sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

A fascinante construção do Eu - Augusto Cury (2011)

Um Eu maduro e autoconsciente não tem a necessidade de controlar o outro. Expõe suas convicções religiosas, políticas, científicas e até esportivas sem medo, mas com brandura e generosidade, dando ao outro o direito de aceitá-las ou rejeitá-las. Sabe que não tem poder de mudar ninguém. (p. 38)

A melhor maneira de reescrever o passado é reconstruir o presente. Devemos retornar ao passado apenas para reciclá-lo, reorganizá-lo, mas não para nos fixarmos nele. Mas muitos têm um Eu saudosista, que se fixa nos fatos que já ocorreram, seja para se autopunir pela culpa, seja para reclamar o que perdeu. reclamar e se culpar esgotam a energia do Eu, fragilizam-no como engenheiro do presente. Nada mais triste do que ser refém da história e nada tão prazeroso quanto ser um construtor de um novo tempo. (p. 72)

Uma pessoa que tem autoconsciência sólida e habilidade para aumentar a base de leitura da memória jamais venderá sua dignidade e tranquilidade por um preço vil. Se alguém a quem ela ama a trai ou frustra, lhe dá liberdade para partir sem vingança e sem grandes mágoas. Não existem pessoas intelectualmente limitadas, mas mentes estressadas e viciadas em raciocinar de maneira estreita e unifocal. (p. 86)

Pais que são especialistas em criticar os comportamentos de seus filhos, mas são incapazes de perguntar as causas que financiam suas reações e de dialogar abertamente e trocar experiências com eles, têm mais aptidão para formar servos do sistema social do que autores da sua própria história. Tais pais podem detestar as drogas e ter medo de que seus filhos a usem, mas não sabem que o seu Eu tem um grave vício, o da crítica e das respostas prontas e previsíveis. Você tem esse vício? (p. 87)

Em casos mais graves, o pensamento simples/unifocal, ancorado em janelas killer duplo P que contêm extremismos, radicalismos, insensibilidades, pode financiar o desenvolvimento de ditadores, sociopatas, psicopatas, cujo Eu tem a necessidade neurótica de poder, de estar acima dos outros e de que o mundo gravite na sua órbita. O autoritarismo não nasce no solo de uma racionalidade complexa, mas simplista. Por mais poderoso que um ditador possa ser no terreno social, será sempre frágil em seu psiquismo. (p. 88)

A crítica nos tira da condição de espectadores passivos e nos transforma em atores do processo de construção das ideias. (p. 98)

As mídias estão doentes, pois exaltam uma minoria em detrimento da complexidade da grande maioria. Induzem a formação de um Eu que se deprecia, perde a própria órbita e se torna facilmente manipulável. Os ditadores precisam do culto à celebridade, mas uma sociedade saudável precisa de mentes livres. (p. 111)

Se me sinto ferido, chateado, angustiado pelo comportamento do outro, não foi o outro que invadiu minha emoção, pois ele emitiu pensamentos virtuais através de suas palavras e gestos, que não têm esse poder. Fui eu mesmo que construí minha mazela emocional. A raiva, o ódio, o ciúme, a inveja não se transportam essencialmente pelos códigos linguísticos e visuais, precisam da cumplicidade do processo de interpretação do hospedeiro para se aninhar. Se alguém o ofender muitíssimo numa língua que você desconhece, não ficará perturbado, a não ser pelos gestos e pela tonalidade de voz. (p. 126)

Não nos relacionamos com as pessoas apenas porque elas existem e são concretas, mas também porque estão representadas e têm significados em nossa memória. Se um pai precisa aumentar muito o tom de voz para se fazer ouvir é porque sua "imagem" foi malformada nos solos da memória dos seus filhos. Se tivesse sido bem formada, um tom de voz brando bastaria para obter um grande impacto emocional. (p. 133)

Não estranhe estra frase, mas reflita sobre ela: a impossibilidade de incorporabilidade da substancialidade psíquica dos outros pela racionalidade na esfera da virtualidade produz mundos paralelos, onde estamos próximos e infinitamente distantes. (p. 136)

Entre o que somos e o que pensamos ser há uma barreira virtual paradoxal. Estamos próximos e infinitamente distantes de nós mesmos. (p. 142)

Se não for possível o Eu mudar o ambiente, ele deve mudar a si mesmo. Se não o fizer, será vítima, e não ator principal do seu script.

Loucura é conversar com todos que nos rodeiam, mas nos calar sobre nossa história. Loucura é criticar o mundo de fora, mas não criticar nossos fantasmas, não reciclar nossos medos, não dar um choque de lucidez em nossos pensamentos dialéticos e antidialéticos perturbadores. Loucura é desligar os motores de nossos carros para que não sofram desgastes, mas não desligar as nossas mentes, ou gerenciar nossos pensamentos para não estressar intensamente o nosso cérebro. Loucura é distinguir inúmeros sons ao nosso redor, mas não escutar a voz agradável e inaudível do antiespaço do pensamento virtual que clama para procurarmos por nós mesmos e mudarmos nosso estilo ansioso de vida. Loucura é consumir produtos e serviços e esquecer que aquilo que o dinheiro não compra, como a arte de proteger a psique e de se interiorizar, é fundamental para a saúde psíquica. Loucura é viver em casas e apartamentos confortáveis , mas não ter lugar dentro de si para descansar e relaxar. Sim, loucura é o Eu se autoabandonar nesta belíssima e imprevisível existência e não usar sua inteligência para se reconstruir nem se reinventar... (p. 188)


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