outros, de colocar as mãos sobre eles, de os acariciar: isto indica que têm um forte desejo de estabelecer uma relação e de ser aceitas. (p. 145)
Todos os gestos com os quais tocamos a nós mesmos indicam uma necessidade de ternura e tranquilização, quase como se quiséssemos, por poucos instantes, retornar a uma situação de regressão infantil nos braços da mãe que nos acariciava e aconchegava. (p. 145)
Em geral, tocar os objetos, a gravata ou também as roupas de uma outra pessoa demonstra que dela se está invejando a condição social, a riqueza ou o trabalho mas, sobretudo, que se considera estar mais apto a desenvolver o seu trabalho ou a assumir o seu papel. (p. 146)
As unhas esbranquiçadas são, ao contrário, um sinal de anemia e doenças: quem está em boa saúde não apresenta unhas brancas. (p. 154)
Quem o realiza revela ser uma pessoa muito segura de si e desejosa de manifestar aos outros a sua superioridade e, se estiver falando, tende a efetuar este gesto com os dedos voltados para o alto. (p. 156)
Se a ponta da cunha está vidara para a frente, quase a imitar a proa de um navio quebra-gelo, este gesto de superioridade assume também um significado mais agressivo, porquanto a pessoa está inconscientemente tentando repelir ou ameaçar quem está de frente para ela. (p. 157)
Mãos em pistola.
Inconscientemente, é exatamente essa a imagem que se quer exprimir. (p. 158)
Recordemo-nos, contudo, de que, quando na presença dos outros fechamos os punhos, mandamos em nível não verbal um sinal agressivo que provoca no próximo uma reação inconsciente do mesmo tipo. (p. 159)
As mãos unidas com os dedos entrelaçados são sempre um sinal de fechamento e têm valor diferente quanto mais se afastam da cabeça e se voltam para baixo. (p. 159)
Desviar os olhos de quem fala, com um pretexto qualquer, é sinal de que se está mentindo (como veremos em seguida). Assim, quem executa esse gesto indica que não está de acordo, mas não pode dizê-lo abertamente. (p. 161)
O sentido de rejeição que se experimenta em relação a uma pessoa, ou em relação ao que ela está dizendo, se traduz num estímulo em nível corporal que leva à necessidade de eliminar também fisicamente da nossa vista aquela pessoa. Se isto não é possível, esse impulso de remoção é desviado em relação ao objeto mais próximo de nós. (p. 162)
Um aperto de mão sólido e firme pertence a uma pessoa igualmente sólida e ativa. (p. 164)
O polegar é o dedo mais forte, do ponto de vista físico, visto que, opondo-se aos outros, permite segurar. É o símbolo do ego: ostentá-lo significa afirmar o próprio domínio sobre os outros, a própria superioridade. (p. 170)
Se, ostentando-se os polegares, tenta-se chamar a atenção para si, ao escondê-los entre os outros dedos afirma-se exatamente o contrário, ou seja, a necessidade de não ser observado. (p. 171)
Quem evidencia ou esfrega o dedo médio tem necessidade de ser reconhecido e apreciado e, se ninguém o fizer, é provável que dali a pouco comece a se autoincensar e a falar sobre os seus êxitos. (p. 174)
Quando uma pessoa está muito tensa e precisa ser tranquilizada, coloca os dedos na boca. Desde criança nos acalmávamos pegando a chupeta ou o seio materno. Depois de adultos, repetimos este mesmo gesto levando à boca um dedo, a extremidade da caneta que temos à mão, a haste dos óculos, um cigarro, ou mordiscamos as unhas ou as pelinhas que as circundam. (p. 175)
Não necessariamente quem realiza um desses gestos, que agora veremos detalhadamente, está mentindo; com a palavra mentir, tenciono também dizer que a pessoa possa ter dúvida, ou não estar segura daquilo que está dizendo, ou talvez esteja apenas exagerando ou escondendo a realidade. (p. 178)
O cérebro ordena à mão para bloquear a saída das palavras que não correspondem àquilo que se está pensando; a mão, então, se apoia nos lábios, os roça, talvez apenas com um dedo, ou esfrega o queixo ou, ainda, fechada, se coloca por um instante diante da boca, com o pretexto de encobrir um súbito golpe de tosse. (p. 179)
A análise comparada de tudo o que foi filmado levou às seguintes conclusões, quando as moças mentiam:
- seus gestos resultavam notavelmente abrandados, como se inconscientemente elas soubessem que a sua gestualidade teria podido traí-las e tentassem suprimi-la; em vez disso, tornava-se frequente o gesto de sacudir das mãos um invisível incômodo;
- aproximavam as mãos do rosto ou o tocavam com uma frequência maior que o normal;
- pareciam como que "sentadas em espinhos"; se estavam sentadas, realizavam pequenos deslocamentos irrequietos sobre a cadeira;
- as expressões e a mínima do seu rosto era idêntica à de quando diziam a verdade, mas surgiam pequenas e rápidas contrações dos músculos faciais, de microssinais quase imperceptíveis a olho nu. (p. 183)
Quem quer parecer frio, autoritário, técnico e profissional, escolherá uma armação pequena e metálica. (p. 188)
Esteja atento, contudo, para a possibilidade de ele empurrá-los demasiadamente contra os olhos: este gesto significa que ele quer ver melhor, porque o que você está lhe dizendo não o convence, e ele não deseja ser interrompido. (p. 190)
Quem fuma soprando para o alto é seguro de si e bem-humorado; provavelmente teve uma boa ideia ou está bem disposto em relação aos outros.
Quem sopra o fumo para baixo lembra um touro enfurecido: está raivoso, nervoso; melhor deixá-lo sozinho naquele momento. (p. 191)
Quem fuma cachimbo tem uma alta opinião sobre si mesmo e considera importante que saibam disso. (p. 192)
Em todo caso, quem morde um cigarro é agressivo e, sob pressão, poderia morder você também. (p. 194)
Quem mantém a cabeça ereta conserva também a máxima atenção: está presente, consciente de si mesmo e participa ativamente. (p. 198)
Quem inclina a cabeça para a frente indica que nutre hostilidade e que o seu estado de ânimo é negativo e crítico; é provável que este gesto se faça acompanhar de pernas e braços cruzados. (p. 198)
Deste modo, uma pessoa que nos ouve, inclinado ligeiramente a cabeça para o lado, revela que está a nos escutar com muita atenção, admiração e também confiança, porque naquela posição expõe o seu pescoço descoberto. (p. 199)
Se você é do sexo oposto, talvez seja a causa do desconforto dela. Este gesto revela, de fato, a vontade desta pessoa de lhe dar um beijo, de estender os seus lábios até você. E este impulso da alma pode criar problemas para ela, se não consegue exprimi-lo em palavras e tampouco agir. (p. 202)
Uma pessoa que passa a língua sobre o lábio superior demonstra apreciar o que lhe está sendo dito, porque o assunto a atrai e estimula associações mentais prazerosas. (p. 203)
Com o olhar se pode agredir, investir e fulminar alguém, mas pode-se também acariciar a pessoa amada. Pode-se influenciar um público que nos escuta ou aborrecê-lo, se o nosso olhar é morto ou ausente. (p. 210)
E então vemos olhos opacos que dão a sensação de que dentro deles não vive ninguém, ou olhos distantes, como se a pessoa tivesse ido para outro lugar. (p. 210)
À parte a óbvia influência da luz, com a sua maior ou menor intensidade, faz estreitar ou alargar as pupilas, pode-se dizer que elas se dilatam quando se vê alguma coisa muito agradável e se está mergulhado num estado de excitação, mas também o uso de certas drogas provoca este fenômeno. (p. 211)
Um outro modo de neutralizar os olhares invasores é o de fechar os olhos por alguns instantes. Fechar os olhos diante de uma pessoa que está a nos olhar é considerado um dos gestos mais ofensivos que podemos fazer, porque significa que, inconscientemente, se deseja eliminar da vista aquela pessoa, porque não nos interessa ou nos aborrece. (p. 215)
Isto porque o stress e as emoções negativas, como tristeza, raiva e medo, danificam os rins e, para a medicina oriental, todos os pelos que recobrem o nosso corpo, cabelos incluídos, estão associados às funções renais. (p. 220)
A caspa - Pequenas lasquinhas de caspa sobre o casaco do seu interlocutor sinalizam a você que ele sobre de distúrbios renais e intestinais e que, psicologicamente, é uma pessoa mutável e indecisa, facilmente excitável e com tendência a ser um tanto irascível. (p. 221)
Queda dos cabelos - Desde sempre para a medicina oriental, a queda de cabelos se deve a um excessivo consumo de líquidos e de sal. (p. 221)
Quem quer se mostrar muito viril e dominador ostenta um denso bigode para evidenciar este seu préstimo. (p. 223)
Pela fisiognomonia, a zona que compreende o espaço entre a ponta do nariz e o lábio superior é aquela que revela o modo de enxergar a si mesmo e o mundo que o circunda. (p. 223)
O psicólogo americano Willian James escreveu que um homem possui tantos Eu quantas forem as pessoas com cuja opinião ele se preocupa, e também Pirandello retomou esta ideia em diversos trabalhos. (p. 227)
Quando se encontra alguém, há um instante brevíssimo de "verdade": é o momento que precede o ato de usar uma máscara e assumir um papel, antes de se apertar a mão e saudar. Neste átimo, os dois rostos estão nus e se mostram como realmente são. Logo depois, pelo modo como lhe terá apertado a mão e pelas primeiras frases pronunciadas, você terá formado uma opinião sobre o outro. Você o terá julgado simpático ou antipático, arrogante ou frívolo; mas atenção: está é a segunda impressão. (p. 228)
sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017
Casa-grande & senzala - Gilberto Freyre (2005)
Foi a influência dos trópicos sobre os homens e valores do Velho Mundo que amoleceu a rigidez de certos costumes europeus, predispondo, assim, o português para uma colonização que também exigia adaptação e tolerância. (p. 9)
Os indígenas do Brasil não tinham animais de carga, mas apenas bichos domésticos. Eram os xerimbabos ou animais de estimação (as araras, os saguis, os patos). Ainda hoje esse costume é comum entre as populações do interior. (p. 20)
Foi o negro que animou de maior alegria a vida doméstica do brasileiro, marcada pela melancolia do português e pela tristeza do índio. Foi o africano quem deu vivacidade aos são-joões de engenho; quem animou os bumbas meu boi, os cavalos-marinhos, os carnavais e as festas de reis. Os negros trabalhavam quase sempre cantando. Nos engenhos, tanto nas plantações como nos tanques de lavar roupa. Cantando, mesmo quando enxugavam o prato, faziam doce e pilavam café. (p. 60)
Os indígenas do Brasil não tinham animais de carga, mas apenas bichos domésticos. Eram os xerimbabos ou animais de estimação (as araras, os saguis, os patos). Ainda hoje esse costume é comum entre as populações do interior. (p. 20)
Foi o negro que animou de maior alegria a vida doméstica do brasileiro, marcada pela melancolia do português e pela tristeza do índio. Foi o africano quem deu vivacidade aos são-joões de engenho; quem animou os bumbas meu boi, os cavalos-marinhos, os carnavais e as festas de reis. Os negros trabalhavam quase sempre cantando. Nos engenhos, tanto nas plantações como nos tanques de lavar roupa. Cantando, mesmo quando enxugavam o prato, faziam doce e pilavam café. (p. 60)
sábado, 18 de fevereiro de 2017
A linguagem do corpo : o que você precisa saber - David Cohen (2011)
Um livro famoso publicado na década de 1960, The Naked Ape, de Desmond Morris (Macaco nu - Um estudo do animal humano), afirma que grande parte do nosso comportamento é muito similar ao dos macacos. (p. 13)
Em termos de engano, maldade, fraude e autoconhecimento, o chimpanzé é um bobo quando comparado a nós. (p. 14)
A linguagem corporal é quase impossível de ser entendida por aqueles que sofrem de autismo e esquizofrenia. (p. 14)
Tony não percebe que o espelho está ali e pensa estar conseguindo ocultar sua ansiedade e ele fica torcendo os dedos - um sinal clássico de linguagem corporal nervosa. Tony também coça a bochecha. (p. 16)
Um terço dos homens e 70% das mulheres se acham muito gordos ou muito grandes. Distúrbios relacionados à imagem corporal são comuns, incluindo anorexia, bulimia e dismorfia corporal (um distúrbio em que a pessoa tem uma visão distorcida do próprio corpo ou de parte do corpo). (p. 17)
Como ainda estamos no princípio do livro, você pode precisar de algumas pistas de gestos que costumam acompanhar a mentira - mexer os dedos nervosamente, tocar no nariz, brincar com a ponta do cabelo, olhar para baixo e para os lados, dizer a mentira enquanto brinca com a bolsa, luvas ou cigarros. (p. 22)
Talvez as afirmativas mais extremas sejam feitas por um psicólogo da Califórnia, Professor Albert Mehrabian. Na década de 1970, ele disse que:
- 7% do significado está nas palavras faladas;
- 38% do significado é paralinguístico (a maneira pela qual as palavras são ditas);
- 55% do significado está na expressão facial que acompanha as palavras. (p. 25)
Os filósofos da Grécia Antiga alegavam "que as paixões boas e más pelo seu exercício contínuo deixam sua marca na face e cada paixão particular tem a sua própria expressão". (p. 27)
A mão ou os dedos escondem a boca porque a boca "tem vergonha" de não contar a verdade. (p. 32)
Mais uma vez, a teoria deve algo a Freud. Em The Psychopathology of Everyday Life (1930) (Sobre a psicopatologia da vida cotidiana), ele deu muitos exemplos de "parapráxis", como chamava, das pessoas esquecerem coisas ou cometerem erros peculiares. O inconsciente é primitivo e está cheio de desejos tabus que tendem a emergir. (p. 33)
Gordon Brown estava elogiando Tony Blair quando deu a maior bandeira: tocou no nariz.
Tocar no nariz, muitos especialistas afirmam, é uma "atividade dispersiva" que sugere que a pessoa está mentindo. (...) Sugeriu-se que um mentiroso toca no nariz porque o fluxo sanguíneo aumenta ao mentir. Então, o que parece um tique nervoso é, na verdade, um tique desonesto. Quem toca o nariz está tentando ocultá-lo, porque ficou congestionado e fica cada vez mais vermelho à medida que mais sangue passa por ele. (p. 34)
Os psicólogos definem uma atividade dispersiva como "a realização de um ato inapropriado ao estímulo que o evoca". (p. 35)
Vejo você cruzar os braços e, para mostrar a minha empatia, cruzo os braços também. Ás vezes isso é chamado de eco postural. (p. 42)
Se alguém diz ter achado que um funcionário fez um bom trabalho e tamborila com os dedos na mesa, ou pior, rói as unhas, é melhor que ele fique atento. Esses sinais geralmente não são gestos animados de cordialidade, sugerindo insinceridade no elogio. (p. 47)
Pernas cruzadas geralmente são uma postura defensiva - assim como muitas instâncias em que nos tocamos. Muitos desses toques são autoconfortantes ou autoprotetores. Se estou assustado, eu me abraço. Mas esses gestos também podem servir como sinais para "ficar alerta". (p. 52)
Quando a minha filha começou a bocejar compulsivamente, o médico da nossa família disse, "Ela parece estar muito cansada", e eu tive de explicar a ele que ela estava muito assustada - é uma atividade dispersiva muito comum, como coçar-se ou roer as unhas quando se está sob estresse leve (COHEN, 1977). (p. 57)
Michelle T. Sterling afirma que todos nós somos uma "marca" e acrescenta: "As pessoas avaliam a sua aparência visual e comportamental dos pés à cabeça. Observam a sua conduta, maneirismos, linguagem corporal e até mesmo a sua produção e acessórios - relógio, bolsa e pasta. Em apenas três segundos, você causa uma impressão indelével. Você pode fascinar alguns e desagradar outros. Depois que a primeira impressão é causada, é praticamente irreversível". (p. 60)
É quase certo que o homem que coloca os pés sobre a mesa tem um ego inflado e é muito possessivo em relação ao seu território. (p. 64)
O seu cabelo também sinaliza alguns aspectos da sua personalidade, de acordo com um estudo da Procter & Gamble feito por Marianne LaFrance de Yale, em 2000. Ela constatou que , ao menos nos Estados Unidos, o tipo de cabelo desempenha um papel importante nas primeiras impressões. Na mulher, o cabelo curto e desalinhado transmite confiança e temperamento extrovertido, mas não sugere que ela seja sexy. (p. 66)
Observe quando as pessoas chegam a algum evento: depois que o anfitrião e os convidados se abraçam, eles se afastam e um ou ambos sem pre olha(m) em outra direção. O antropólogo Adam Kendon (1994) chama isso de "corte" e considera que possa ser um mecanismo para a manutenção do equilíbrio, assim como F Davis: "Todos os relacionamentos, exceto os muito recentes, têm seu próprio nível de intimidade e, se um cumprimento for mais íntimo do que o relacionamento estabelece algum tipo de corte é necessário depois para que tudo volte ao normal rapidamente" (Davis, 1971: 46). (p. 67)
As mulheres que apertam a mão com mais vigor são consideradas mais inteligentes. (p. 69)
Ao apertar as mãos, a posição da palma revela muito sobre a condição diferente dos que se cumprimenta. Quando uma palma cobre a outra, indica posição de poder. (p. 70)
A conhecida saudação nazista era a palma para baixo, sinalizando a obsessão por poder e controle. (p. 70)
Ninguém desejando ser visto como um homem forte deve posicionar as palmas em uma posição em que outra pessoa possa derrubá-lo. (p. 71)
Usar a outra mão para cobrir as mãos entrelaçadas pode ser simpático, mas pode ser mal interpretado como "maternal, controlador ou muito íntimo". (p. 71)
Mas se alguém "normal" colocar a mão livre sobre os combros da outra pessoa ou apertar o seu antebraço, ele está invadindo o "espaço pessoal" da outra pessoa, o que pode desagradar. (p. 71)
A perfeita duração para segurar a mão do outro é de 2,7 segundos, de acordo com Caudillo. (p. 72)
A melhor estimativa - e é uma estimativa - é que, para um ocidental mediano, o espaço físico pessoal é cerca de 60 cm em cada lado, 70 cm de frente e 40 cm atrás. A cultura e a personalidade afetam o que as pessoas veem como espaço pessoal confortável - a cultura mais ainda. (p. 83)
Os interrogadores policiais aprendem que essa "violação" do espaço pessoal pode pressionar suspeitos e testemunhas. (p. 86)
Um estudo constatou que, ao sentirmos que o nosso espaço pessoal foi invadido, também coçamos o rosto. A questão do espaço pessoal está intimamente ligada à questão do toque. (p. 90)
Tocar no nariz quando mentimos também ajuda a ocultar o aumento de fluxo sanguíneo ao nariz, um tipo de rubor nasal, então é uma atividade dispersiva que deriva da nossa forma inconsciente de mostrar traços de mentira no nariz. (p. 97)
As palmas das mãos para cima são um gesto de desamparo e resignação. (p. 97)
As palmas também demonstram ansiedade, porque podem suar e ficar úmidas. (p. 97)
Cruzar os braços quase pode tornar-se um autoabraço que, assim como tocas em si mesmo, é uma tentativa de autoconforto. (p. 99)
Um agente do FBI, Joe Navarro, disse, "É um gesto de quem quer marcar território, geralmente presente quando algo está errado. Não recomendo que policiais envolvidos em situações domésticas fiquem na porta com as mãos na cintura. Eles estariam bloqueando o castelo do rei, marcando território e é uma declaração hostil quando se precisa de calma. Por outro lado, encorajo os policiais a usar as mãos na cintura com maior frequência para marcar mais território e, então, maior autoridade". (p. 101)
Alguns filósofos acreditam que mover os pés ajuda a usar o cérebro. (p. 102)
Quando um sapo quer impressionar os outros, ele se intumesce. Os humanos fazem a mesma coisa. Nós exageramos o peito e a amplitude dos ombros, e é por isso que os uniformes militares e os ternos comerciais são talhados de forma a aumentar o nosso perfil. Algumas espécies, como os gatos, cães e leões, espicham o pelo para intimidar os outros. (p. 103)
Quando inclinamos a cabeça ao falar com alguém, provavelmente estamos tentando, de forma inconsciente, criar afinidade. (...) Mulheres que inclinam a cabeça, como a Princesa Diana costumava fazer, tendem a parecer tímidas e submissas. (104)
Quando os atletas ficam com raiva, segundo um estudo de 1971, costumam colocar as mãos atrás da cabeça. (p. 105)
Durante as entrevistas, observei as pessoas tocando na nuca imediatamente depois de ouvirem que eram suspeitas e todas as vezes em que os investigadores eram precisos na descrição de algo que só o suspeito sabia. (p. 105)
A(s) mão(s) atrás da cabeça revela(m) incerteza, conflito, frustração, raiva ou desagrado. (p. 106)
O furioso gorila aperta os lábios. Nos planaltos de Papua Nova Guiné, quando alguém pedia aos homens para mostrar o que fariam se ficassem enfurecidos e prontos para o ataque, o psicólogo Paul Ekman observou que "eles apertavam os lábios".
O executivo costuma fazer o mesmo na selva corporativa. Quando a sua chefe está furiosa, é possível que ela comprima os lábios. (p. 108)
Molhar os lábios é uma tentativa de nos confortar - um dos vários movimentos de tocar em si mesmo. (p. 110)
Geralmente, se estiver tentando transmitir credibilidade e calma, é muito melhor você não se tocar. (p. 111)
No final, quando o bebê tem cerca de nove meses, essas "sequências" se desenvolvem em esconde-esconde; esse é um jogo de suma importância porque ensina aos bebês que é necessário fazer coisas em sequência e saber a sua vez. (p. 119)
O cuidado dos pais permite que os bebês aprendam algumas das regras do contato ocular. Mas, quando as crianças são mal-tratadas ou são autistas, esse sistema tão complexo nunca funciona adequadamente - e isso surte efeitos profundos em seu comportamento. (p. 121)
O tremelicar das pálpebras é diferente do piscar: com a câmera em alta velocidade, vemos que o olho não fecha completamente, e a velocidade é espantosa. Navarro observou pela primeira vez esse comportamento da pálpebra em 1985 e constatou que as pessoas que estão perturbadas com uma pergunta costumam fazer isso, especialmente se estiverem prestes a mentir. (p. 124)
Olhe para a boca da pessoa que estiver ouvindo você. Ela deve estar relaxada e quase parada. Não deve estar assimétrica, uma posição que, sabemos, reflete desconforto. (p. 125)
Olhares muito longos são mais ameaçadores do que empáticos. (p. 126)
Aqueles que serviram a alguns líderes, como o General Montgomery, que lutou na Batalha de El-Alamein, e o dirigente do Manchester United, Sir Alex Ferguson, não os comparam a vampiros, mas comentam a maneira penetrante com a qual eles olhavam para as pessoas. Homens e mulheres fortes esmorecem sob o olhar desses super-homens. Consciente ou inconscientemente, eles usam o que os psicólogos chamam de olhar poderoso. (p. 127)
Charles Darwin observou que os macacos, especialmente os babuínos, ao ficarem furiosos ou excitados, "movem rápida e incessantemente as sobrancelhas para cima e para baixo". (p. 128)
O abaixamento repentino das sobrancelhas também é um bom sinal de que alguém discorda de você ou nem se importa com o que você diz. (p. 128)
Olhar para cima e para a esquerda (do ponto de vista do observador) mostra que é uma imagem construída visualmente. Se você pedia alguém para imaginar uma girafa rosa estrelada os seus olhos se movem nessa direção. (p. 131)
Olhar para cima e para a direita mostra que é uma imagem lembrada visualmente. Se você pedir a alguém para lembrar a cor do seu primeiro carro, os olhos dela se moverão nessa direção enquanto ela acessa as memórias do carro vermelho amassado que tinha aos 18 anos. (p. 131)
Olhar para a esquerda mostra que é uma imagem construída auditivamente. Se você pedir para alguém tentar criar o som do tom mais alto possível, os seus olhos se moverão nessa direção enquanto ele pensa sobre a pergunta e tenta construir um som que nunca ouviu. (p. 131)
Olhar para a direita mostra que é uma imagem lembrada auditivamente. (p. 131)
E não há maneira melhor de saber o que o outro está pensando do que olhar para o seu rosto. (p. 135)
Conforme crescemos, sabemos que - como Ricardo III - podemos sorrir e "matar enquanto sorrimos". Começando a partir da idade de 36 a 48 meses, os bebês são capazes de sorrir mesmo sem querer. (p. 137)
Mas a pergunta-chave a fazer ao olhar para alguém que está sorrindo para você é: ele(a) está usando o zigomático maior?
Se estiver, ele (a) está sendo sincero(a).
Se não estiver, é quase certo que não está sendo sincero(a). (p. 141)
Nos 150 anos de pesquisas com sorrisos, porém, ninguém fez duas perguntas fundamentais. Primeiro, as pessoas com personalidades maquiavélicas sorriem usando o seu músculo zigomático maior? Segundo, vimos que os bebês começam a sorrir quando têm cerca de dois meses, mas em que idade começam a usar o seu ZM? (p. 141)
Sorrisos forçados, sorrisos que não têm um motivo real subjacente, são menos intensos do lado esquerdo do rosto. (p. 142)
Eles observam que os altruístas autodeclarados produziam significativamente mais rugas de preocupação, mais balanços da cabeça, sorrisos mais curtos e mais simétricos do que os não altruístas, todos sinais difíceis de fingir, porque estão ligados à expressão emocional espontânea. E um dos sinais você realmente não esperaria - o tamanho do sorriso. Sorrisos sinceros duram instantes fugazes, enquanto um sorriso falso fica estampado no rosto. (p. 145)
O animal dominante costuma ser maior e mais alto. O animal submisso "sabe" disso e aceita a sua posição sem criar uma briga de verdade. (p. 149)
Um conselho preciosos de sites de autoajuda (por exemplo, www.nationalbullyinghelpline.co.uk) é sentar e inclinar-se suavemente para a frente de forma a projetar "interesse e compromisso com a interação. Também é prudente alinhar a posição do corpo com a do entrevistador, pois isso demonstra admiração e concordância". A lisonja lhe dará o emprego. (p. 152)
Proibições:
- Não coce o pescoço - sugere que você não se importa ou que tem algo a esconder.
- Não coce o nariz - é desagradável e sugere que você está mentindo.
- Não coce nenhuma outra parte do corpo - é ainda pior.
- Não trema nem balance as pernas ou joelhos - sugere tensão: se algum dos entrevistadores já tiver sido policial, suspeitará que você tem um passado criminoso.
- Não lance um olhar vazio aos entrevistadores - sugere que você não tem nenhuma ideia em mente. (p. 153)
Entretanto, há três tipos de comunicação não verbal que costumam valer a pena mostrar.
1. Preste total atenção aos entrevistadores, usando todas as habilidades descritas até agora. É isso que o grande terapeuta Carl Rogers oferecia aos clientes.
2. Reflita um pouco a linguagem corporal deles - mas não muito.
3. Um pouco de entusiasmo raramente faz mal. Deve ser tanto verbal quanto não verbal. (p. 153)
O crucial é saber como expor as suas ideias com firmeza sem incomodar as pessoas, e a postura e o tempo fazem diferença. Não seja preguiçoso nas reuniões: sente-se à mesa e faça anotações. Faça contato ocular firme quando os outros falarem. E tente sentir o clima da reunião. Você pode fazer isso verificando o quão tensa a linguagem corporal se apresenta. Sugiro que você não inicie confrontos se perceber muitos exemplos de atividade dispersivas, inquietação ou sinais clássicos de tensão, como pessoas sentadas de braços cruzados ou esfregando as mãos na nuca. (p. 160)
Pesquisas do website Badbossology (www.badbossology.com), que registram o que faz um chefe ser bom ou ruim, mostram que os homens acima de 45 anos acham difícil conviver com uma chefe, porque, historicamente, as mulheres deveriam ser submissas. Os homens que agora têm chefes do sexo feminino às vezes não gostam de prestar obediência ao "sexo frágil". A inversão de papéis pode causar problemas. (p. 161)
Não ficamos vulneráveis ao falar, mas quando rimos, espirramos, temos um orgasmo ou estamos sob estresse extremo, ficamos fora de controle. (164)
Esse é um dos mais antigos balés visuais do mundo - você olha para alguém que o interessa, mas não quer que ele perceba que você está entusiasmado, então você desvia o olhar. Depois, com o canto do olho, você espera que ele olhe para você - o que mostrará se ele está interessado também. (p. 170)
Analisando um grupo de pesquisa, Moore constatou que as mulheres usam 52 comportamentos não verbais diferentes na paquera. Eles incluem olhares de relance, olhares fixos, roupas elegantes, maquiagem, sorrisos, molhar os lábios, fazer beicinho, dar risadinhas, gargalhar e balançar a cabeça. (p. 171)
Tim Perper (1999), da Universidade de Filadélfia, afirma que os homens que paqueram produzem gestos que podem parecer dominantes, como estufar o peito e exibir-se. Mas não se deixe enganar pela bravata. A paquera dominante também pode mostrar muitos gestos submissos, como abaixar mais a cabeça do que a mulher. (p. 172)
Sinais encorajadores são se ele(a) também estiver se inclinando para frente e tiver uma postura "aberta". As mulheres, assim mostram as experiências, têm maior probabilidade de inclinar a cabeça para um lado quando estão interessadas. (p. 174)
Posturas parecidas com imagens do espelho - em que o lado esquerdo de alguém "corresponde" ao lado direito do outro - são o sinal mais forte de afinidade. (p. 174)
Tannen admite que, quando as mulheres acusam os homens de não ouvir e os homens protestam, "Eu estou ouvindo", os homens costumam ter razão. Mas a linguagem corporal deles não leva as mulheres a pensarem que eles estejam prestando atenção. (p. 179)
Os extrovertidos são mais impacientes, ficam entediados com mais facilidade e ficam sexualmente excitados com mais rapidez. (p. 181)
Os introvertidos, por outro lado, serão mais lentos, o que os tornaria amantes melhores se não fosse pelo fato de que eles ficam mais ansiosos. (p. 181)
Os dois primeiros estágios tratam dos prelúdios ao se fazer amor e são bem claros sobre a linguagem corporal. O estágio 1 é a excitação: o pulso acelera, a respiração fica mais rápida, os homens começam a ter uma ereção, as mulheres têm sensação de latejamento, as pupilas dilatam. (p. 184)
O estágio 2 é o estágio platô. Masters e Johnson assim o chamaram porque as preliminares levam a um ápice de excitação - um platô, se você preferir. A maioria das mulheres e homens precisa ficar algum tempo nesse estágio de grande excitação antes de atingir o orgasmo. (p. 184)
É normal ficar ansioso na primeira vez que você vai para a cama com alguém. Ansiedades bastante normais são:
- Está acontecendo muito rápido?
- Ele(a) me ama?
- Sou sexy o suficiente?
- O que ele(a) espera de um(a) parceiro(a) sexual? (p. 185)
As pessoas extrovertidas e sociáveis tenderam um pouco mais a mentir. (p. 188)
Os sujeitos mentirosos tendiam a ficar inquietos, suar e balançar os joelhos (p. 189)
Um inocente sob estresse, desesperado para que as pessoas acreditem nele, também pode demonstrar agitação e até balançar os joelhos. (p. 190)
Seis sinais de mentira
1 - Sinais indicativos de que você está ansioso, como ficar inquieto ou, como observou Joe Navarro (2003), tocar na nuca ou no nariz.
2 - Sinais sugerindo que você está sendo reticente ou esquivando-se da situação, como olhar para baixo.
3 - Comportamentos que sejam muito diferentes da sua maneira de se comportar normalmente.
4 - Comportamentos sugestivos de que você não gosta do que está fazendo.
5 - Sinais que demonstram imprecisão subjacente. Um muito claro é hesitar por muito tempo antes de dizer algo ou parecer em dúvida.
6 - Respostas incongruentes ou mensagens misturadas. (p. 191)
Os mentirosos tenderam a usar menos palavras na primeira pessoa (como "eu" ou "meu") e tenderam menos a usar palavras emocionais (como "magoado" ou "irritado"), palavras cognitivas (como "entender" ou "perceber") e as chamadas palavras exclusivas (como "mas" ou "sem": palavras que distinguem o que é e o que não é). (p. 191)
Mas alguns aspectos da linguagem corporal são os mesmos no mundo todo. Até em Nova Guiné as pessoas reconhecem expressões ocidentais de raiva, tristeza, medo e alegria, embora em um estudo alguns membros de tribos supostamente primitivas tenham ficado confusos com a s expressões de surpresa e medo.
A aparência de alguém sempre transmite informações sobre si mesmo, especialmente sobre sexo, idade e condição social. Certas culturas, porém, podem limitar as informações que devem ser transmitidas não verbalmente. No Japão, por exemplo, espera-se que a comunicação não verbal transmita informações sobre a condição, mas não sobre os sentimentos. (p. 196)
Alguns gestos também têm significados particulares: por exemplo, juntar a ponta dos polegares e dedos da mão, formando uma pirâmide, e balançar a mão para cima e para baixo a partir do pulso é um sinal de que o homem acha a mulher bonita. (p. 199)
Se passear na Grécia, não estenda os braços horizontalmente, com as palmas voltadas para baixo, em direção a alguém. Isso é um insulto que significa: "Vá para o inferno duas vezes". (p. 200)
Em termos de engano, maldade, fraude e autoconhecimento, o chimpanzé é um bobo quando comparado a nós. (p. 14)
A linguagem corporal é quase impossível de ser entendida por aqueles que sofrem de autismo e esquizofrenia. (p. 14)
Tony não percebe que o espelho está ali e pensa estar conseguindo ocultar sua ansiedade e ele fica torcendo os dedos - um sinal clássico de linguagem corporal nervosa. Tony também coça a bochecha. (p. 16)
Um terço dos homens e 70% das mulheres se acham muito gordos ou muito grandes. Distúrbios relacionados à imagem corporal são comuns, incluindo anorexia, bulimia e dismorfia corporal (um distúrbio em que a pessoa tem uma visão distorcida do próprio corpo ou de parte do corpo). (p. 17)
Como ainda estamos no princípio do livro, você pode precisar de algumas pistas de gestos que costumam acompanhar a mentira - mexer os dedos nervosamente, tocar no nariz, brincar com a ponta do cabelo, olhar para baixo e para os lados, dizer a mentira enquanto brinca com a bolsa, luvas ou cigarros. (p. 22)
Talvez as afirmativas mais extremas sejam feitas por um psicólogo da Califórnia, Professor Albert Mehrabian. Na década de 1970, ele disse que:
- 7% do significado está nas palavras faladas;
- 38% do significado é paralinguístico (a maneira pela qual as palavras são ditas);
- 55% do significado está na expressão facial que acompanha as palavras. (p. 25)
Os filósofos da Grécia Antiga alegavam "que as paixões boas e más pelo seu exercício contínuo deixam sua marca na face e cada paixão particular tem a sua própria expressão". (p. 27)
A mão ou os dedos escondem a boca porque a boca "tem vergonha" de não contar a verdade. (p. 32)
Mais uma vez, a teoria deve algo a Freud. Em The Psychopathology of Everyday Life (1930) (Sobre a psicopatologia da vida cotidiana), ele deu muitos exemplos de "parapráxis", como chamava, das pessoas esquecerem coisas ou cometerem erros peculiares. O inconsciente é primitivo e está cheio de desejos tabus que tendem a emergir. (p. 33)
Gordon Brown estava elogiando Tony Blair quando deu a maior bandeira: tocou no nariz.
Tocar no nariz, muitos especialistas afirmam, é uma "atividade dispersiva" que sugere que a pessoa está mentindo. (...) Sugeriu-se que um mentiroso toca no nariz porque o fluxo sanguíneo aumenta ao mentir. Então, o que parece um tique nervoso é, na verdade, um tique desonesto. Quem toca o nariz está tentando ocultá-lo, porque ficou congestionado e fica cada vez mais vermelho à medida que mais sangue passa por ele. (p. 34)
Os psicólogos definem uma atividade dispersiva como "a realização de um ato inapropriado ao estímulo que o evoca". (p. 35)
Vejo você cruzar os braços e, para mostrar a minha empatia, cruzo os braços também. Ás vezes isso é chamado de eco postural. (p. 42)
Se alguém diz ter achado que um funcionário fez um bom trabalho e tamborila com os dedos na mesa, ou pior, rói as unhas, é melhor que ele fique atento. Esses sinais geralmente não são gestos animados de cordialidade, sugerindo insinceridade no elogio. (p. 47)
Pernas cruzadas geralmente são uma postura defensiva - assim como muitas instâncias em que nos tocamos. Muitos desses toques são autoconfortantes ou autoprotetores. Se estou assustado, eu me abraço. Mas esses gestos também podem servir como sinais para "ficar alerta". (p. 52)
Quando a minha filha começou a bocejar compulsivamente, o médico da nossa família disse, "Ela parece estar muito cansada", e eu tive de explicar a ele que ela estava muito assustada - é uma atividade dispersiva muito comum, como coçar-se ou roer as unhas quando se está sob estresse leve (COHEN, 1977). (p. 57)
Michelle T. Sterling afirma que todos nós somos uma "marca" e acrescenta: "As pessoas avaliam a sua aparência visual e comportamental dos pés à cabeça. Observam a sua conduta, maneirismos, linguagem corporal e até mesmo a sua produção e acessórios - relógio, bolsa e pasta. Em apenas três segundos, você causa uma impressão indelével. Você pode fascinar alguns e desagradar outros. Depois que a primeira impressão é causada, é praticamente irreversível". (p. 60)
É quase certo que o homem que coloca os pés sobre a mesa tem um ego inflado e é muito possessivo em relação ao seu território. (p. 64)
O seu cabelo também sinaliza alguns aspectos da sua personalidade, de acordo com um estudo da Procter & Gamble feito por Marianne LaFrance de Yale, em 2000. Ela constatou que , ao menos nos Estados Unidos, o tipo de cabelo desempenha um papel importante nas primeiras impressões. Na mulher, o cabelo curto e desalinhado transmite confiança e temperamento extrovertido, mas não sugere que ela seja sexy. (p. 66)
Observe quando as pessoas chegam a algum evento: depois que o anfitrião e os convidados se abraçam, eles se afastam e um ou ambos sem pre olha(m) em outra direção. O antropólogo Adam Kendon (1994) chama isso de "corte" e considera que possa ser um mecanismo para a manutenção do equilíbrio, assim como F Davis: "Todos os relacionamentos, exceto os muito recentes, têm seu próprio nível de intimidade e, se um cumprimento for mais íntimo do que o relacionamento estabelece algum tipo de corte é necessário depois para que tudo volte ao normal rapidamente" (Davis, 1971: 46). (p. 67)
As mulheres que apertam a mão com mais vigor são consideradas mais inteligentes. (p. 69)
Ao apertar as mãos, a posição da palma revela muito sobre a condição diferente dos que se cumprimenta. Quando uma palma cobre a outra, indica posição de poder. (p. 70)
A conhecida saudação nazista era a palma para baixo, sinalizando a obsessão por poder e controle. (p. 70)
Ninguém desejando ser visto como um homem forte deve posicionar as palmas em uma posição em que outra pessoa possa derrubá-lo. (p. 71)
Usar a outra mão para cobrir as mãos entrelaçadas pode ser simpático, mas pode ser mal interpretado como "maternal, controlador ou muito íntimo". (p. 71)
Mas se alguém "normal" colocar a mão livre sobre os combros da outra pessoa ou apertar o seu antebraço, ele está invadindo o "espaço pessoal" da outra pessoa, o que pode desagradar. (p. 71)
A perfeita duração para segurar a mão do outro é de 2,7 segundos, de acordo com Caudillo. (p. 72)
A melhor estimativa - e é uma estimativa - é que, para um ocidental mediano, o espaço físico pessoal é cerca de 60 cm em cada lado, 70 cm de frente e 40 cm atrás. A cultura e a personalidade afetam o que as pessoas veem como espaço pessoal confortável - a cultura mais ainda. (p. 83)
Os interrogadores policiais aprendem que essa "violação" do espaço pessoal pode pressionar suspeitos e testemunhas. (p. 86)
Um estudo constatou que, ao sentirmos que o nosso espaço pessoal foi invadido, também coçamos o rosto. A questão do espaço pessoal está intimamente ligada à questão do toque. (p. 90)
Tocar no nariz quando mentimos também ajuda a ocultar o aumento de fluxo sanguíneo ao nariz, um tipo de rubor nasal, então é uma atividade dispersiva que deriva da nossa forma inconsciente de mostrar traços de mentira no nariz. (p. 97)
As palmas das mãos para cima são um gesto de desamparo e resignação. (p. 97)
As palmas também demonstram ansiedade, porque podem suar e ficar úmidas. (p. 97)
Cruzar os braços quase pode tornar-se um autoabraço que, assim como tocas em si mesmo, é uma tentativa de autoconforto. (p. 99)
Um agente do FBI, Joe Navarro, disse, "É um gesto de quem quer marcar território, geralmente presente quando algo está errado. Não recomendo que policiais envolvidos em situações domésticas fiquem na porta com as mãos na cintura. Eles estariam bloqueando o castelo do rei, marcando território e é uma declaração hostil quando se precisa de calma. Por outro lado, encorajo os policiais a usar as mãos na cintura com maior frequência para marcar mais território e, então, maior autoridade". (p. 101)
Alguns filósofos acreditam que mover os pés ajuda a usar o cérebro. (p. 102)
Quando um sapo quer impressionar os outros, ele se intumesce. Os humanos fazem a mesma coisa. Nós exageramos o peito e a amplitude dos ombros, e é por isso que os uniformes militares e os ternos comerciais são talhados de forma a aumentar o nosso perfil. Algumas espécies, como os gatos, cães e leões, espicham o pelo para intimidar os outros. (p. 103)
Quando inclinamos a cabeça ao falar com alguém, provavelmente estamos tentando, de forma inconsciente, criar afinidade. (...) Mulheres que inclinam a cabeça, como a Princesa Diana costumava fazer, tendem a parecer tímidas e submissas. (104)
Quando os atletas ficam com raiva, segundo um estudo de 1971, costumam colocar as mãos atrás da cabeça. (p. 105)
Durante as entrevistas, observei as pessoas tocando na nuca imediatamente depois de ouvirem que eram suspeitas e todas as vezes em que os investigadores eram precisos na descrição de algo que só o suspeito sabia. (p. 105)
A(s) mão(s) atrás da cabeça revela(m) incerteza, conflito, frustração, raiva ou desagrado. (p. 106)
O furioso gorila aperta os lábios. Nos planaltos de Papua Nova Guiné, quando alguém pedia aos homens para mostrar o que fariam se ficassem enfurecidos e prontos para o ataque, o psicólogo Paul Ekman observou que "eles apertavam os lábios".
O executivo costuma fazer o mesmo na selva corporativa. Quando a sua chefe está furiosa, é possível que ela comprima os lábios. (p. 108)
Molhar os lábios é uma tentativa de nos confortar - um dos vários movimentos de tocar em si mesmo. (p. 110)
Geralmente, se estiver tentando transmitir credibilidade e calma, é muito melhor você não se tocar. (p. 111)
No final, quando o bebê tem cerca de nove meses, essas "sequências" se desenvolvem em esconde-esconde; esse é um jogo de suma importância porque ensina aos bebês que é necessário fazer coisas em sequência e saber a sua vez. (p. 119)
O cuidado dos pais permite que os bebês aprendam algumas das regras do contato ocular. Mas, quando as crianças são mal-tratadas ou são autistas, esse sistema tão complexo nunca funciona adequadamente - e isso surte efeitos profundos em seu comportamento. (p. 121)
O tremelicar das pálpebras é diferente do piscar: com a câmera em alta velocidade, vemos que o olho não fecha completamente, e a velocidade é espantosa. Navarro observou pela primeira vez esse comportamento da pálpebra em 1985 e constatou que as pessoas que estão perturbadas com uma pergunta costumam fazer isso, especialmente se estiverem prestes a mentir. (p. 124)
Olhe para a boca da pessoa que estiver ouvindo você. Ela deve estar relaxada e quase parada. Não deve estar assimétrica, uma posição que, sabemos, reflete desconforto. (p. 125)
Olhares muito longos são mais ameaçadores do que empáticos. (p. 126)
Aqueles que serviram a alguns líderes, como o General Montgomery, que lutou na Batalha de El-Alamein, e o dirigente do Manchester United, Sir Alex Ferguson, não os comparam a vampiros, mas comentam a maneira penetrante com a qual eles olhavam para as pessoas. Homens e mulheres fortes esmorecem sob o olhar desses super-homens. Consciente ou inconscientemente, eles usam o que os psicólogos chamam de olhar poderoso. (p. 127)
Charles Darwin observou que os macacos, especialmente os babuínos, ao ficarem furiosos ou excitados, "movem rápida e incessantemente as sobrancelhas para cima e para baixo". (p. 128)
O abaixamento repentino das sobrancelhas também é um bom sinal de que alguém discorda de você ou nem se importa com o que você diz. (p. 128)
Olhar para cima e para a esquerda (do ponto de vista do observador) mostra que é uma imagem construída visualmente. Se você pedia alguém para imaginar uma girafa rosa estrelada os seus olhos se movem nessa direção. (p. 131)
Olhar para cima e para a direita mostra que é uma imagem lembrada visualmente. Se você pedir a alguém para lembrar a cor do seu primeiro carro, os olhos dela se moverão nessa direção enquanto ela acessa as memórias do carro vermelho amassado que tinha aos 18 anos. (p. 131)
Olhar para a esquerda mostra que é uma imagem construída auditivamente. Se você pedir para alguém tentar criar o som do tom mais alto possível, os seus olhos se moverão nessa direção enquanto ele pensa sobre a pergunta e tenta construir um som que nunca ouviu. (p. 131)
Olhar para a direita mostra que é uma imagem lembrada auditivamente. (p. 131)
E não há maneira melhor de saber o que o outro está pensando do que olhar para o seu rosto. (p. 135)
Conforme crescemos, sabemos que - como Ricardo III - podemos sorrir e "matar enquanto sorrimos". Começando a partir da idade de 36 a 48 meses, os bebês são capazes de sorrir mesmo sem querer. (p. 137)
Mas a pergunta-chave a fazer ao olhar para alguém que está sorrindo para você é: ele(a) está usando o zigomático maior?
Se estiver, ele (a) está sendo sincero(a).
Se não estiver, é quase certo que não está sendo sincero(a). (p. 141)
Nos 150 anos de pesquisas com sorrisos, porém, ninguém fez duas perguntas fundamentais. Primeiro, as pessoas com personalidades maquiavélicas sorriem usando o seu músculo zigomático maior? Segundo, vimos que os bebês começam a sorrir quando têm cerca de dois meses, mas em que idade começam a usar o seu ZM? (p. 141)
Sorrisos forçados, sorrisos que não têm um motivo real subjacente, são menos intensos do lado esquerdo do rosto. (p. 142)
Eles observam que os altruístas autodeclarados produziam significativamente mais rugas de preocupação, mais balanços da cabeça, sorrisos mais curtos e mais simétricos do que os não altruístas, todos sinais difíceis de fingir, porque estão ligados à expressão emocional espontânea. E um dos sinais você realmente não esperaria - o tamanho do sorriso. Sorrisos sinceros duram instantes fugazes, enquanto um sorriso falso fica estampado no rosto. (p. 145)
O animal dominante costuma ser maior e mais alto. O animal submisso "sabe" disso e aceita a sua posição sem criar uma briga de verdade. (p. 149)
Um conselho preciosos de sites de autoajuda (por exemplo, www.nationalbullyinghelpline.co.uk) é sentar e inclinar-se suavemente para a frente de forma a projetar "interesse e compromisso com a interação. Também é prudente alinhar a posição do corpo com a do entrevistador, pois isso demonstra admiração e concordância". A lisonja lhe dará o emprego. (p. 152)
Proibições:
- Não coce o pescoço - sugere que você não se importa ou que tem algo a esconder.
- Não coce o nariz - é desagradável e sugere que você está mentindo.
- Não coce nenhuma outra parte do corpo - é ainda pior.
- Não trema nem balance as pernas ou joelhos - sugere tensão: se algum dos entrevistadores já tiver sido policial, suspeitará que você tem um passado criminoso.
- Não lance um olhar vazio aos entrevistadores - sugere que você não tem nenhuma ideia em mente. (p. 153)
Entretanto, há três tipos de comunicação não verbal que costumam valer a pena mostrar.
1. Preste total atenção aos entrevistadores, usando todas as habilidades descritas até agora. É isso que o grande terapeuta Carl Rogers oferecia aos clientes.
2. Reflita um pouco a linguagem corporal deles - mas não muito.
3. Um pouco de entusiasmo raramente faz mal. Deve ser tanto verbal quanto não verbal. (p. 153)
O crucial é saber como expor as suas ideias com firmeza sem incomodar as pessoas, e a postura e o tempo fazem diferença. Não seja preguiçoso nas reuniões: sente-se à mesa e faça anotações. Faça contato ocular firme quando os outros falarem. E tente sentir o clima da reunião. Você pode fazer isso verificando o quão tensa a linguagem corporal se apresenta. Sugiro que você não inicie confrontos se perceber muitos exemplos de atividade dispersivas, inquietação ou sinais clássicos de tensão, como pessoas sentadas de braços cruzados ou esfregando as mãos na nuca. (p. 160)
Pesquisas do website Badbossology (www.badbossology.com), que registram o que faz um chefe ser bom ou ruim, mostram que os homens acima de 45 anos acham difícil conviver com uma chefe, porque, historicamente, as mulheres deveriam ser submissas. Os homens que agora têm chefes do sexo feminino às vezes não gostam de prestar obediência ao "sexo frágil". A inversão de papéis pode causar problemas. (p. 161)
Não ficamos vulneráveis ao falar, mas quando rimos, espirramos, temos um orgasmo ou estamos sob estresse extremo, ficamos fora de controle. (164)
Esse é um dos mais antigos balés visuais do mundo - você olha para alguém que o interessa, mas não quer que ele perceba que você está entusiasmado, então você desvia o olhar. Depois, com o canto do olho, você espera que ele olhe para você - o que mostrará se ele está interessado também. (p. 170)
Analisando um grupo de pesquisa, Moore constatou que as mulheres usam 52 comportamentos não verbais diferentes na paquera. Eles incluem olhares de relance, olhares fixos, roupas elegantes, maquiagem, sorrisos, molhar os lábios, fazer beicinho, dar risadinhas, gargalhar e balançar a cabeça. (p. 171)
Tim Perper (1999), da Universidade de Filadélfia, afirma que os homens que paqueram produzem gestos que podem parecer dominantes, como estufar o peito e exibir-se. Mas não se deixe enganar pela bravata. A paquera dominante também pode mostrar muitos gestos submissos, como abaixar mais a cabeça do que a mulher. (p. 172)
Sinais encorajadores são se ele(a) também estiver se inclinando para frente e tiver uma postura "aberta". As mulheres, assim mostram as experiências, têm maior probabilidade de inclinar a cabeça para um lado quando estão interessadas. (p. 174)
Posturas parecidas com imagens do espelho - em que o lado esquerdo de alguém "corresponde" ao lado direito do outro - são o sinal mais forte de afinidade. (p. 174)
Tannen admite que, quando as mulheres acusam os homens de não ouvir e os homens protestam, "Eu estou ouvindo", os homens costumam ter razão. Mas a linguagem corporal deles não leva as mulheres a pensarem que eles estejam prestando atenção. (p. 179)
Os extrovertidos são mais impacientes, ficam entediados com mais facilidade e ficam sexualmente excitados com mais rapidez. (p. 181)
Os introvertidos, por outro lado, serão mais lentos, o que os tornaria amantes melhores se não fosse pelo fato de que eles ficam mais ansiosos. (p. 181)
Os dois primeiros estágios tratam dos prelúdios ao se fazer amor e são bem claros sobre a linguagem corporal. O estágio 1 é a excitação: o pulso acelera, a respiração fica mais rápida, os homens começam a ter uma ereção, as mulheres têm sensação de latejamento, as pupilas dilatam. (p. 184)
O estágio 2 é o estágio platô. Masters e Johnson assim o chamaram porque as preliminares levam a um ápice de excitação - um platô, se você preferir. A maioria das mulheres e homens precisa ficar algum tempo nesse estágio de grande excitação antes de atingir o orgasmo. (p. 184)
É normal ficar ansioso na primeira vez que você vai para a cama com alguém. Ansiedades bastante normais são:
- Está acontecendo muito rápido?
- Ele(a) me ama?
- Sou sexy o suficiente?
- O que ele(a) espera de um(a) parceiro(a) sexual? (p. 185)
As pessoas extrovertidas e sociáveis tenderam um pouco mais a mentir. (p. 188)
Os sujeitos mentirosos tendiam a ficar inquietos, suar e balançar os joelhos (p. 189)
Um inocente sob estresse, desesperado para que as pessoas acreditem nele, também pode demonstrar agitação e até balançar os joelhos. (p. 190)
Seis sinais de mentira
1 - Sinais indicativos de que você está ansioso, como ficar inquieto ou, como observou Joe Navarro (2003), tocar na nuca ou no nariz.
2 - Sinais sugerindo que você está sendo reticente ou esquivando-se da situação, como olhar para baixo.
3 - Comportamentos que sejam muito diferentes da sua maneira de se comportar normalmente.
4 - Comportamentos sugestivos de que você não gosta do que está fazendo.
5 - Sinais que demonstram imprecisão subjacente. Um muito claro é hesitar por muito tempo antes de dizer algo ou parecer em dúvida.
6 - Respostas incongruentes ou mensagens misturadas. (p. 191)
Os mentirosos tenderam a usar menos palavras na primeira pessoa (como "eu" ou "meu") e tenderam menos a usar palavras emocionais (como "magoado" ou "irritado"), palavras cognitivas (como "entender" ou "perceber") e as chamadas palavras exclusivas (como "mas" ou "sem": palavras que distinguem o que é e o que não é). (p. 191)
Mas alguns aspectos da linguagem corporal são os mesmos no mundo todo. Até em Nova Guiné as pessoas reconhecem expressões ocidentais de raiva, tristeza, medo e alegria, embora em um estudo alguns membros de tribos supostamente primitivas tenham ficado confusos com a s expressões de surpresa e medo.
A aparência de alguém sempre transmite informações sobre si mesmo, especialmente sobre sexo, idade e condição social. Certas culturas, porém, podem limitar as informações que devem ser transmitidas não verbalmente. No Japão, por exemplo, espera-se que a comunicação não verbal transmita informações sobre a condição, mas não sobre os sentimentos. (p. 196)
Alguns gestos também têm significados particulares: por exemplo, juntar a ponta dos polegares e dedos da mão, formando uma pirâmide, e balançar a mão para cima e para baixo a partir do pulso é um sinal de que o homem acha a mulher bonita. (p. 199)
Se passear na Grécia, não estenda os braços horizontalmente, com as palmas voltadas para baixo, em direção a alguém. Isso é um insulto que significa: "Vá para o inferno duas vezes". (p. 200)
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017
A fascinante construção do Eu - Augusto Cury (2011)
Um Eu maduro e autoconsciente não tem a necessidade de controlar o outro. Expõe suas convicções religiosas, políticas, científicas e até esportivas sem medo, mas com brandura e generosidade, dando ao outro o direito de aceitá-las ou rejeitá-las. Sabe que não tem poder de mudar ninguém. (p. 38)
A melhor maneira de reescrever o passado é reconstruir o presente. Devemos retornar ao passado apenas para reciclá-lo, reorganizá-lo, mas não para nos fixarmos nele. Mas muitos têm um Eu saudosista, que se fixa nos fatos que já ocorreram, seja para se autopunir pela culpa, seja para reclamar o que perdeu. reclamar e se culpar esgotam a energia do Eu, fragilizam-no como engenheiro do presente. Nada mais triste do que ser refém da história e nada tão prazeroso quanto ser um construtor de um novo tempo. (p. 72)
Uma pessoa que tem autoconsciência sólida e habilidade para aumentar a base de leitura da memória jamais venderá sua dignidade e tranquilidade por um preço vil. Se alguém a quem ela ama a trai ou frustra, lhe dá liberdade para partir sem vingança e sem grandes mágoas. Não existem pessoas intelectualmente limitadas, mas mentes estressadas e viciadas em raciocinar de maneira estreita e unifocal. (p. 86)
Pais que são especialistas em criticar os comportamentos de seus filhos, mas são incapazes de perguntar as causas que financiam suas reações e de dialogar abertamente e trocar experiências com eles, têm mais aptidão para formar servos do sistema social do que autores da sua própria história. Tais pais podem detestar as drogas e ter medo de que seus filhos a usem, mas não sabem que o seu Eu tem um grave vício, o da crítica e das respostas prontas e previsíveis. Você tem esse vício? (p. 87)
Em casos mais graves, o pensamento simples/unifocal, ancorado em janelas killer duplo P que contêm extremismos, radicalismos, insensibilidades, pode financiar o desenvolvimento de ditadores, sociopatas, psicopatas, cujo Eu tem a necessidade neurótica de poder, de estar acima dos outros e de que o mundo gravite na sua órbita. O autoritarismo não nasce no solo de uma racionalidade complexa, mas simplista. Por mais poderoso que um ditador possa ser no terreno social, será sempre frágil em seu psiquismo. (p. 88)
A crítica nos tira da condição de espectadores passivos e nos transforma em atores do processo de construção das ideias. (p. 98)
As mídias estão doentes, pois exaltam uma minoria em detrimento da complexidade da grande maioria. Induzem a formação de um Eu que se deprecia, perde a própria órbita e se torna facilmente manipulável. Os ditadores precisam do culto à celebridade, mas uma sociedade saudável precisa de mentes livres. (p. 111)
Se me sinto ferido, chateado, angustiado pelo comportamento do outro, não foi o outro que invadiu minha emoção, pois ele emitiu pensamentos virtuais através de suas palavras e gestos, que não têm esse poder. Fui eu mesmo que construí minha mazela emocional. A raiva, o ódio, o ciúme, a inveja não se transportam essencialmente pelos códigos linguísticos e visuais, precisam da cumplicidade do processo de interpretação do hospedeiro para se aninhar. Se alguém o ofender muitíssimo numa língua que você desconhece, não ficará perturbado, a não ser pelos gestos e pela tonalidade de voz. (p. 126)
Não nos relacionamos com as pessoas apenas porque elas existem e são concretas, mas também porque estão representadas e têm significados em nossa memória. Se um pai precisa aumentar muito o tom de voz para se fazer ouvir é porque sua "imagem" foi malformada nos solos da memória dos seus filhos. Se tivesse sido bem formada, um tom de voz brando bastaria para obter um grande impacto emocional. (p. 133)
Não estranhe estra frase, mas reflita sobre ela: a impossibilidade de incorporabilidade da substancialidade psíquica dos outros pela racionalidade na esfera da virtualidade produz mundos paralelos, onde estamos próximos e infinitamente distantes. (p. 136)
Entre o que somos e o que pensamos ser há uma barreira virtual paradoxal. Estamos próximos e infinitamente distantes de nós mesmos. (p. 142)
Se não for possível o Eu mudar o ambiente, ele deve mudar a si mesmo. Se não o fizer, será vítima, e não ator principal do seu script.
Loucura é conversar com todos que nos rodeiam, mas nos calar sobre nossa história. Loucura é criticar o mundo de fora, mas não criticar nossos fantasmas, não reciclar nossos medos, não dar um choque de lucidez em nossos pensamentos dialéticos e antidialéticos perturbadores. Loucura é desligar os motores de nossos carros para que não sofram desgastes, mas não desligar as nossas mentes, ou gerenciar nossos pensamentos para não estressar intensamente o nosso cérebro. Loucura é distinguir inúmeros sons ao nosso redor, mas não escutar a voz agradável e inaudível do antiespaço do pensamento virtual que clama para procurarmos por nós mesmos e mudarmos nosso estilo ansioso de vida. Loucura é consumir produtos e serviços e esquecer que aquilo que o dinheiro não compra, como a arte de proteger a psique e de se interiorizar, é fundamental para a saúde psíquica. Loucura é viver em casas e apartamentos confortáveis , mas não ter lugar dentro de si para descansar e relaxar. Sim, loucura é o Eu se autoabandonar nesta belíssima e imprevisível existência e não usar sua inteligência para se reconstruir nem se reinventar... (p. 188)
A melhor maneira de reescrever o passado é reconstruir o presente. Devemos retornar ao passado apenas para reciclá-lo, reorganizá-lo, mas não para nos fixarmos nele. Mas muitos têm um Eu saudosista, que se fixa nos fatos que já ocorreram, seja para se autopunir pela culpa, seja para reclamar o que perdeu. reclamar e se culpar esgotam a energia do Eu, fragilizam-no como engenheiro do presente. Nada mais triste do que ser refém da história e nada tão prazeroso quanto ser um construtor de um novo tempo. (p. 72)
Uma pessoa que tem autoconsciência sólida e habilidade para aumentar a base de leitura da memória jamais venderá sua dignidade e tranquilidade por um preço vil. Se alguém a quem ela ama a trai ou frustra, lhe dá liberdade para partir sem vingança e sem grandes mágoas. Não existem pessoas intelectualmente limitadas, mas mentes estressadas e viciadas em raciocinar de maneira estreita e unifocal. (p. 86)
Pais que são especialistas em criticar os comportamentos de seus filhos, mas são incapazes de perguntar as causas que financiam suas reações e de dialogar abertamente e trocar experiências com eles, têm mais aptidão para formar servos do sistema social do que autores da sua própria história. Tais pais podem detestar as drogas e ter medo de que seus filhos a usem, mas não sabem que o seu Eu tem um grave vício, o da crítica e das respostas prontas e previsíveis. Você tem esse vício? (p. 87)
Em casos mais graves, o pensamento simples/unifocal, ancorado em janelas killer duplo P que contêm extremismos, radicalismos, insensibilidades, pode financiar o desenvolvimento de ditadores, sociopatas, psicopatas, cujo Eu tem a necessidade neurótica de poder, de estar acima dos outros e de que o mundo gravite na sua órbita. O autoritarismo não nasce no solo de uma racionalidade complexa, mas simplista. Por mais poderoso que um ditador possa ser no terreno social, será sempre frágil em seu psiquismo. (p. 88)
A crítica nos tira da condição de espectadores passivos e nos transforma em atores do processo de construção das ideias. (p. 98)
As mídias estão doentes, pois exaltam uma minoria em detrimento da complexidade da grande maioria. Induzem a formação de um Eu que se deprecia, perde a própria órbita e se torna facilmente manipulável. Os ditadores precisam do culto à celebridade, mas uma sociedade saudável precisa de mentes livres. (p. 111)
Se me sinto ferido, chateado, angustiado pelo comportamento do outro, não foi o outro que invadiu minha emoção, pois ele emitiu pensamentos virtuais através de suas palavras e gestos, que não têm esse poder. Fui eu mesmo que construí minha mazela emocional. A raiva, o ódio, o ciúme, a inveja não se transportam essencialmente pelos códigos linguísticos e visuais, precisam da cumplicidade do processo de interpretação do hospedeiro para se aninhar. Se alguém o ofender muitíssimo numa língua que você desconhece, não ficará perturbado, a não ser pelos gestos e pela tonalidade de voz. (p. 126)
Não nos relacionamos com as pessoas apenas porque elas existem e são concretas, mas também porque estão representadas e têm significados em nossa memória. Se um pai precisa aumentar muito o tom de voz para se fazer ouvir é porque sua "imagem" foi malformada nos solos da memória dos seus filhos. Se tivesse sido bem formada, um tom de voz brando bastaria para obter um grande impacto emocional. (p. 133)
Não estranhe estra frase, mas reflita sobre ela: a impossibilidade de incorporabilidade da substancialidade psíquica dos outros pela racionalidade na esfera da virtualidade produz mundos paralelos, onde estamos próximos e infinitamente distantes. (p. 136)
Entre o que somos e o que pensamos ser há uma barreira virtual paradoxal. Estamos próximos e infinitamente distantes de nós mesmos. (p. 142)
Se não for possível o Eu mudar o ambiente, ele deve mudar a si mesmo. Se não o fizer, será vítima, e não ator principal do seu script.
Loucura é conversar com todos que nos rodeiam, mas nos calar sobre nossa história. Loucura é criticar o mundo de fora, mas não criticar nossos fantasmas, não reciclar nossos medos, não dar um choque de lucidez em nossos pensamentos dialéticos e antidialéticos perturbadores. Loucura é desligar os motores de nossos carros para que não sofram desgastes, mas não desligar as nossas mentes, ou gerenciar nossos pensamentos para não estressar intensamente o nosso cérebro. Loucura é distinguir inúmeros sons ao nosso redor, mas não escutar a voz agradável e inaudível do antiespaço do pensamento virtual que clama para procurarmos por nós mesmos e mudarmos nosso estilo ansioso de vida. Loucura é consumir produtos e serviços e esquecer que aquilo que o dinheiro não compra, como a arte de proteger a psique e de se interiorizar, é fundamental para a saúde psíquica. Loucura é viver em casas e apartamentos confortáveis , mas não ter lugar dentro de si para descansar e relaxar. Sim, loucura é o Eu se autoabandonar nesta belíssima e imprevisível existência e não usar sua inteligência para se reconstruir nem se reinventar... (p. 188)
Plano de Estratégia de Marketing para Transportadora
Foi solicitado que eu apresentasse um Plano de Estratégia de Marketing numa transportadora iniciante e de pequeno porte, amanhã. Acabei de preparar:
ESTRATÉGIA
DE MARKETING
TRANSPORTADORA XXXXXX LTDA
Em
um momento de crise, como o que atravessamos atualmente, a melhor se
não a única, maneira de enfrentar a concorrência e angariar
clientes novos, é através do preço.
Existem
e sempre existirão empresas que primam pela qualidade do serviço, e
que não se importam de pagar um pouco mais por um trabalho bem
prestado, mas em momentos que a própria existência da empresa está
em perigo, o preço fala mais alto.
Ideal
seria oferecer preço baixo e qualidade boa, mas nem sempre isso é
possível.
Levando
em conta o que foi ponderado acima, a melhor maneira de aumentar a
clientela nas condições críticas do momento, seria apresentando
uma tabela atrativa.
Composição
da tabela
Concorrer
com uma tabela atrativa não significa verificar o preço que o
almejado cliente já paga e baixá-la em certa porcentagem. Isso pode
ser bastante nocivo para a sua empresa. Acredite, eu já muita gente
se prejudicar fazendo isso.
A
composição da tabela depende de vários fatores que influenciam na
estrutura da empresa.
Para
compor uma tabela que não vá trazer prejuízo à transportadora é
preciso levar em conta:
-
Todas as despesas que a empresa tem mensalmente, como: aluguel,
combustível, pagamento de pedágios, contas de energia e
abastecimento de água, internet, telefone, celulares, folha de
pagamento, materiais de escritório e de limpeza, manutenção dos
veículos, fundo de reserva, retirada de sócios, impostos recolhidos
(ICMS, ISS, IPTU, IPVA, IRPJ,...), etc.
-
Os veículos que a empresa possui e a capacidade média de peso, de
cada um deles. Não deve ser considerada a capacidade máxima, pois
nem sempre ela poderá ser atingida, especialmente num momento de
crise. Portanto entre 70% e 80% da capacidade de carga acho bastante
realista de se considerar.
-
Uma fórmula deve ser aplicada, que vai considerar o total das
despesas, distribuído pela capacidade de carga dos veículos da
empresa e pela quantidade de viagens que esses veículos podem fazer.
Chega-se, então, ao frete-peso bruto que sua empresa necessita (não
considerando aí o lucro).
-
Toda carga transportada tem a garantia de chegar ilesa ao seu
destino. Para isso, algumas empresas contratam os serviços de uma
companhia de seguros, algumas bancam o seguro da mercadoria. Deve-se
incluir na tabela, portanto, um valor de seguro. Caso haja uma
companhia de seguros contratada, deve-se cobrar do cliente um valor
proporcional ao pago como prêmio à seguradora. Caso o transportador
responsabilize-se pela indenização de mercadorias danificadas, é
preciso fixar uma porcentagem do valor da mercadoria que será
transportada, que pode ser de 0,5%. O valor apurado com esta taxa não
deve ser usado para pagar as contas comuns da empresa nem ser
considerado lucro. Deve ser aplicado em uma conta, pois assim estará
disponível caso haja uma mercadoria danificada. Afinal, para pagar
uma mercadoria danificada, é preciso se transportar 200 outras do
mesmo valor, que cheguem ilesas.
-
Caso não queira incluir o pedágio no frete-peso, ele pode ser
incluído separadamente, assim, para um veículo que for entregar em
várias cidades diferentes, cada cliente pagará somente pelos
pedágios que houverem até o seu destino, e não por todos até o
destino final do veículo.
-
É possível incluir uma taxa de coleta, caso esta seja feita. Para
se chegar ao valor da taxa de coleta é preciso que se use a mesma
fórmula do cálculo do frete-peso: somar as despesas com a coleta e
dividir pela capacidade/frequência do veículo.
-
Ao chegar ao valor final de suas necessidades, faz-se necessário
então, verificar se esta tabela é compatível com os preços
aplicados por empresas concorrentes e do mesmo porte (valores de
mercado). Caso a tabela que você compôs esteja abaixo da aplicada
no mercado, é possível incluir uma margem de lucro, desde que os
preços se mantenham atrativos aos clientes (ou seja, um pouco abaixo
dos concorrentes). Caso sua tabela fique acima da utilizada no
mercado, é preciso que se revejam as despesas e se pense em
contenção de gastos.
Abordagem
ao cliente
Com
uma tabela competitiva em mãos, chega a hora de abordar os clientes
pretendidos. Mas quem são esses clientes?
Transporte
é um meio muito diversificado. Existem transportadoras de
combustível, de cargas perigosas, de veículos, de produtos
alimentícios, de produtos frigoríficos, de mudanças, de cargas
pesadas, de cargas fracionadas, de cargas expressas, etc.
Portanto,
neste ponto é preciso que se identifique o tipo de cliente que
melhor se adapta ao seu segmento de transporte. Uma indústria de
colchões, ou uma indústria de rolamentos? O que se adapta melhor
aos seus veículos, cimento e tijolos ou roupas de uma confecção?
Identificado
o cliente que melhor se adapta à estrutura de sua transportadora, é
preciso descobrir estes clientes, saber quem são, onde estão e como
se comunicar com eles. O Google é uma boa ferramenta neste momento,
pois pode te indicar os clientes que estão na sua cidade, qual o
potencial deles, e ainda, como se comunicar com eles, afinal todo
site tem, pelo menos, o telefone da empresa.
O
passo seguinte é entrar em contato com o responsável pela expedição
de mercadorias e marcar um horário para que o representante de sua
empresa possa fazer uma apresentação das vantagens que você pode
oferecer a este cliente. Lembre-se que esta vantagem tem que ser boa
o bastante para fazer com que ele mude o esquema de trabalho dele e
arrisque utilizar os serviços de uma empresa que ele ainda não
conhece.
Manutenção
do cliente
Passada
a difícil fase de angariar o cliente e fazer com que ele confie em
você, faz-se necessário que se fidelize este cliente.
Para
isso é importante que se conheça as necessidades particulares de
cada cliente e tente-se adaptar essas necessidades ao bom andamento
do trabalho da transportadora.
Se
você tiver um cliente que precisa de uma coleta na zona Sul às 16
horas, não adianta deslocar um veículo que se encontra na zona
Norte com cinco coletas a serem feitas. As necessidades do cliente
devem ser consideradas, desde que não traga prejuízo a outros e a
empresa. Porém, com planejamento e habilidade, é bem possível
atender às necessidades da maioria dos clientes, que, dentro do
mesmo segmento, costumam ser bastante parecidas.
Iniciativas
como premiação e brindes também podem ser consideradas para a
fidelização do cliente. “Um frete grátis a cada 50 pagos” é
um exemplo, porém esse um frete que não será pago deve ser
considerado na hora de calcular as despesas totais da empresa, caso
contrário, a iniciativa pode trazer prejuízo ao invés de lucro.
Antes de pensar em promoções é preciso analisar-se muito bem a
situação da empresa e o resultado que se espera dessa promoção.
Fixar
a marca
Fixar
a marca também é importante. Para uma empresa pequena é bem
possível fazer isso estampando a logomarca da empresa nos veículos,
utilizado uniformes personalizados, pintando a logo nas paredes e
porta do depósito.
O
colaborador
Parte
importante da fidelização do cliente é o contato que ele terá com
a transportadora ao longo do tempo que utilizar seus serviços. E
este contato nem sempre será com a pessoa que lhe ofereceu os
serviços e as vantagens na apresentação citada acima.
É
importante, portanto, que todos os colaboradores sejam orientados
sobre a importância do bom
atendimento ao cliente para
uma empresa.
Com
um cliente satisfeito você poderá ganhar mais uns 10 clientes, mas
com um cliente insatisfeito você poderá perder 100 outros clientes.
A
maioria das pessoas não entende como funciona o transporte de
mercadorias. Quando você compra um pacote de arroz no supermercado,
você não pensa em como ele chegou ali. Ninguém
pensa!
O
colaborador que irá atender o cliente de transporte deve ser
paciente, pois, talvez, ele tenha que explicar dezenas de vezes por
dia como funciona o
transporte de mercadorias, ou até que
é impossível fazer algo que o cliente pede. E não é má vontade,
é que é impossível
mesmo. Mas para isso, talvez, tenha que explicar todos os meandros do
trabalho, e isso requer muita paciência e gentileza.
O
cliente de transporte nem sempre é uma senhora fina que encomendou
uma jóia. Ás vezes é um agricultor que está com o trator parado,
esperando uma peça, e perdendo dinheiro. Por isso é preciso muito
tato dos colaboradores que terão contato com o cliente. Caso
contrário, corre-se
o risco de ter
todo o trabalho realizado para angariar este
cliente escorrendo
por água abaixo.
E
reconquistar um cliente perdido, especialmente se ele foi perdido por
insatisfação com o trabalho realizado, é 100 vezes mais difícil
do que conquistar um cliente novo.
Fundo
de reserva
É
importante que a empresa mantenha um fundo com o qual possa lidar com
imprevistos. Por melhor que uma empresa seja administrada,
imprevistos sempre acontecem. Dependendo da dimensão do imprevisto,
ele pode levar a empresa à falência.
Um
acidente, um problema de saúde, leis implantadas que tragam revés
ao bom desenvolvimento do trabalho (como implantação de rodízio e mudanças nos limites de velocidade),
são imprevistos que não
abalam tanto
aqueles que estão, de alguma maneira, preparados para eles.
O
ideal e o real
Tudo
o que foi apresentado aqui representa o ideal de parte do
funcionamento de uma empresa. O que puder ser mantido dentro desse
esquema, é ótimo, porque o administrador não terá muita dor de
cabeça.
Mas
nem sempre, ou quase nunca, o ideal acontece, portanto, entra aqui o
talento do administrador em adaptar as situações para que elas
possam chegar o mais próximo possível desse ideal.
Para
administrar uma empresa de transporte é preciso ter muito jogo de
cintura e pés no chão.
Por
que o plano era de marketing, mas abordou outros assuntos? Porque numa empresa de sucesso, administração, operação e marketing andam de mão
dadas.
Obrigada
pela oportunidade,
Elaine
Maria Salmistraro
18/02/2017
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017
A coroa, a cruz e a espada - Eduardo Bueno (2006)
O Estado português começara a estabelecer, a partir de 1540, uma série de mecanismos que lhe haviam permitido aumentar o controle, a coerção e o domínio sobre seus súditos. (p. 33)
Para cobrar e controlar, vigiar e punir seus súditos, submetendo-os ao cumprimento de uma série de novas obrigações civis, os Estados modernos emergentes se viram na contingência de criar vastos e complexos aparelhos burocráticos - um conjunto de órgãos e servidores responsáveis pelo funcionamento e manutenção do sistema judiciário, do fisco e das forças armadas -, ou seja, o corpo administrativo como um todo. (p. 34)
Com o passar dos anos, desembargadores, juízes, ouvidores, escrivães, meirinhos, cobradores de impostos, vedores, almoxarifes, administradores e burocratas em geral - os chamados "letrados" - encontraram-se em posição sólida o bastante para instituir uma espécie de poder paralelo, um "quase Estado" que, de certo modo, conseguiria arrebatar das mãos do rei as funções administrativas. (p. 34)
As autoridades judiciárias e fiscais que, a partir de março de 1549, iriam desembarcar no Brasil com a missão de instalar o Governo Geral enquadram nesse perfil. O ouvidor-geral (grosso modo, uma espécie de ministro da Justiça), desembargador Pero Borges, e o provedor-mor (quase um ministro da Fazenda) Antônio Cardoso de Barros, além de ganharem bastante bem e terem obtido seus cargos graças a indicações nos meandros da Corte, desempenhavam suas funções assessorados por contingentes de funcionários "em número sem dúvida desproporcionado para as coisas do governo". Além disso, ambos - Pero Borges antes de vir ao Brasil e Cardoso de Barros depois - foram acusados de desviar dinheiro do Tesouro Régio. (p. 35)
Tão logo a ortodoxia do catolicismo tornou-se uma obsessão, toda e qualquer atividade intelectual que sugerisse maiores liberdades individuais passou a ser vista como "heterossexual luterana" - e, por conseguinte, reprimida com vigor. (p. 36)
A plena instauração do Tribunal do Santo Ofício em Portugal, ocorrida não por acaso em fins de 1547, deu-se menos por zelo religioso e mais como instrumento de vigilância e controle. (p. 36)
Depois de se livrarem de todos os humanistas portugueses ligados à Reforma - difamando-os e entregando-os à Inquisição -, os jesuítas se tornaram confessores de D. João III e responsáveis diretos pelo ensino em Portugal. (p. 36)
Destituído de suas complexidades administrativas e de seus desdobramentos políticos, econômicos e até ideológicos, o Governo Geral era basicamente um plano de ocupação militar do Brasil. (p. 53)
Antes do Concílio de Trento, o celibato do clero ainda não tinha a importância que viria a adquirir. Mesmo assim, a situação do abade já suscitava comentários, por ele "viver com bastante dissolução e pouca memória de seu estado". Amancebado com Mécia Rodrigues de Faria, João de Sousa teve sete filhos. (p. 54)
Apesar da fiscalização mais rígida, "nem por isso acabaram as fugas de prestação de contas a Fazenda, que se faziam sob as mais variadas formas".
A passagem do tempo - pelo menos do tempo de serviço - também parece ter sido uma preocupação constante na Casa dos Contos, tanto que lá foi instalado um dos cinco únicos relógios então existentes em Lisboa. Só que, em geral, ele estava uma hora atrasado com relação aos demais. (p. 58)
A aplicação da justiça ajudava a manter intacto um dos preceitos fundamentais do mundo ibérico: o de que aquela era uma sociedade desigual, rigidamente hierarquizada, na qual "havia homens de maior condição e de baixa condição", divididos de acordo com a classe a que pertenciam. Tal desigualdade "fazia parte da representação mental coletiva, era algo natural" e, justamente por isso, "encontrava sancionamento cabal na lei geral do reino".
Os crimes eram punidos de acordo com a "qualidade" do infrator, fosse ele um "peão" ou um "fidalgo". Conforme as Ordenações manuelinas, "peões" (ou "homens a pé", que não podiam servir ao rei a cavalo, como os "cavaleiros") eram pessoas de "baixa condição". A "pena vil" (pena de morte) e os açoites (em geral executados em público, nos pelourinhos) estavam reservados quase que exclusivamente a eles.
Acima dos peões, escalonavam-se as pessoas de "maior condição": escudeiros, cavaleiros, vereadores, magistrados, escrivães - vários deles "fidalgos" ("filhos de algo"), tidos como "gente limpa e honrada" e, portanto, livres de açoites e da condenação à morte (a não ser em casos excepcionais). A ascensão social não propiciava, portanto, apenas melhores condições de vida: representava também a obtenção de uma série de privilégios jurídicos, além, é claro, da isenção de impostos. (p. 59)
Uma comissão parlamentar averiguou detidamente as contas e apurou que Borges "recebia indevidamente quantias de dinheiro que lhe eram levadas à casa, provenientes das obras do aqueduto, sem que fossem presentes nem o depositário nem o escrivão". O prosseguimento das investigações comprovou que Pero Borges desviara 114.064 reais - equivalentes a um ano de seu salário como corregedor. (p. 64)
Após uma série de reuniões na corte, algumas delas com o rei, os três principais servidores da Justiça no Brasil conseguiram embolsar seus salários antes de partir de Portugal, e só então prepararam-se para zarpar para o Brasil na frota do governador-geral, que já se encontrava fundeada no porto, aguardando por eles. (p. 65)
Dos territórios de exílio, o Brasil, era, ao menos de início, tido como o mais temível. Condenados reincidentes, já enviados para Goa ou Angola, ao se tornar um estorvo naquelas colônias, acabavam seus dias na América portuguesa. (p. 67)
Na frota de Tomé de Sousa, os condenados estavam sob a guarda de um certo Antônio Rodrigues e Almeida, "criado do rei". Seu embarque e distribuição pelos porões das seis embarcações há de ter sido observado com temor e desprezo por seus futuros companheiros de viagem, afinal, além da ameaça potencial que representavam, alguns homens subiram a bordo com aparência medonha: além de postos a ferros (ou "ferrados") muitos estavam "desorelhados". O motivo para tal prática não constituía mera crueldade: os elementos mais perigosos tinham as orelhas cortadas para que pudessem ser imediatamente identificados, pois, uma vez no Brasil, viveriam em liberdade. (p. 69)
Ao retornar da peregrinação pelo Caminho de Santiago, Manuel da Nóbrega tornou-se o primeiro "procurador dos pobres" da Companhia de Jesus em Portugal. Era um cargo de confiança exercido por quem conhecia Direito e estava apto a defender os desvalidos em geral: "viúvas, enfermos, encarcerados e todos aqueles que não podem contratar um advogado". (p. 73)
Em 1546, Portugal tornou-se sede da primeira Província da Companhia de Jesus fora de Roma. Para o cargo provincial, Inácio de Loyola, obviamente, escolheu Simão Rodrigues. Com seu poder fortalecido e os laços com a Coroa estreitados, mestre Simão não precisou nem de meia década para alcançar um de seus principais objetivos: assumir o controle absoluto da educação no reino e em suas colônias, especialmente no Brasil, e denunciar os intelectuais humanistas à inquisição. O humanismo jamais voltaria a florescer em Portugal bem em suas colônias. (p. 76)
No instante em que os navios de Tomé de Sousa soltam as amarras para singrar a rota que Pedro Álvares Cabral percorrera meio século antes, a lei e a ordem, o poder burocrático e o longo braço do fisco avançam rumo ao Brasil. A armada também trazia em seu bojo a intrincada teia de um funcionalismo público ineficiente e corrupto e a voracidade de um sistema tributário pesado e injusto. Representada por Manuel da Nóbrega, a Igreja igualmente enviava suas sementes. E elas também vingariam, enraizando a mentalidade jesuítica na nova terra.
A colônia se desenvolveria sob o signo do dogmatismo: sem livros, sem universidades, sem imprensa e sem debates culturais - em síntese, sem a diversidade e o frescor do humanismo renascentista. "A inteligência brasileira viria a constituir-se submetida à direção exclusiva da Companhia de Jesus, sob a égide da Contra-Reforma e do Concílio de Trento", diagnosticou o crítico Wilson Martins em sua História da Inteligência Brasileira. "Esse desejo de perpetuar a ignorância (...) condicionaria as perspectivas mentais do Brasil por três séculos." (p. 77)
A essa mixórdia é preciso acrescentar a indispensável "matalotagem", ou seja, as provisões necessárias para o sustento de meio milhar de pessoas durante três meses de viagem marítima. A água, o vinho e os mantimentos seguiam em cerca de seiscentos tonéis de madeira de aproximadamente 1,5 metro de altura por 1 metro de diâmetro. A capacidade dos navios era medida justamente pelo número de tonéis que podiam ser embarcados- origem da palavra "tonelagem", ainda em uso. Uma nau podia transportar cerca de 150 tonéis; uma caravela, uns oitenta. (p. 80)
Mesmo com a ausência quase total de mulheres, a esquadra de Tomé de Sousa era, como quase a maioria delas, um pedaço flutuante de Portugal. Transportava gente de todas as classes e todos os matizes, da fidalguia à arraia-miúda e trazia intactos os desvão da sociedade ibérica. Uma mera passada de olhos na lista de passageiros, identificando seus nomes e os salários que aqueles homens receberiam no Brasil revela que a mesma desigualdade existente em Portugal estava sendo transplantada para os trópicos. (p. 84)
As múltiplas determinações do Regimento Régio eram, ainda assim, bastante similares aos forais das capitanias hereditárias, entregues 15 nos antes aos donatários. A diferença primordial estava na centralização do poder: a maior parte dos privilégios anteriormente concedidos aos capitães do Brasil era transferida agora para as mãos do governador-geral, representante do monarca. As questões tributárias e jurídicas também passavam a ser função exclusiva dos homens do rei, sem a intermediação, em geral ineficaz, dos funcionários anteriormente designados pelos donatários. (p. 85)
O desembarque de Tomé de Sousa e seus comandados permanece envolto em aura um tanto fantasiosa, que não encontra base no registro documental. Escrevendo em 1758 (mais de duzentos anos depois dos acontecimentos, portanto), o frei franciscano Antônio Jaboatão arriscou-se a descrever a cena com extraordinário luxo de detalhes. (p. 89)
A brusca do status até então desfrutado por Diogo Álvares é um dos tantos aspectos que revelam a guinada histórica que o Governo Geral provocou no Brasil. Caramuru, afinal, era o típico exemplo da prática até então comum entre os portugueses de "lançarem" náufragos ou degredados nas terras por eles descobertas com a missão de estabelecer os primeiros contatos com os nativos e aprender sua língua. Bem ou mal, Caramuru cumprira aquela missão - e não havia mais lugar para ele agora que a colonização oficial se iniciativa. Em vez do marido de Paraguaçu, quem vai adquirindo importância progressiva é Paulo Dias Adorno, genro de Caramuru, foragido de São Vicente (onde havia matado um colono) e refugiado na Bahia. Em 1554, Paulo Dias Adorno tornou-se cavaleiro da Ordem de São Tiago, com direito a 12 mil reais de tença, ou pensão, por ano. (p. 95)
O auto valia como um contrato para a realização da empreitada, cujo custo não poderia exceder o orçamento previamente aprovado. No entanto, como se cerá, o costume de superfaturar o valor das empreitadas iria se tornar comum na Bahia. (p. 103)
O contador e o escrivão dos Contos, por exemplo, davam expediente das sete às 11 e das 14 às 18 horas. Em caso de falta, os funcionários eram punidos com descontos em seus ordenados: um cruzado para o contador e 200 reais para o escrivão. Mas, como ainda havia pouco movimento, antes de partir em visita de inspeção às capitanias do Sul, em janeiro de 1550, Cardoso de Barros determinou que os oficiais da Fazenda e dos Contos só precisavam trabalhar um período, e apenas nas segundas, quartas e sextas - em tais dias, porém, ficavam obrigados a comparecer ao trabalho, "mesmo que não houvesse o que fazer". (p. 111)
Nas cidades portuguesas, as ruas, além de estreitíssimas - em geral com menos de 30 palmos (cerca de 3 metros) de largura -, ainda eram tomadas pelo avanço das varandas e dos muxarabis, os populares "puxadinhos", que se debruçavam sobre as vias. Revela-se aí mais uma das facetas do conflito entre bem público e propriedade privada. No caso de Salvador, onde o costume de fazer os puxadinhos se repetiu, os interesses particulares em geral se sobrepunha ao bem comum. (p. 115)
A fabricação e venda do "vinho de mel", como então se chamava a cachaça, era proibida por lei sob a alegação de que a bebida "arruinava a saúde da população e danava o povo baixo nas tavernas, onde se seguiam rixas e cenas de sangue". Mas a verdadeira causa da proibição estava na concorrência ruinosa da cachaça ao vinho do reino, "cuja importação muito convinha fomentar e proteger". Contudo, o "vinho de mel" raramente saia de circulação, "ora explorado às escâncaras a despeito das multas ou posturas, ora tolerado por ser a bebida do pobre e também por conveniência de alguns vereadores que eram senhores de engenho, desejosos de explorar o seu mel", segundo Teodoro Sampaio. (p. 121)
Onde foi parar tanto dinheiro? Parte foi gasta, parte desviada. Investigando os papéis da Câmara de Salvador, Teodoro Sampaio pinta um quadro de dissolução geral: "Os infratores, de todos os gêneros, eram contumazes, e as penas não passavam de ameaças. As multas raro se pagavam. Os atravessadores de mercadorias zombavam das medidas que contra seu comércio aladroado adotavam os oficiais da Câmara. Os arrendatários dos impostos conluiavam-se com os mercadores, consentindo que estes fraudassem as almotaçarias."
Quando os pregões de arrematação das empreitadas se encerravam, o nome do vencedor, anunciado com alguma solenidade pelo porteiro da Câmara, raramente causava surpresa. Os empreiteiros loteavam as obras entre si, combinando os lances antecipadamente, muitas vezes em conluio com o leiloeiro, e superfaturando o custo das obras. (p. 125)
Depararam, porém, com uma sociedade mameluca, típica do período inicial da ocupação portuguesa no Brasil, em total desacordo com seus preceitos religiosos e morais. O modo de vida dos colonos era motivo de escândalo e espanto para os jesuítas. "Se contarem todas as casas dessa terra", relatava Nóbrega, "todas acharão cheias de pecados mortais, adultérios, fornicações, incesto e abominações. (...) Não há obediência, nem se guarda um só mandamento de Deus e muito menos os da Igreja." (p. 127)
Se os jesuítas manifestaram grande empenho para acabar com o que consideravam uma imoralidade sexual, o mesmo não se pode dizer da maneira com que enfrentaram a utilização dos indígenas como escravos. (p. 130)
Um dos argumentos de Nóbrega para justificar a escravização dos indígenas estava relacionado ao fato de andarem nus. Por ter escarnecido da nudez de Noé, seu filho Cam foi exilado e condenado à servidão. Em um texto clássico, seu ríspido Diálogo da Conversão dos Gentios, escrito em 1558, Nóbrega afirmaria que, por serem descendestes de Cam, os índios do Brasil "ficaram nus e têm outras mais misérias". O pecado de Cam, convém ressaltar, legitimava também a escravidão dos africanos. Além disso, Nóbrega acreditava na teoria aristotélica da "servidão natural dos povos inferiores". (p. 131)
No Novo Mundo não foi diferente: os nativos ficaram espantados e atemorizados com os flagelos. O impacto foi ainda maior quando, em setembro de 1549, o padre Navarro açoitou-se no centro de uma aldeia indígena, nas cercanias de Salvador - provavelmente a que ficava no monte do Calvário, bem próxima ao centro da cidade -, dizendo aos indígenas "que castigava a si para que Deus não os castigasse a eles". Em breve já eram mais de cem ps índios recém-convertidos que acompanhavam os jesuítas nos "exercícios espirituais". "Muitos se disciplinam com tão grande fervor que causam confusão entre os brancos", relatou Nóbrega a mestre Simão. (p. 133)
Além de viverem amancebados com as "negras da terra", escolhendo sempre "as melhores e de mais alto preço", os padres permitiam e até incentivavam a escravidão dos indígenas, absolvendo os colonos dos "pecados mais abomináveis", tornando-lhes "largo o estreito caminho do céu". Neste sentido, o relato de Nóbrega não poderia ser mais contundente: "Os clérigos dessa terra têm mais ofício de demônios que de clérigos: porque, além de seu exemplo e costumes, querem contrariar a doutrina de Cristo, e dizem publicamente aos homens que lhes é lícito estar em pecado com suas negras, pois que são suas escravas, e que podem ter (os indígenas) salteados, pois que são cães, e outras coisas semelhantes, por escutar seus pecados e abominações, de maneira que nenhum demônio temos agora que nos persiga, senão estes. Penso que, se não fosse pelo favor que temos do governador e dos principais dessa terra, e também porque Deus assim não o quer, já nos teriam tirado as vidas". (p. 134)
No Regimento dado a Tomé de Sousa, o rei afirmara: "A principal coisa que me moveu a povoar as ditas terras do Brasil foi para que a gente dela se convertesse à nossa santa fé católica". E quem melhor do que os jesuítas para fazê-lo? (p. 135)
Conscientes de que a catequese dos indígenas era arma auxiliar de dominação e colonização, os jesuítas articularam, sob a liderança de Nóbrega, uma ardilosa estratégia baseada em três vetores: a doutrinação das crianças, a desmoralização dos pajés e a conversão dos líderes tribais. (p. 136)
Nóbrega, porém, estabelecia uma precondição: o bispo deveria vir "não para fazer-se rico, porque a terra é pobre, mas para buscar as ovelhas tresmalhadas do rebanho de Jesus Cristo". (p. 137)
Conforme os anseios de Nóbrega, Sardinha de fato viria para inspirar terror. Mas, ao contrário do que gostaria o jesuíta, o bispo estava disposto a cobrar caro por seus serviços. (p. 137)
Vindo da riquíssima Índia, onde já fora acusado de corrupção e desvio de verbas pelo governador de Goa, Garcia de Sá, o bispo teria ficado "mui desgostoso com a pobreza da terra", conforme disse Nóbrega em carta aos seus superiores. Sardinha então voltou sua atenção exclusivamente para os colonos - e fez dessa relação sua principal fonte de renda, na medida em que tratou de substituir penas eclesiásticas por "penas pecuniárias". Em outras palavras, o prelado persuadiu muitos dos portugueses estabelecidos no Brasil a pagar pela absolvição de seus pecados - literalmente, e em moeda sonante. (p. 140)
Tamanha eficiência não parece ter sido suficiente. Embora tenha descrito suas ações minuciosamente, rogando ajuda e proteção do monarca, Coelho nunca obteve resposta aos seus pedidos, nem favores do rei. Suas cartas, sensatas e em tom progressivamente suplicante, forjam um retrato fiel do quadro de desregramento e desrespeito à lei que então imperava no Brasil. (p. 146)
Embora as condições de navegabilidade fossem terríveis, as "capitanias de cima" haviam sido doadas aos mais ricos e poderosos donatários, todos funcionários do tesouro real, entre os quais Fernão d'Álvares de Andrade (um dos "pais" do Governo geral, como já se viu( e o agora provedor-mor do Brasil, Antônio Cardoso de Barros. Por que homens daquela importância, diretamente ligados ao rei, tinham sido agraciados com lotes tão problemáticos? Porque os portugueses estavam convictos de que , pela via do rio Amazonas (então chamado de Maranhão), poderiam chegar ao Peru - uma fonte virtualmente inesgotável de ouro e prata. (p. 149)
Pero Borges não prendeu Bezerra, "por ser ele clérigo de missa", embora aquele homem tivesse sido responsável por gravíssimos distúrbios em três capitanias. (p. 152)
As opiniões supostamente anticlericais de Tourinho foram a justificativa de seus subordinados para iniciar um movimento contra ele. No dia 24 de novembro de 1546, o donatário de Porto Seguro foi preso pelos revoltosos na própria casa. Na semana seguinte, o padre francês Bernard de Aurejac iniciou o "julgamento" do capitão. O famigerado clérigo João Bezerra participou da conspiração, e tomou parte do júri. Acusado de heresia, Tourinho foi considerado culpado do desfecho de um processo espúrio. Em fevereiro de 1547, enviaram-no a ferros para Portugal, direto para o Tribunal do Santo Ofício. Em junho daquele ano, Tourinho já se encontrava em Lisboa, em prisão domiciliar, em sua casa, na rua do Poço. Lá permaneceu até 8 de outubro de 1550, quando começou a ser interrogado pelos inquisidores. Foi inocentado, mas jamais retornou ao Brasil. Tourinho morreria em outubro de 1553, praticamente na miséria. (p. 154)
E o relato que nunes enviou depois de chegar ao Sul do Brasil iria despertar em Nóbrega uma verdadeira obsessão: mudar-se para lá e catequizar os afáveis Carijó.
Tal propósito levaria o líder dos jesuítas no Brasil a passar três anos nos sertões de Piratininga, onde ele iria fundar o colégio e a igreja de São Paulo - estabelecimentos que dariam origem à cidade do mesmo nome. (p. 167)
Em franco litígio com Brás Cubas, capitão-mor de São Vicente, e supostamente arrependido de suas ações escravagistas, Pero Correia tornou-se o principal auxiliar de Leonardo Nunes, ajudando-o também como "língua" (ou intérprete). Mais tarde, foi aceito por Nóbrega na Companhia de Jesus, à qual doou todas as suas terras em São Vicente e em Peruíbe. (p. 169)
A segunda vila, Itanhaém, localizava-se na vasta planície litorânea que se estende a sudoeste de São Vicente, na direção de Peruíbe, Iguape e Cananéia - quase no limite entre as possessões de Portugal e Castela. Naqueles "campos ao longo do mar", Tomé de Sousa encontrara "outros moradores que estavam derramados, e eu os ajuntei e fiz cercar e viver em ordem". Ali, além dos aventureiros esparramados, o governador avistou marcos limítrofes colocados pelos castelhanos "de São Vicente até o rio da Prata". Aqueles "padrões", ou colunas de pedra, com os brasões de Carlos V, Tomé de Sousa mandou "tirar e deitar ao mar e pôr, no lugar, os de Vossa Alteza". (p. 175)
A seguir, Nóbrega pede que intercedam até junto ao papa para que João Ramalho possa casar com Bartira, "não obstante que haja conhecido outra sua irmã e quaisquer outras parentes dela (...) e se isso (o processo de regularização do casamento) custar alguma coisa, ele o enviará daqui em açúcar". (p. 184)
Para oeste, pelas atuais rua Direita e do Ouvidor, descendo a abrupta encosta da montanha rumo ao vale do Anhangabaú, nos arredores da atual praça da Bandeira, começava o Caminho do Sertão. Ele passava pelos atuais bairros de Perdizes e Pinheiros - povoados por bandos de perdizes e repletos de araucárias - e, depois de subir pela atual rua da Consolação, chegava ao topo do Caaguaçu (onde agora fica a avenida Paulista), seguindo para zona de campos hoje pertencente aos estados do paraná e Santa Catarina - o território dos Carijó e dos Guarani, cuja conversão ao cristianismo continuava sendo o principal objetivo do padre Manuel da Nóbrega. (p. 187)
Ainda assim, a expansão portuguesa sobre as terras que legalmente pertenciam à Espanha seria um processo lento - e a própria vila de São Paulo só iria assumir posição mais relevante dali a um século, e apenas porque Nóbrega tivera o discernimento de fundar seu colégio justo no entroncamento das trilhas que, a partir de 1640, permitiriam aos "bandeirantes" paulistas percorrerem (e conquistarem) toda aquela região. (p. 189)
Ao mestre Simão Rodrigues, Nóbrega disse: "Não creio que esta terra fora avante, com tantos contrastes como teve, se houvera outro governador. Dizem que ele se vai o ano que vem. Tememos muito vir outro que destrua tudo. De quantos de lá vieram, nenhum teve amos a esta terra, se não ele, porque todos querem apenas fazer em seu proveito, ainda que seja à custa da terra, porque esperam de logo se ir dela. Parece-me que se el-Rei lhe der o que tem lá e lhe casar a sua filha e lhe mandar sua mulher, folgará muito de viver cá, não por governador, mas por morador". (p. 200)
Formado em filosofia e direito civil pela Universidade de Coimbra, Grã entrara para a Companhia de Jesus em junho de 1543, aos 20 anos de idade. Era um ferrenho conservador, que apoiava a rigidez da Contra-Reforma. Após a dramática expulsão dos mestres renascentistas de Coimbra, articulada por Simão Rodrigues, Grã havia se tornado o primeiro reitor do Colégio Jesuíta, estabelecido naquela cidade, sobre os escombros de uma progressista escola anterior, o Colégio das Artes, fechada por pressão dos jesuítas e por ordem do rei. Grã ocupou o cargo até ser enviado para o Brasil como "provincial colateral" - ou seja, o segundo de Nóbrega, então recém-nomeado provincial. Grã vivera no Brasil pelos 56 anos seguintes, até sua morte, em novembro de 1609, aos 86 anos. (p. 203)
Mas Sardinha não tinha ido a Pernambuco pregar contra o fumo. O principal objetivo da viagem era converter penas eclesiásticas em pecuniárias, literalmente cobrando pela absolvição dos pecados. Tão bem-sucedido teria sido o bispo na visita que, conforme denúncia de Duarte da Costa, só em Olinda arrecadou "mais de 800 cruzados, afora muitos outros serviços que lá tomou". Embora seja difícil acreditar que Sardinha tenha conseguido amealhar tamanha fortuna em tão pouco tempo - 800 cruzados equivaliam a 320 mil reais -, não restam dúvidas de que o procedimento do bispo era aquele, pois inúmeros relatos o confirmam. (p. 209)
Em meio às malícias daquele tempo, não é de se estranhar que, disposto a obter provas contra o governador e seus aliados, o bispo não hesitasse em utilizar os segredos do confessionários. (p. 214)
Na manhã seguinte, porém, o jesuíta Luís da Grã procurou o governador e, alarmado, alertou que ele e o filho estavam "incorrendo em excomunhão por meterem na prisão" uma autoridade eclesiástica, pois cabia exclusivamente ao bispo decidir o destino de seu subordinado. (p. 215)
Documentos pesquisados por Varnhagen e Teodoro Sampaio revelam que D. Duarte e D. Álvaro haviam desregulado o sistema de escambo tão bem articulado por Tomé de Sousa - por meio do qual os indígenas forneciam alimentos e mão-de-obra aos portugueses em troca de objetos de "resgate" - e "privatizaram" aquele comércio, "concedendo a seus apaniguados licenças para que tratassem diretamente com o gentio, e até ocupando nisso os bergantins (pequenas embarcações) do Estado, que deviam estar correndo a costa e combatendo os franceses". (p. 221)
Apesar de treinado em lutas na África, já tendo participado do sítio a fortaleza e baluartes mouros bem mais sólidos, o filho do governador precisou "pelejar muito" antes de vencer aquela barreira, penetrar na aldeia e "com ajuda de Nosso Senhor, matar muitos gentios, cativar o principal dela e lha queimar toda, bem como outras duas aldeias que estavam perto". (p. 227)
A desproporção de forças entre as armas de fogo e de metal dos europeus e os tacapes e flechas dos Tupinambá era tão gritante que, embora vários portugueses tenham sido feridos, nem um único morreu, ao passo que, entre os nativos, as baixas ultrapassaram setecentos homens. (p. 228)
Nada pode ser retirado do navio: os pequenos canhões móveis do convés, os paióis, os mantimentos, as bagagens, os arcabuzes, o ouro do bispo - tudo foi engolido pela voragem dos redemoinhos. (p. 233)
De acordo com relatos que soam fictícios - dentre os quais se inclui o referido poema de Anchieta, bem como um texto do jesuíta Simão de Vasconcelos -, D. Pero portou-se com altivez e resignação no momento em que, ajoelhado, amarrado e despido, aguardava o golpe que lhe partiu o crânio. Sua morte teria adquirido, assim, contornos de martírio e, apesar das contundentes críticas ao seu comportamento no Brasil, logo houve quem propusesse sua beatificação. (p. 236)
Escrevendo três décadas após a tragédia, Gabriel Soares de Sousa registrou o episódio com pequenas modificações, em especial no que se refere ao número de sobreviventes. Em seu preciosos Tratado Descritivo do Brasil, redigido em meados da década de 1587, Soares relata: "Depois que estes Caeté roubaram o bispo e toda a gente que salvaram do naufrágio, os despiram, e amarraram a bom recado, e pouco a pouco os foram matando e comendo sem escapar mais que dois índios da Bahia e um português que lhes sabia a língua, filho do meirinho da correção". Quarenta anos mais tarde, frei Vicente do Salvador repetiria a história quase sem mudar palavra - indicativo de que se baseou em Soares. (p. 237)
Embora Gabriel Soares assegure que os indígenas "pouco a pouco foram matando e comendo" os sobreviventes do naufrágio, o fato é que os Tupi em geral devoravam apenas inimigos que julgavam dignos de receber aquela que, na sua visão, era a mais honrosa das mortes. Por isso, não comiam mulheres nem crianças. Além do mais, a data da execução era escolhida minuciosamente, a intervalos regulares, e os cativos eram abatidos em função de sua bravura em combate. No imaginário dos portugueses, porém, qualquer homem branco que caísse vítima dos nativos seria invariavelmente devorado. Isso porque, desde os primórdios da ocupação do Brasil, dentre todos os "costumes bárbaros" que professavam os indígenas, nenhum havia se revelado mais espantoso ao olhar europeu do que a antropofagia. (p. 237)
O monte do Bispo continua onde sempre esteve e, por se localizar a uns 2 quilômetros da orla, ainda não foi vitimado pela especulação imobiliária. Nesse caso, porém, não se trata de preservação ambiental, mas de abandono. Em meio a mangueiras frondosas e árvores nativas, a coroa do morro de fato revela uma clareira desnuda, embora haja indícios óbvios de que a área seja roçada de tempos em tempos. (p. 241)
Mas as esperanças de Mem de Sá eram palpáveis e não estavam tão distantes assim. Da mesma forma, pode-se afirmar que, infundado ou não, seu suposto "receio à pobreza" o impulsionaria a se tornar o homem mais rico do Brasil no século XVI - e o mais acusado de corrupção. (p. 250)
Foi então, em plena "sala da rainha", no Paço Real de Lisboa, durante a cerimônia, que um calvinista inglês, um certo William Gardiner, de Bristol, levantou-se e, na presença da família real e diante de toda a corte, "arrancou a hóstia consagrada das mãos do sacerdote, arremessando-a ao chão, quebrando-a em muitas partes, e ainda derramando o vinho não consagrado". Embora Gardiner tenha sido preso e executado com requintes de crueldade, o episódio abalou profundamente D. João III, que o teria visto como "um sinal dos céus" a anunciar desgraças futuras. (p. 252)
Dona Catarina manteve o governo de Portugal em padrões muito similares aos de seu marido. Na política externa, não se desviou no essencial das linhas ditadas por seu irmão, Carlos V, e seu sobrinho, Felipe II - como D, João III vinha fazendo em seus últimos dias de governo. Internamente, D. Catarina continuou fiel aos ideais da Contra-Reforma, aumentando os poderes da Inquisição e da Companhia de Jesus. (p. 256)
Para cobrar e controlar, vigiar e punir seus súditos, submetendo-os ao cumprimento de uma série de novas obrigações civis, os Estados modernos emergentes se viram na contingência de criar vastos e complexos aparelhos burocráticos - um conjunto de órgãos e servidores responsáveis pelo funcionamento e manutenção do sistema judiciário, do fisco e das forças armadas -, ou seja, o corpo administrativo como um todo. (p. 34)
Com o passar dos anos, desembargadores, juízes, ouvidores, escrivães, meirinhos, cobradores de impostos, vedores, almoxarifes, administradores e burocratas em geral - os chamados "letrados" - encontraram-se em posição sólida o bastante para instituir uma espécie de poder paralelo, um "quase Estado" que, de certo modo, conseguiria arrebatar das mãos do rei as funções administrativas. (p. 34)
As autoridades judiciárias e fiscais que, a partir de março de 1549, iriam desembarcar no Brasil com a missão de instalar o Governo Geral enquadram nesse perfil. O ouvidor-geral (grosso modo, uma espécie de ministro da Justiça), desembargador Pero Borges, e o provedor-mor (quase um ministro da Fazenda) Antônio Cardoso de Barros, além de ganharem bastante bem e terem obtido seus cargos graças a indicações nos meandros da Corte, desempenhavam suas funções assessorados por contingentes de funcionários "em número sem dúvida desproporcionado para as coisas do governo". Além disso, ambos - Pero Borges antes de vir ao Brasil e Cardoso de Barros depois - foram acusados de desviar dinheiro do Tesouro Régio. (p. 35)
Tão logo a ortodoxia do catolicismo tornou-se uma obsessão, toda e qualquer atividade intelectual que sugerisse maiores liberdades individuais passou a ser vista como "heterossexual luterana" - e, por conseguinte, reprimida com vigor. (p. 36)
A plena instauração do Tribunal do Santo Ofício em Portugal, ocorrida não por acaso em fins de 1547, deu-se menos por zelo religioso e mais como instrumento de vigilância e controle. (p. 36)
Depois de se livrarem de todos os humanistas portugueses ligados à Reforma - difamando-os e entregando-os à Inquisição -, os jesuítas se tornaram confessores de D. João III e responsáveis diretos pelo ensino em Portugal. (p. 36)
Destituído de suas complexidades administrativas e de seus desdobramentos políticos, econômicos e até ideológicos, o Governo Geral era basicamente um plano de ocupação militar do Brasil. (p. 53)
Antes do Concílio de Trento, o celibato do clero ainda não tinha a importância que viria a adquirir. Mesmo assim, a situação do abade já suscitava comentários, por ele "viver com bastante dissolução e pouca memória de seu estado". Amancebado com Mécia Rodrigues de Faria, João de Sousa teve sete filhos. (p. 54)
Apesar da fiscalização mais rígida, "nem por isso acabaram as fugas de prestação de contas a Fazenda, que se faziam sob as mais variadas formas".
A passagem do tempo - pelo menos do tempo de serviço - também parece ter sido uma preocupação constante na Casa dos Contos, tanto que lá foi instalado um dos cinco únicos relógios então existentes em Lisboa. Só que, em geral, ele estava uma hora atrasado com relação aos demais. (p. 58)
A aplicação da justiça ajudava a manter intacto um dos preceitos fundamentais do mundo ibérico: o de que aquela era uma sociedade desigual, rigidamente hierarquizada, na qual "havia homens de maior condição e de baixa condição", divididos de acordo com a classe a que pertenciam. Tal desigualdade "fazia parte da representação mental coletiva, era algo natural" e, justamente por isso, "encontrava sancionamento cabal na lei geral do reino".
Os crimes eram punidos de acordo com a "qualidade" do infrator, fosse ele um "peão" ou um "fidalgo". Conforme as Ordenações manuelinas, "peões" (ou "homens a pé", que não podiam servir ao rei a cavalo, como os "cavaleiros") eram pessoas de "baixa condição". A "pena vil" (pena de morte) e os açoites (em geral executados em público, nos pelourinhos) estavam reservados quase que exclusivamente a eles.
Acima dos peões, escalonavam-se as pessoas de "maior condição": escudeiros, cavaleiros, vereadores, magistrados, escrivães - vários deles "fidalgos" ("filhos de algo"), tidos como "gente limpa e honrada" e, portanto, livres de açoites e da condenação à morte (a não ser em casos excepcionais). A ascensão social não propiciava, portanto, apenas melhores condições de vida: representava também a obtenção de uma série de privilégios jurídicos, além, é claro, da isenção de impostos. (p. 59)
Uma comissão parlamentar averiguou detidamente as contas e apurou que Borges "recebia indevidamente quantias de dinheiro que lhe eram levadas à casa, provenientes das obras do aqueduto, sem que fossem presentes nem o depositário nem o escrivão". O prosseguimento das investigações comprovou que Pero Borges desviara 114.064 reais - equivalentes a um ano de seu salário como corregedor. (p. 64)
Após uma série de reuniões na corte, algumas delas com o rei, os três principais servidores da Justiça no Brasil conseguiram embolsar seus salários antes de partir de Portugal, e só então prepararam-se para zarpar para o Brasil na frota do governador-geral, que já se encontrava fundeada no porto, aguardando por eles. (p. 65)
Dos territórios de exílio, o Brasil, era, ao menos de início, tido como o mais temível. Condenados reincidentes, já enviados para Goa ou Angola, ao se tornar um estorvo naquelas colônias, acabavam seus dias na América portuguesa. (p. 67)
Na frota de Tomé de Sousa, os condenados estavam sob a guarda de um certo Antônio Rodrigues e Almeida, "criado do rei". Seu embarque e distribuição pelos porões das seis embarcações há de ter sido observado com temor e desprezo por seus futuros companheiros de viagem, afinal, além da ameaça potencial que representavam, alguns homens subiram a bordo com aparência medonha: além de postos a ferros (ou "ferrados") muitos estavam "desorelhados". O motivo para tal prática não constituía mera crueldade: os elementos mais perigosos tinham as orelhas cortadas para que pudessem ser imediatamente identificados, pois, uma vez no Brasil, viveriam em liberdade. (p. 69)
Ao retornar da peregrinação pelo Caminho de Santiago, Manuel da Nóbrega tornou-se o primeiro "procurador dos pobres" da Companhia de Jesus em Portugal. Era um cargo de confiança exercido por quem conhecia Direito e estava apto a defender os desvalidos em geral: "viúvas, enfermos, encarcerados e todos aqueles que não podem contratar um advogado". (p. 73)
Em 1546, Portugal tornou-se sede da primeira Província da Companhia de Jesus fora de Roma. Para o cargo provincial, Inácio de Loyola, obviamente, escolheu Simão Rodrigues. Com seu poder fortalecido e os laços com a Coroa estreitados, mestre Simão não precisou nem de meia década para alcançar um de seus principais objetivos: assumir o controle absoluto da educação no reino e em suas colônias, especialmente no Brasil, e denunciar os intelectuais humanistas à inquisição. O humanismo jamais voltaria a florescer em Portugal bem em suas colônias. (p. 76)
No instante em que os navios de Tomé de Sousa soltam as amarras para singrar a rota que Pedro Álvares Cabral percorrera meio século antes, a lei e a ordem, o poder burocrático e o longo braço do fisco avançam rumo ao Brasil. A armada também trazia em seu bojo a intrincada teia de um funcionalismo público ineficiente e corrupto e a voracidade de um sistema tributário pesado e injusto. Representada por Manuel da Nóbrega, a Igreja igualmente enviava suas sementes. E elas também vingariam, enraizando a mentalidade jesuítica na nova terra.
A colônia se desenvolveria sob o signo do dogmatismo: sem livros, sem universidades, sem imprensa e sem debates culturais - em síntese, sem a diversidade e o frescor do humanismo renascentista. "A inteligência brasileira viria a constituir-se submetida à direção exclusiva da Companhia de Jesus, sob a égide da Contra-Reforma e do Concílio de Trento", diagnosticou o crítico Wilson Martins em sua História da Inteligência Brasileira. "Esse desejo de perpetuar a ignorância (...) condicionaria as perspectivas mentais do Brasil por três séculos." (p. 77)
A essa mixórdia é preciso acrescentar a indispensável "matalotagem", ou seja, as provisões necessárias para o sustento de meio milhar de pessoas durante três meses de viagem marítima. A água, o vinho e os mantimentos seguiam em cerca de seiscentos tonéis de madeira de aproximadamente 1,5 metro de altura por 1 metro de diâmetro. A capacidade dos navios era medida justamente pelo número de tonéis que podiam ser embarcados- origem da palavra "tonelagem", ainda em uso. Uma nau podia transportar cerca de 150 tonéis; uma caravela, uns oitenta. (p. 80)
Mesmo com a ausência quase total de mulheres, a esquadra de Tomé de Sousa era, como quase a maioria delas, um pedaço flutuante de Portugal. Transportava gente de todas as classes e todos os matizes, da fidalguia à arraia-miúda e trazia intactos os desvão da sociedade ibérica. Uma mera passada de olhos na lista de passageiros, identificando seus nomes e os salários que aqueles homens receberiam no Brasil revela que a mesma desigualdade existente em Portugal estava sendo transplantada para os trópicos. (p. 84)
As múltiplas determinações do Regimento Régio eram, ainda assim, bastante similares aos forais das capitanias hereditárias, entregues 15 nos antes aos donatários. A diferença primordial estava na centralização do poder: a maior parte dos privilégios anteriormente concedidos aos capitães do Brasil era transferida agora para as mãos do governador-geral, representante do monarca. As questões tributárias e jurídicas também passavam a ser função exclusiva dos homens do rei, sem a intermediação, em geral ineficaz, dos funcionários anteriormente designados pelos donatários. (p. 85)
O desembarque de Tomé de Sousa e seus comandados permanece envolto em aura um tanto fantasiosa, que não encontra base no registro documental. Escrevendo em 1758 (mais de duzentos anos depois dos acontecimentos, portanto), o frei franciscano Antônio Jaboatão arriscou-se a descrever a cena com extraordinário luxo de detalhes. (p. 89)
A brusca do status até então desfrutado por Diogo Álvares é um dos tantos aspectos que revelam a guinada histórica que o Governo Geral provocou no Brasil. Caramuru, afinal, era o típico exemplo da prática até então comum entre os portugueses de "lançarem" náufragos ou degredados nas terras por eles descobertas com a missão de estabelecer os primeiros contatos com os nativos e aprender sua língua. Bem ou mal, Caramuru cumprira aquela missão - e não havia mais lugar para ele agora que a colonização oficial se iniciativa. Em vez do marido de Paraguaçu, quem vai adquirindo importância progressiva é Paulo Dias Adorno, genro de Caramuru, foragido de São Vicente (onde havia matado um colono) e refugiado na Bahia. Em 1554, Paulo Dias Adorno tornou-se cavaleiro da Ordem de São Tiago, com direito a 12 mil reais de tença, ou pensão, por ano. (p. 95)
O auto valia como um contrato para a realização da empreitada, cujo custo não poderia exceder o orçamento previamente aprovado. No entanto, como se cerá, o costume de superfaturar o valor das empreitadas iria se tornar comum na Bahia. (p. 103)
O contador e o escrivão dos Contos, por exemplo, davam expediente das sete às 11 e das 14 às 18 horas. Em caso de falta, os funcionários eram punidos com descontos em seus ordenados: um cruzado para o contador e 200 reais para o escrivão. Mas, como ainda havia pouco movimento, antes de partir em visita de inspeção às capitanias do Sul, em janeiro de 1550, Cardoso de Barros determinou que os oficiais da Fazenda e dos Contos só precisavam trabalhar um período, e apenas nas segundas, quartas e sextas - em tais dias, porém, ficavam obrigados a comparecer ao trabalho, "mesmo que não houvesse o que fazer". (p. 111)
Nas cidades portuguesas, as ruas, além de estreitíssimas - em geral com menos de 30 palmos (cerca de 3 metros) de largura -, ainda eram tomadas pelo avanço das varandas e dos muxarabis, os populares "puxadinhos", que se debruçavam sobre as vias. Revela-se aí mais uma das facetas do conflito entre bem público e propriedade privada. No caso de Salvador, onde o costume de fazer os puxadinhos se repetiu, os interesses particulares em geral se sobrepunha ao bem comum. (p. 115)
A fabricação e venda do "vinho de mel", como então se chamava a cachaça, era proibida por lei sob a alegação de que a bebida "arruinava a saúde da população e danava o povo baixo nas tavernas, onde se seguiam rixas e cenas de sangue". Mas a verdadeira causa da proibição estava na concorrência ruinosa da cachaça ao vinho do reino, "cuja importação muito convinha fomentar e proteger". Contudo, o "vinho de mel" raramente saia de circulação, "ora explorado às escâncaras a despeito das multas ou posturas, ora tolerado por ser a bebida do pobre e também por conveniência de alguns vereadores que eram senhores de engenho, desejosos de explorar o seu mel", segundo Teodoro Sampaio. (p. 121)
Onde foi parar tanto dinheiro? Parte foi gasta, parte desviada. Investigando os papéis da Câmara de Salvador, Teodoro Sampaio pinta um quadro de dissolução geral: "Os infratores, de todos os gêneros, eram contumazes, e as penas não passavam de ameaças. As multas raro se pagavam. Os atravessadores de mercadorias zombavam das medidas que contra seu comércio aladroado adotavam os oficiais da Câmara. Os arrendatários dos impostos conluiavam-se com os mercadores, consentindo que estes fraudassem as almotaçarias."
Quando os pregões de arrematação das empreitadas se encerravam, o nome do vencedor, anunciado com alguma solenidade pelo porteiro da Câmara, raramente causava surpresa. Os empreiteiros loteavam as obras entre si, combinando os lances antecipadamente, muitas vezes em conluio com o leiloeiro, e superfaturando o custo das obras. (p. 125)
Depararam, porém, com uma sociedade mameluca, típica do período inicial da ocupação portuguesa no Brasil, em total desacordo com seus preceitos religiosos e morais. O modo de vida dos colonos era motivo de escândalo e espanto para os jesuítas. "Se contarem todas as casas dessa terra", relatava Nóbrega, "todas acharão cheias de pecados mortais, adultérios, fornicações, incesto e abominações. (...) Não há obediência, nem se guarda um só mandamento de Deus e muito menos os da Igreja." (p. 127)
Se os jesuítas manifestaram grande empenho para acabar com o que consideravam uma imoralidade sexual, o mesmo não se pode dizer da maneira com que enfrentaram a utilização dos indígenas como escravos. (p. 130)
Um dos argumentos de Nóbrega para justificar a escravização dos indígenas estava relacionado ao fato de andarem nus. Por ter escarnecido da nudez de Noé, seu filho Cam foi exilado e condenado à servidão. Em um texto clássico, seu ríspido Diálogo da Conversão dos Gentios, escrito em 1558, Nóbrega afirmaria que, por serem descendestes de Cam, os índios do Brasil "ficaram nus e têm outras mais misérias". O pecado de Cam, convém ressaltar, legitimava também a escravidão dos africanos. Além disso, Nóbrega acreditava na teoria aristotélica da "servidão natural dos povos inferiores". (p. 131)
No Novo Mundo não foi diferente: os nativos ficaram espantados e atemorizados com os flagelos. O impacto foi ainda maior quando, em setembro de 1549, o padre Navarro açoitou-se no centro de uma aldeia indígena, nas cercanias de Salvador - provavelmente a que ficava no monte do Calvário, bem próxima ao centro da cidade -, dizendo aos indígenas "que castigava a si para que Deus não os castigasse a eles". Em breve já eram mais de cem ps índios recém-convertidos que acompanhavam os jesuítas nos "exercícios espirituais". "Muitos se disciplinam com tão grande fervor que causam confusão entre os brancos", relatou Nóbrega a mestre Simão. (p. 133)
Além de viverem amancebados com as "negras da terra", escolhendo sempre "as melhores e de mais alto preço", os padres permitiam e até incentivavam a escravidão dos indígenas, absolvendo os colonos dos "pecados mais abomináveis", tornando-lhes "largo o estreito caminho do céu". Neste sentido, o relato de Nóbrega não poderia ser mais contundente: "Os clérigos dessa terra têm mais ofício de demônios que de clérigos: porque, além de seu exemplo e costumes, querem contrariar a doutrina de Cristo, e dizem publicamente aos homens que lhes é lícito estar em pecado com suas negras, pois que são suas escravas, e que podem ter (os indígenas) salteados, pois que são cães, e outras coisas semelhantes, por escutar seus pecados e abominações, de maneira que nenhum demônio temos agora que nos persiga, senão estes. Penso que, se não fosse pelo favor que temos do governador e dos principais dessa terra, e também porque Deus assim não o quer, já nos teriam tirado as vidas". (p. 134)
No Regimento dado a Tomé de Sousa, o rei afirmara: "A principal coisa que me moveu a povoar as ditas terras do Brasil foi para que a gente dela se convertesse à nossa santa fé católica". E quem melhor do que os jesuítas para fazê-lo? (p. 135)
Conscientes de que a catequese dos indígenas era arma auxiliar de dominação e colonização, os jesuítas articularam, sob a liderança de Nóbrega, uma ardilosa estratégia baseada em três vetores: a doutrinação das crianças, a desmoralização dos pajés e a conversão dos líderes tribais. (p. 136)
Nóbrega, porém, estabelecia uma precondição: o bispo deveria vir "não para fazer-se rico, porque a terra é pobre, mas para buscar as ovelhas tresmalhadas do rebanho de Jesus Cristo". (p. 137)
Conforme os anseios de Nóbrega, Sardinha de fato viria para inspirar terror. Mas, ao contrário do que gostaria o jesuíta, o bispo estava disposto a cobrar caro por seus serviços. (p. 137)
Vindo da riquíssima Índia, onde já fora acusado de corrupção e desvio de verbas pelo governador de Goa, Garcia de Sá, o bispo teria ficado "mui desgostoso com a pobreza da terra", conforme disse Nóbrega em carta aos seus superiores. Sardinha então voltou sua atenção exclusivamente para os colonos - e fez dessa relação sua principal fonte de renda, na medida em que tratou de substituir penas eclesiásticas por "penas pecuniárias". Em outras palavras, o prelado persuadiu muitos dos portugueses estabelecidos no Brasil a pagar pela absolvição de seus pecados - literalmente, e em moeda sonante. (p. 140)
Tamanha eficiência não parece ter sido suficiente. Embora tenha descrito suas ações minuciosamente, rogando ajuda e proteção do monarca, Coelho nunca obteve resposta aos seus pedidos, nem favores do rei. Suas cartas, sensatas e em tom progressivamente suplicante, forjam um retrato fiel do quadro de desregramento e desrespeito à lei que então imperava no Brasil. (p. 146)
Embora as condições de navegabilidade fossem terríveis, as "capitanias de cima" haviam sido doadas aos mais ricos e poderosos donatários, todos funcionários do tesouro real, entre os quais Fernão d'Álvares de Andrade (um dos "pais" do Governo geral, como já se viu( e o agora provedor-mor do Brasil, Antônio Cardoso de Barros. Por que homens daquela importância, diretamente ligados ao rei, tinham sido agraciados com lotes tão problemáticos? Porque os portugueses estavam convictos de que , pela via do rio Amazonas (então chamado de Maranhão), poderiam chegar ao Peru - uma fonte virtualmente inesgotável de ouro e prata. (p. 149)
Pero Borges não prendeu Bezerra, "por ser ele clérigo de missa", embora aquele homem tivesse sido responsável por gravíssimos distúrbios em três capitanias. (p. 152)
As opiniões supostamente anticlericais de Tourinho foram a justificativa de seus subordinados para iniciar um movimento contra ele. No dia 24 de novembro de 1546, o donatário de Porto Seguro foi preso pelos revoltosos na própria casa. Na semana seguinte, o padre francês Bernard de Aurejac iniciou o "julgamento" do capitão. O famigerado clérigo João Bezerra participou da conspiração, e tomou parte do júri. Acusado de heresia, Tourinho foi considerado culpado do desfecho de um processo espúrio. Em fevereiro de 1547, enviaram-no a ferros para Portugal, direto para o Tribunal do Santo Ofício. Em junho daquele ano, Tourinho já se encontrava em Lisboa, em prisão domiciliar, em sua casa, na rua do Poço. Lá permaneceu até 8 de outubro de 1550, quando começou a ser interrogado pelos inquisidores. Foi inocentado, mas jamais retornou ao Brasil. Tourinho morreria em outubro de 1553, praticamente na miséria. (p. 154)
E o relato que nunes enviou depois de chegar ao Sul do Brasil iria despertar em Nóbrega uma verdadeira obsessão: mudar-se para lá e catequizar os afáveis Carijó.
Tal propósito levaria o líder dos jesuítas no Brasil a passar três anos nos sertões de Piratininga, onde ele iria fundar o colégio e a igreja de São Paulo - estabelecimentos que dariam origem à cidade do mesmo nome. (p. 167)
Em franco litígio com Brás Cubas, capitão-mor de São Vicente, e supostamente arrependido de suas ações escravagistas, Pero Correia tornou-se o principal auxiliar de Leonardo Nunes, ajudando-o também como "língua" (ou intérprete). Mais tarde, foi aceito por Nóbrega na Companhia de Jesus, à qual doou todas as suas terras em São Vicente e em Peruíbe. (p. 169)
A segunda vila, Itanhaém, localizava-se na vasta planície litorânea que se estende a sudoeste de São Vicente, na direção de Peruíbe, Iguape e Cananéia - quase no limite entre as possessões de Portugal e Castela. Naqueles "campos ao longo do mar", Tomé de Sousa encontrara "outros moradores que estavam derramados, e eu os ajuntei e fiz cercar e viver em ordem". Ali, além dos aventureiros esparramados, o governador avistou marcos limítrofes colocados pelos castelhanos "de São Vicente até o rio da Prata". Aqueles "padrões", ou colunas de pedra, com os brasões de Carlos V, Tomé de Sousa mandou "tirar e deitar ao mar e pôr, no lugar, os de Vossa Alteza". (p. 175)
A seguir, Nóbrega pede que intercedam até junto ao papa para que João Ramalho possa casar com Bartira, "não obstante que haja conhecido outra sua irmã e quaisquer outras parentes dela (...) e se isso (o processo de regularização do casamento) custar alguma coisa, ele o enviará daqui em açúcar". (p. 184)
Para oeste, pelas atuais rua Direita e do Ouvidor, descendo a abrupta encosta da montanha rumo ao vale do Anhangabaú, nos arredores da atual praça da Bandeira, começava o Caminho do Sertão. Ele passava pelos atuais bairros de Perdizes e Pinheiros - povoados por bandos de perdizes e repletos de araucárias - e, depois de subir pela atual rua da Consolação, chegava ao topo do Caaguaçu (onde agora fica a avenida Paulista), seguindo para zona de campos hoje pertencente aos estados do paraná e Santa Catarina - o território dos Carijó e dos Guarani, cuja conversão ao cristianismo continuava sendo o principal objetivo do padre Manuel da Nóbrega. (p. 187)
Ainda assim, a expansão portuguesa sobre as terras que legalmente pertenciam à Espanha seria um processo lento - e a própria vila de São Paulo só iria assumir posição mais relevante dali a um século, e apenas porque Nóbrega tivera o discernimento de fundar seu colégio justo no entroncamento das trilhas que, a partir de 1640, permitiriam aos "bandeirantes" paulistas percorrerem (e conquistarem) toda aquela região. (p. 189)
Ao mestre Simão Rodrigues, Nóbrega disse: "Não creio que esta terra fora avante, com tantos contrastes como teve, se houvera outro governador. Dizem que ele se vai o ano que vem. Tememos muito vir outro que destrua tudo. De quantos de lá vieram, nenhum teve amos a esta terra, se não ele, porque todos querem apenas fazer em seu proveito, ainda que seja à custa da terra, porque esperam de logo se ir dela. Parece-me que se el-Rei lhe der o que tem lá e lhe casar a sua filha e lhe mandar sua mulher, folgará muito de viver cá, não por governador, mas por morador". (p. 200)
Formado em filosofia e direito civil pela Universidade de Coimbra, Grã entrara para a Companhia de Jesus em junho de 1543, aos 20 anos de idade. Era um ferrenho conservador, que apoiava a rigidez da Contra-Reforma. Após a dramática expulsão dos mestres renascentistas de Coimbra, articulada por Simão Rodrigues, Grã havia se tornado o primeiro reitor do Colégio Jesuíta, estabelecido naquela cidade, sobre os escombros de uma progressista escola anterior, o Colégio das Artes, fechada por pressão dos jesuítas e por ordem do rei. Grã ocupou o cargo até ser enviado para o Brasil como "provincial colateral" - ou seja, o segundo de Nóbrega, então recém-nomeado provincial. Grã vivera no Brasil pelos 56 anos seguintes, até sua morte, em novembro de 1609, aos 86 anos. (p. 203)
Mas Sardinha não tinha ido a Pernambuco pregar contra o fumo. O principal objetivo da viagem era converter penas eclesiásticas em pecuniárias, literalmente cobrando pela absolvição dos pecados. Tão bem-sucedido teria sido o bispo na visita que, conforme denúncia de Duarte da Costa, só em Olinda arrecadou "mais de 800 cruzados, afora muitos outros serviços que lá tomou". Embora seja difícil acreditar que Sardinha tenha conseguido amealhar tamanha fortuna em tão pouco tempo - 800 cruzados equivaliam a 320 mil reais -, não restam dúvidas de que o procedimento do bispo era aquele, pois inúmeros relatos o confirmam. (p. 209)
Em meio às malícias daquele tempo, não é de se estranhar que, disposto a obter provas contra o governador e seus aliados, o bispo não hesitasse em utilizar os segredos do confessionários. (p. 214)
Na manhã seguinte, porém, o jesuíta Luís da Grã procurou o governador e, alarmado, alertou que ele e o filho estavam "incorrendo em excomunhão por meterem na prisão" uma autoridade eclesiástica, pois cabia exclusivamente ao bispo decidir o destino de seu subordinado. (p. 215)
Documentos pesquisados por Varnhagen e Teodoro Sampaio revelam que D. Duarte e D. Álvaro haviam desregulado o sistema de escambo tão bem articulado por Tomé de Sousa - por meio do qual os indígenas forneciam alimentos e mão-de-obra aos portugueses em troca de objetos de "resgate" - e "privatizaram" aquele comércio, "concedendo a seus apaniguados licenças para que tratassem diretamente com o gentio, e até ocupando nisso os bergantins (pequenas embarcações) do Estado, que deviam estar correndo a costa e combatendo os franceses". (p. 221)
Apesar de treinado em lutas na África, já tendo participado do sítio a fortaleza e baluartes mouros bem mais sólidos, o filho do governador precisou "pelejar muito" antes de vencer aquela barreira, penetrar na aldeia e "com ajuda de Nosso Senhor, matar muitos gentios, cativar o principal dela e lha queimar toda, bem como outras duas aldeias que estavam perto". (p. 227)
A desproporção de forças entre as armas de fogo e de metal dos europeus e os tacapes e flechas dos Tupinambá era tão gritante que, embora vários portugueses tenham sido feridos, nem um único morreu, ao passo que, entre os nativos, as baixas ultrapassaram setecentos homens. (p. 228)
Nada pode ser retirado do navio: os pequenos canhões móveis do convés, os paióis, os mantimentos, as bagagens, os arcabuzes, o ouro do bispo - tudo foi engolido pela voragem dos redemoinhos. (p. 233)
De acordo com relatos que soam fictícios - dentre os quais se inclui o referido poema de Anchieta, bem como um texto do jesuíta Simão de Vasconcelos -, D. Pero portou-se com altivez e resignação no momento em que, ajoelhado, amarrado e despido, aguardava o golpe que lhe partiu o crânio. Sua morte teria adquirido, assim, contornos de martírio e, apesar das contundentes críticas ao seu comportamento no Brasil, logo houve quem propusesse sua beatificação. (p. 236)
Escrevendo três décadas após a tragédia, Gabriel Soares de Sousa registrou o episódio com pequenas modificações, em especial no que se refere ao número de sobreviventes. Em seu preciosos Tratado Descritivo do Brasil, redigido em meados da década de 1587, Soares relata: "Depois que estes Caeté roubaram o bispo e toda a gente que salvaram do naufrágio, os despiram, e amarraram a bom recado, e pouco a pouco os foram matando e comendo sem escapar mais que dois índios da Bahia e um português que lhes sabia a língua, filho do meirinho da correção". Quarenta anos mais tarde, frei Vicente do Salvador repetiria a história quase sem mudar palavra - indicativo de que se baseou em Soares. (p. 237)
Embora Gabriel Soares assegure que os indígenas "pouco a pouco foram matando e comendo" os sobreviventes do naufrágio, o fato é que os Tupi em geral devoravam apenas inimigos que julgavam dignos de receber aquela que, na sua visão, era a mais honrosa das mortes. Por isso, não comiam mulheres nem crianças. Além do mais, a data da execução era escolhida minuciosamente, a intervalos regulares, e os cativos eram abatidos em função de sua bravura em combate. No imaginário dos portugueses, porém, qualquer homem branco que caísse vítima dos nativos seria invariavelmente devorado. Isso porque, desde os primórdios da ocupação do Brasil, dentre todos os "costumes bárbaros" que professavam os indígenas, nenhum havia se revelado mais espantoso ao olhar europeu do que a antropofagia. (p. 237)
O monte do Bispo continua onde sempre esteve e, por se localizar a uns 2 quilômetros da orla, ainda não foi vitimado pela especulação imobiliária. Nesse caso, porém, não se trata de preservação ambiental, mas de abandono. Em meio a mangueiras frondosas e árvores nativas, a coroa do morro de fato revela uma clareira desnuda, embora haja indícios óbvios de que a área seja roçada de tempos em tempos. (p. 241)
Mas as esperanças de Mem de Sá eram palpáveis e não estavam tão distantes assim. Da mesma forma, pode-se afirmar que, infundado ou não, seu suposto "receio à pobreza" o impulsionaria a se tornar o homem mais rico do Brasil no século XVI - e o mais acusado de corrupção. (p. 250)
Foi então, em plena "sala da rainha", no Paço Real de Lisboa, durante a cerimônia, que um calvinista inglês, um certo William Gardiner, de Bristol, levantou-se e, na presença da família real e diante de toda a corte, "arrancou a hóstia consagrada das mãos do sacerdote, arremessando-a ao chão, quebrando-a em muitas partes, e ainda derramando o vinho não consagrado". Embora Gardiner tenha sido preso e executado com requintes de crueldade, o episódio abalou profundamente D. João III, que o teria visto como "um sinal dos céus" a anunciar desgraças futuras. (p. 252)
Dona Catarina manteve o governo de Portugal em padrões muito similares aos de seu marido. Na política externa, não se desviou no essencial das linhas ditadas por seu irmão, Carlos V, e seu sobrinho, Felipe II - como D, João III vinha fazendo em seus últimos dias de governo. Internamente, D. Catarina continuou fiel aos ideais da Contra-Reforma, aumentando os poderes da Inquisição e da Companhia de Jesus. (p. 256)
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